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Especial ZAP | Com muitas dúvidas e “pouco jeito para profeta”, Alexandre Quintanilha ainda luta pela Ciência

(fc) PS / Flickr

Alexandre Quintanilha, cabeça-de-lista da lista do PS pelo círculo do Porto, faz uma avaliação “muito positiva” dos últimos quatro anos. Em entrevista ao ZAP, o político, que antes disso é cientista, disse não ter “jeito para profeta”, mas admite haver espaço para uma nova geringonça que, segundo diz, “funcionou bem”.

Findos quatro anos de legislatura, Alexandre Quintanilha recorda bem como aceitou o convite de António Costa para encabeçar a lista do Porto em 2015 – “com muito medo”. “Eu nunca tinha estado na política, não tinha experiência na política, portanto, sentia-me muito incompetente”, confessa.

Nascido em Moçambique em 1945, Alexandre Quintanilha formou-se em Física e especializou-se em Física Teórica, tendo um doutoramento em Física do Estado Sólido. O físico mudou a orientação da sua carreira para a área da Biologia em 1972. Depois de 18 anos na Universidade de Berkeley, na Califórnia, o cientista regressou a Portugal em 1990.

Teve medo, mas aceitou juntar-se à lista de António Costa, que haveria de ser o próximo primeiro-ministro português. Aceitou com esperança, recorda, porque queria “ajudar o país a mudar radicalmente de direção”. Em entrevista ao ZAP, Alexandre Quintanilha disse que “estava chocado, insultado e frustrado” com a direção que o país estava a levar e queria contribuir para uma mudança.

Criticando o Governo anterior, o político refere que é preciso “ter uma noção de que a austeridade, mesmo quando é necessária, não deve ir além de linhas vermelhas muito claras”. “O que estava a acontecer é que dava a impressão que o país estava a querer ainda ir ainda mais longe do que aquilo que a troika queria fazer”, defende.

Em relação ao Governo de António Costa, Quintanilha repete o que tem sido dito: “cumpriram os compromissos que tinham”. Ainda assim, o deputado do PS sublinha que ainda há muito por fazer, “é claro”. “Mas já começámos. O emprego aumentou, o clima em Portugal junto das várias gerações também mudou, fizemos investimentos no público muito significativos, quase que revertemos aquilo que tinha sido retirado do público e as questões das desigualdades também foram bastante atenuadas”, enumera.

O cabeça-de-lista da lista do Porto recorda, como tem sido reforçado por António Costa, que o PS manteve as “contas certas”. E, para Quintanilha, “não é preciso terem a minha idade para perceber que manter as contas certas é fundamental, porque se não o fizermos quem paga são as gerações futuras e é melhor diminuir essa dívida o mais possível“.

Alexandre Quintanilha termina o balanço dos últimos quatro anos, dizendo-se satisfeito. “Na pequenina medida em que pude contribuir para isso, como deputado e como presidente da Comissão da Educação e Ciência, dá-me alguma satisfação porque fomos na direção certa”.

Deputados advogados e deputados professores são algo normal no Parlamento. Mas ser deputado cientista não é assim tão comum. Questionado sobre a forma como isso influenciava a sua atividade política, Quintanilha admitiu: “ter muitas dúvidas” – “É aquilo que caracteriza uma pessoas neste domínios. Não ter certezas”.

Alexandre Quintanilha recorda uma frase célebre atribuída ao antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva: “Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas”. “Acho isso perigosíssimo. Quando um pessoa acredita que pôs cá fora uma lei que é melhor do que a anterior, tem que perceber se realmente o objetivo foi conseguido e, se foi conseguido, tornar a lei ainda mais robusta, avançá-la ainda mais. Se não, voltar atrás”. Para o político, é necessário “nunca ter certezas absolutas sobre o que quer que seja”.

Questionado sobre se consideraria participar num Governo como ministro, o político descarta a ideia: “Não é uma ambição minha de maneira nenhuma. Já não era na legislatura anterior, não é para esta”. Quintanilha afirma mesmo não ter idade para essas coisas. “Já tenho 74 anos e não tenho a mesma energia que tinha aos 54”, diz, entre risos. “Ser ministro é dedicar 150% do seu tempo naquela área e eu já não tenho esse tipo de energia”.

Geringonça 2.0. Sim, mas “cuidado com as profecias”

Em relação ao funcionamento da maioria parlamentar de esquerda – a chamada “geringonça” -, Alexandre Quintanilha é categórico: “Não sei se funcionou muito bem, mas funcionou bem.” E não o espanta que tenha funcionado.

O político diz mesmo que o entendimento à esquerda foi “inédito”. “Eu não conheço outro sítio no mundo em que quatro partidos de esquerda tenham conseguido manter uma aliança virtuosa a funcionar“.

Mas mais importante que funcionar, o cabeça-de-lista refere que nenhum dos partidos que formaram a geringonça – PS, Bloco de Esquerda, PCP e os Verdes – perdeu a sua identidade. “Continuaram a lutar pelos valores e pelos ideais que tinham. Continuaram a fazer pressão para que as suas reivindicações fossem atingidas. Fizeram o seu papel a defender os trabalhadores, defender contra a precariedade, defender um serviço público na saúde e na educação cada vez mais robusto. Por isso acho que fizeram aquilo que tinham de fazer, que fazia parte daquilo que era a sua identidade”.

(dr) PSocialista / Flickr

Convenção Temática Sociedade Digital. Maria Manuel Leitão Marques com Alexandre Quintanilha

Questionado sobre a possibilidade de voltar a haver um entendimento nos próximos quatro anos, Quintanilha começa por brincar: “Tenho muita dificuldade em fazer futurologia, tenho pouco jeito para profeta”. Antes de político, o deputado é cientista e “uma das coisas que a ciência nos ensina é a ter muito cuidado com as profecias“.

Mas depois admite: “Se me perguntar de uma forma intuitiva, eu acho que há espaço para um novo entendimento”. Mas só à esquerda, “a não ser que os partidos de direita mudem muito”. “Mas duvido”, acrescenta o político, prontamente.

Ciência: financiamento e concursos

No programa eleitoral do PS, o objetivo para a Ciência é atingir até 2030 os 3% do PIB (Produto Interno Bruto) para o investimento em Ciência, entre Estado, instituições universitárias e empresas.

Ao ZAP, Quintanilha recorda que Portugal está, atualmente, com um investimento de “um bocadinho menos de 1,4%” do PIB em Ciência. O também presidente da Comissão para a Educação e Ciência diz mesmo há três anos consecutivos que tem havido uma “viragem” no financiamento, fazendo com que o país se esteja aproximar novamente da Europa. Apesar de Portugal estar numa “curva de aproximação”, o político alerta que “ainda está longe”.

Por outro lado, segundo Alexandre Quintanilha, o que os investigadores esperam é que haja alterações significativas relacionadas com a previsão da altura em que há a abertura de concursos para projetos científicos. “Isso tem sido uma promessa dos últimos 30 anos. Estamos à espera que haja uma previsão de quando abrem concursos para projetos que deviam acontecer de uma forma regular, devia haver um calendário para que isso aconteça”.

O financiamento da Ciência é importante para Quintanilha porque, segundo ele, “há uma sensação de que as instituições onde o conhecimento é explorado ainda se sentem muito frágeis. O político diz que é necessário que as instituições “tenham um mínimo necessário para poderem planear a curto e médio prazo aquilo que fazem”. E o cientista “gostaria muito, como deputado do PS, de lutar para que isso aconteça“.

“Quando cheguei, parecia que estava no século XIX”

Falar de Ciência é fácil para Quintanilha. E o político de 74 anos recorda bem como era Portugal há 29, quando voltou dos Estados Unidos. “Na área do conhecimento, Portugal parecia que estava no século XIX. Ainda não tinha chegado ao século XX”, diz. “Havia uma ideia de que o conhecimento e a Ciência eram uma coisa para as elites. Havia um grupo pequeno de pessoas que tinham muito prestígio e que faziam Ciência de qualidade mas era um número muito reduzido de pessoas”.

Mas agora já não é assim e o país “não tem rigorosamente nada a ver com aquilo que era”. Quintanilha refere que Portugal atingiu e ultrapassou a média dos países da OCDE e da União Europeia. “Acho que a mentalidade mudou. Há muito mais gente a perceber que o futuro – o melhor futuro – depende de um conhecimento cada vez mais robusto”.

António Cotrim / Lusa

Mário Nogueira (FENPROF) com Alexandre Quintanilha (PS)

Questionado sobre a fuga de cérebros para o estrangeiro, o político disse esperar bem que continue a acontecer. “Não me preocupa rigorosamente nada. Até acho muito bom porque, na área do conhecimento, não há nada melhor do que a gente misturar-se com pessoas de outras partes do mundo, de outras áreas do conhecimento. O que me assustava era se não houvesse entrada de cérebros e isso também está a mudar”.

Além dessas mudanças, Quintanilha também recorda que já não somos tão pequenos como antes na Europa. “Em termos geográficos, há mais pequeninos do que nós”, brinca. “Em termos de importância na área do conhecimento, já ultrapassamos a média europeia. Já ultrapassamos em muitas áreas a média dos países da OCDE”.

“Tivemos 300 anos de inquisição e 50 de ditadura, quase um a seguir ao outro, com muita instabilidade no fim da Monarquia, o princípio da República. O que nós conseguimos nos últimos 30 anos é absolutamente espantoso numa sociedade é que a curiosidade e a imaginação eram sistematicamente castigadas”, insiste, acrescentando que Portugal “mudou muito e para melhor”.

Em relação às alterações climáticas, Quintanilha não se diz crente nem descrente. “Dá a ideia de que é uma religião”, diz. Mas recorda que, pouco depois de chegar a Portugal, fez uma série de conferências na Fundação Serralves, no Porto, e na Câmara Municipal de Matosinhos sobre os desafios das alterações climáticas e da demografia.

“Isto foi há 28 anos. Naquela altura, toda a gente achava que eu estava a exagerar, que não era um problema, que isso era só no futuro. Hoje está na ordem do dia. Isto é um assunto não só em que eu apostei como um dos grandes desafios do nosso planeta. Há mais 40 anos que falo sobre isso”, afirma.

Em relação a soluções, Quintanilha diz que há muita coisa que se pode fazer: “usar energia de uma forma mais eficiente, usar energia renovável, ser mais cuidadoso com a forma como se usa os recursos naturais e perceber que muitas da alterações podem não ser reversíveis”, conclui o cientista.

Os avanços mais importantes da Ciência

Ao ZAP, Alexandre Quintanilha falou aqueles que considera serem os mais importantes avanços científicos dos últimos anos. Na Física, a descoberta do bosão de Higgs foi uma das grandes descobertas para o cientista. “A ideia de que a massa da matéria está associada a esta partícula já havia sido sugerida há muitas décadas por teóricos e foi finalmente descoberta“.

Já na Biologia, o CRISPR, uma tecnologia para editar a molécula do ADN, foi também um grande avanço, considera. “Poder ir ao ADN dos seres vivos e poder editá-lo como se fosse um texto escrito, mudando letras, foi, na minha opinião, uma das grandes descobertas, cujas implicações ainda estão muito longe de se perceber”, refere.

Na mesma área, Quintanilha fala da possibilidade de substituir mitocôndrias defeituosas para que as crianças nasçam e evitem doença mortal e degenerativa. “Não só para si”, sublinha. “Para todas as gerações no futuro: filhos, netos. A doença desaparece nessa família”.

Na área das Ciências Sociais e das Ciências Humanas, o político sublinha a “possibilidade de casais definidos da maneira que quiserem poderem ter filhos por procriação medicamente assistida”.

Quintanilha confessa mesmo que gostaria que a sociedade fosse “pós-género”. “Entre esta coisa do rótulo, se a pessoas é este género ou aquele, ou o terceiro, ou o quarto ou o quinto, gostava que pudéssemos ultrapassar isso e houvesse uma sociedade sem rótulos”.

Nota: No âmbito das Eleições Legislativas 2019, o ZAP contactou os partidos que, em 2015, reuniram mais de 0,50% dos votos.

MC, ZAP //

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