Mudança radical no combate à corrupção no Reino Unido: angolana “abusou sistematicamente dos seus cargos em empresas estatais para desviar pelo menos 420 milhões de euros”.
O Governo britânico anunciou esta quinta-feira sanções à empresária angolana Isabel dos Santos e dois dos seus associados, incluindo a proibição de entrar no país e o congelamento de ativos.
As sanções constituem o primeiro passo da nova campanha do Ministério dos Negócios Estrangeiros para combater a corrupção e o financiamento ilícito, segundo o comunicado.
Estão abrangidos pelas sanções outros dois “cleptocratas (…) que desviaram riquezas dos seus países de origem, bem como os seus amigos, familiares e intermediários que os ajudaram”, o ucraniano Dmitry Firtash e o político letão Aivars Lembergs.
Para além de Isabel dos Santos, são ainda alvo de sanções a sócia e amiga Paula Oliveira e o ex-diretor financeiro da Sonangol Sarju Raikundalia.
“Isabel dos Santos, filha do antigo presidente de Angola, abusou sistematicamente dos seus cargos em empresas estatais para desviar pelo menos 350 milhões de libras esterlinas [420 milhões de euros], privando Angola de recursos e financiamento para o tão necessário desenvolvimento”, afirma o Governo britânico, lembrando que a empresária é alvo de um aviso vermelho da Interpol desde novembro de 2022 e, no mês passado, perdeu um processo no Tribunal de Recurso relativo ao congelamento dos seus bens a nível mundial.
Os seus associados ajudaram Isabel dos Santos a desviar “a riqueza de Angola em seu próprio benefício”, acrescenta-se.
Onde está Isabel dos Santos?
Isabel dos Santos estará a viver em permanência no Dubai para escapar a mandado de captura internacional da Interpol, e Angola já pediu, há mais de um ano, a sua detenção.
“Já remetemos toda a documentação necessária ao Dubai, aos Emirados Árabes Unidos e aguardamos que eles cumpram”, disse Hélder Pitta Groz no final de uma visita ao seu homólogo português em outubro.
Além disso, adiantou, “fizemos visitas concretas aos Emirados para podermos contactar as autoridades competentes e aguardamos que eles digam alguma coisa, já não depende de nós”.
A empresária tem mantido a declaração de inocência, argumentando que este é um processo político movido pelo atual governo angolano com o objetivo de denegrir a imagem da família do antigo Presidente.
Ainda no primeiro dia de novembro, recorreu ao seu Instagram para o sublinhar: “não estou nem nunca estive em lugar desconhecido” e que “é falso que as autoridades angolanas não me conseguem contactar”: “sempre estive disponível”.
“Bem haja ainda haver países no mundo que respeitam a presunção de inocência e os Direitos Humanos e não executam detenções aleatórias, por ordens e interesses superiores”, escreveu.
“Mentiras”, diz empresária
A empresária já reagiu às novas sanções: diz que são injustificadas e anunciou que tenciona recorrer da decisão e quer provar “as mentiras” que o Governo angolano fabricou contra si.
“Nenhum tribunal me considerou culpada de corrupção ou suborno. Estamos perante mais um passo na campanha de perseguição politicamente motivada de Angola contra mim e a minha família”, insistiu, afirmando que tenciona recorrer da decisão britânica.
“Espero que o Reino Unido me dê a oportunidade de apresentar as minhas provas e provar estas mentiras fabricadas contra mim pelo regime angolano”, salientou num comunicado a que a Lusa teve acesso.
“Enfrentar os cleptocratas e o dinheiro sujo que lhes dá poder”
Esta é uma mudança radical na forma como o Governo “está a utilizar os seus poderes de sanção para tornar o Reino Unido um ambiente mais hostil para os agentes corruptos operarem”, adianta o governo, sublinhando que “a luta contra a corrupção e o financiamento ilícito é vital para proteger o público britânico do crime organizado”.
Citado no comunicado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, declara-se comprometido a “enfrentar os cleptocratas e o dinheiro sujo que lhes dá poder”, frisando que as sanções são o primeiro passo.
“A maré está a mudar. A era dourada do branqueamento de capitais terminou”, reforçou o ministro.
As sanções complementam o trabalho que está a ser realizado pelo Centro Internacional de Coordenação Anticorrupção (IACCC), uma unidade de aplicação da lei de âmbito internacional que envolve várias agências e presta apoio em investigações sobre corrupção e apropriação indevida dos ativos de um país.
“O IACCC está atualmente a prestar assistência a investigações em 42 países. Só em Angola, a IACCC prestou apoio na identificação e congelamento de centenas de milhões de libras de produtos do crime”, refere-se no documento.
O IACCC ajudou já a identificar 1,45 mil milhões de libras em ativos ocultos (1,74 mil milhões de euros), dos quais 631 milhões de libras (757 milhões de euros) foram congelados por ordens judiciais, e permitiu 49 detenções de pessoas politicamente expostas ou de agentes corruptos.
ZAP // Lusa