Jesse Gelsinger morreu após receber um tratamento de terapia genética para uma doença do fígado. A morte desencadeou uma investigação e cautela em torno da terapia genética, acabando por travar a pesquisa durante vários anos.
17 de setembro de 1999: há 26 anos, um adolescente que tinha recebido uma terapia genética experimental morreu.
A morte de Jesse Gelsinger levou a mudanças no processo de ensaios clínicos e também a um ceticismo que viria a travar o campo da terapia genética durante anos.
Jesse Gelsinger tinha 18 anos e sofria de deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC), uma doença genética que afeta cerca de 1 em cada 40.000 recém-nascidos. A condição impede o organismo de produzir uma enzima que normalmente decompõe a amónia, um produto natural do metabolismo. Sem esta enzima, a amónia acumula-se no organismo e envenena o sangue.
Cerca de 90 % dos bebés com a forma mais grave da deficiência de OTC morrem. Mas Gelsinger — que tinha uma forma mais ligeira, de “início tardio” — atingira a idade adulta seguindo rigorosamente uma dieta pobre em proteínas e um regime de 50 comprimidos por dia, para ajudar a reduzir a quantidade de amónia no sangue e contrariar os seus efeitos.
Gelsinger queria ajudar recém-nascidos com a doença, pelo que se inscreveu num ensaio para testar a segurança de uma terapia genética destinada a corrigir o gene defeituoso OTC.
Como explica a Live Science, o tratamento utilizava uma forma enfraquecida de adenovírus, um tipo de vírus da constipação, para entregar a forma corrigida do gene OTC às células de Gelsinger.
Gelsinger foi até à Universidade da Pensilvânia, onde decorria o ensaio, e recebeu o tratamento infundido na artéria que alimenta o fígado a 13 de setembro de 1999.
Nesse dia teve sintomas semelhantes aos da gripe, como era esperado. Mas no dia seguinte estava ictérico, desenvolveu uma reação inflamatória grave e uma perturbação da coagulação; e os órgãos começaram a falhar.
Morreu a 17 de setembro. As investigações revelaram que a morte foi causada por uma reação imunitária severa ao vírus utilizado para administrar o tratamento.
Segundo o The New York Times, a Food and Drug Administration (FDA) encontrou numerosos problemas na inscrição de Gelsinger no ensaio.
Primeiro, a função hepática estava demasiado comprometida e os níveis de amónia eram demasiado altos quando iniciou o ensaio.
Segundo, a equipa não revelou aos doentes que, antes do ensaio, animais de laboratório tinham morrido com doses mais altas da terapia. Além disso, outros participantes humanos tinham tido efeitos adversos graves.
Como conta a Live Science, James Wilson, investigador principal, tinha ações da Genovo, a empresa que desenvolvia a terapia, e poderia lucrar milhões se o tratamento tivesse sucesso.
Um STOP no estudo da genética
A morte de Jesse Gelsinger lançou uma sombra sobre o campo da genética e, à medida que o financiamento público e privado para esta abordagem secava, a este tipo de terapia ficou estagnada.
A morte de Jesse Gelsinger levou a várias alterações na forma como os ensaios clínicos de terapia genética são conduzidos, bem como a requisitos mais fortes de consentimento informado.
Todos os ensaios de terapia genética em curso na Universidade da Pensilvânia foram suspensos. A FDA também passou a exigir monitorização mais rigorosa dos ensaios de terapia genética.
Com progressos na compreensão dos vectores virais utilizados para administrar a terapia genética, e mais tarde, com o advento da ferramenta de edição genética CRISPR, o campo conseguiu recuperar.
Entretanto, os cientistas já utilizaram a terapia genética para tratar muitas doenças genéticas raras, incluindo imunodeficiência combinada grave e múltiplas formas de cegueira.