Guerra nuclear, clima, asteróides, 300 milhões de sociopatas e outras ameaças à Humanidade

Estarão os humanos destinados a ter o mesmo futuro que os dinossauros e os extintos dodós?

A Humanidade enfrenta actualmente inúmeros perigos potencialmente fatais, entre os quais as alterações climáticas, o risco de uma guerra nuclear, novas pandemias como a do coronavírus — e mesmo a possibilidade de a Terra ser atingida por um asteróide gigante.

Em 2019, o filósofo e apresentador de rádio David Edmonds discutiu na BBC estes riscos com especialistas que dedicaram as suas vidas profissionais a investigar como podemos mitigá-los, e tentou responder à grande questão: será que os seres humanos vão sobreviver até ao fim do século?

Três anos mais tarde, a questão é mais premente do que nunca.

Até meados do século XX, pensávamos que vivíamos num lugar relativamente seguro, mas esse já não é agora o caso. Os riscos existenciais que ameaçam levar a  humanidade à destruição são muitos, e variados.

“Um risco existencial é um tipo de ameaça à humanidade ou aos nossos descendentes que simplesmente nos aniquilaria”, explica Anders Sandberg, investigador do Instituto do Futuro da Humanidade da Universidade de Oxford.

A aparentemente, não faltam “riscos existenciais” a ameaçar a humanidade.

Asteróides gigantes

Até 1980, não sabíamos que a Terra estava sujeita a catástrofes a uma escala global resultantes da colisão de corpos rochosos vindos do espaço sideral.

Mas nesse ano, os cientistas Luis e Walter Alvarez, pai e filho, mudaram tudo o que julgávamos saber sobre a ameaça de corpos celestes, com a publicação da sua teoria de que os dinossauros tinham sido extintos por um asteróide que colidiu com a Terra (e não só).

A hipótese de Alvarez foi posteriormente secundada por um painel internacional de cientistas, após a descoberta da cratera de um asteróide gigante na península do Iucatão, no México — que não podia ter caído em pior sítio, explica à BBC o biólogo Ben Garrod.

No entanto, os cientistas que estudam riscos existenciais consideram que a probabilidade de o mundo acabar com uma colisão com um asteróide é muito remota comparada com outros riscos – nomeadamente os que nós próprios estamos a criar.

E nem tudo são más notícias. Recentemente, um missão kamikaze da NASA fez colidir com sucesso a nave DART contra o asteróide Dimorphos, mudando-lhe o perfil e transformando-o no que aparenta ser um cometa — um sinal de que talvez seja possível desviar ou destruir um asteróide cuja rota ameace a Terra.

Sobrepovoamento, falta de recursos, clima

A investigadora Karin Kuhlemann, da University College London, estuda a relação entre a questão populacional e os riscos representados pelas mudanças climáticas – um assunto que raramente tem espaço nas manchetes dos jornais.

Tal como o esgotamento dos recursos naturais, o impacto do crescimento exponencial da população do planeta é um tema que nos faz sentir mal, pelo que preferimos não pensar muito nele, considera a cientista.

Apesar disso, os dois assuntos estão interligados, diz Karin, e a culpa é nossa. “As alterações climáticas são consequência do sobrepovoamento, tal como o esgotamento dos recursos naturais, e as duas coisas retroalimentam-se”, sustenta a cientista.

“Os recursos naturais do planeta estão a esgotar-se, usamos mais petróleo para compensar essa escassez, o que agrava as alterações climáticas“, diz a investigadora britânica. “Se a população não parar de crescer, será praticamente impossível impedir o avanço das mudanças climáticas”.

Curiosamente, a diminuição drástica de uma população também pode ter um impacto imprevisível nas alterações climáticas.

Segundo um estudo do University College London, a colonização do continente americano pelos portugueses e espanhóis no fim do Século XV, provocou tantas mortes que fez descer a temperatura da Terra.

A destruição da biodiversidade

A Humanidade tem estado a viver como se a eliminação da vida selvagem fosse apenas “um infortúnio”.

Mas segundo sustentam alguns investigadores, até ao fim da primeira metade deste século não haverá peixes no mar em quantidade suficiente para sustentar a pesca comercial. Isso quer dizer que não haverá peixe à venda no mercado.

Outra grande preocupação da comunidade científica é com os insetos, que estão também a desaparecer, lentamente mas de forma inexorável, assim como algumas espécies de aves – nomeadamente, as que se alimentam de insetos.

Os cientistas não param também de alertar que as abelhas vão desaparecer em breve, e esse desaparecimento massivo, causado pelas alterações climáticas, poderia ser catastrófico também para os humanos, podendo levar à fome a nível mundial.

“Não sabemos exactamente qual é o impacto da erradicação da biodiversidade no nosso mundo”, diz Karin Kuhlemann, “mas uma coisa é certa: ela não nos beneficia.

Pandemias

O implacável SARS-CoV-2 que desde 2020 assola a Terra causou até agora mais de 6 milhões de mortos em todo o mundo. O marco foi alcançado em março de 2022, à entrada do terceiro ano de pandemia de covid-19.

O combate ao coronavírus foi duro, mas as vacinas e a crescente imunidade natural da população parecem ter abrandado a propagação do vírus — e das suas variantes.

A humanidade parece por agora ter vencido a batalha contra o “novo coronavírus” (que já não é novo) e ter escapado à extinção por pandemia.

Mas muito antes de o SARS-CoV-2 ter tomado o planeta de assalto, cientistas e personalidades de relevo já alertavam para os riscos de uma pandemia ter efeitos devastadores sobre a população mundial.

A investigadora Lalitha Sundaram do Centro de Risco Existencial, em Inglaterra, tem uma missão: avaliar riscos biológicos que possam colocar em risco a população mundial. Sundaram recorda a Gripe Espanhola, de 1918, explicando que se estima que a doença tenha provocado a morte de 50 milhões a 100 milhões de pessoas.

Esta pandemia aconteceu após a grande onda migratória que se seguiu à Primeira Guerra (1914-1918). Enviadas de volta a casa após o conflito, milhões de pessoas forçadas a viver em espaços confinados criaram as condições propícias à propagação da mortífera doença.

Um caso paradigmático foi o do Brasil, invadido pela gripe espanhola transportada a bordo pelo Demerara, navio procedente da Europa. Em setembro de 1918, sem saber que trazia a terrível mutação do vírus, o transatlântico desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio.

No mês seguinte, o país todo estava submerso na que é até hoje é a mais devastadora epidemia da sua história, provocando a morte a 30 mil pessoas, entre as quais o então presidente do Brasil, Rodrigues Alves, eleito em março de 1918 para um segundo mandato, que caiu à cama com a doença e nem chega a tomar posse.

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Há 100 anos, a gripe espanhola devastou o Brasil e matou o presidente do país, Rodrigues Alves

“É por isso que, apesar de termos atualmente melhores vacinas e cuidados médicos mais avançados, a globalização traz alguns perigos“, considera Sundaram.

Na altura da Gripe Espanhola, as pessoas viajavam de comboio ou barco, mas na era das viagens aéreas, as doenças podem espalhar-se mais depressa, com consequências graves — como se viu com o SARS-CoV-2, cuja propagação voraz viajou de avião.

Comparados com os 6 milhões de mortes da pandemia de 2020-22, os 30 mil mortos da Gripe Espanhola parecem insignificantes. Como será a próxima pandemia?

Bill Gates está preocupado — há algum tempo. O fundador da Microsoft dizia já em 2019 que uma epidemia de gripe mortal é uma das maiores ameaças à Humanidade.

“Se alguma coisa pode matar dezenas de milhões de pessoas em pouco tempo é uma epidemia global. E a doença seria muito provavelmente uma forma de gripe, porque o vírus da gripe espalha-se facilmente pelo ar”, dizia Gates.

“Atualmente, uma gripe tão contagiosa e letal como a de 1918, mataria 33 milhões de pessoas em seis meses”. A covid-19 matou 6 milhões, em 3 anos.

Gates acertou no perigo, enganou-se felizmente na dimensão da catástrofe. Mas, alertou recentemente o milionário, o mundo teve sorte de a covid-19 não ter sido mais fatal.

Ameaças de sociopatas. São 300 milhões

A maior parte dos riscos existenciais criados pelos seres humanos não é intencional. Mas à medida que a ciência e a tecnologia avançam, é cada vez mais preocupante a possibilidade de ataques catastróficos propositados, como, por exemplo, a criação de um vírus de laboratório usando biotecnologia.

Se houvesse um botão do fim do mundo que pudesse destruir-nos a todos, há um número preocupante de pessoas que escolheria usá-lo, revela Phil Torres, investigador do Future of Life Institute.

Esses “apertadores de botões” podem ser extremistas religiosos que acreditam que foram enviados por Deus para destruir o mundo, normalmente como forma de o salvar, como é o caso da seita japonesa Aum Shinrikyo.

Também corremos riscos com o que Torres descreve como “atores idiossincráticos” – pessoas cuja motivação para provocar a extinção humana (em pequenos grupos ou em massa, consoante o seu potencial criativo) são meramente “motivos pessoais”.

Mas quantos “apertadores de botões” há afinal por aí à solta?  Os especialistas estimam que haja atualmente cerca de 300 milhões de sociopatas no mundo, muitos dos quais poderiam representar uma ameaça – e não apenas para o vizinho do lado.

Guerra nuclear

Embora o risco de deflagração de um conflito nuclear global pareça uma história longínqua dos tempos da Guerra Fria, a verdade é que esse risco não é nulo – e na realidade, uma mera falha de sistema (ou simples erro humano) poderia já ter provocado uma Guerra Termonuclear Global.

Em 2019, o especialista em geo-estratégia Robert Farley, professor do Colégio Militar dos EUA, aponta mesmo os cinco locais em que poderia começar.

Mas o dia 22 de fevereiro de 2022 mudou dramaticamente a perceção que temos acerca desse risco — que parece ser mais alto do que nunca.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o mundo assistiu a uma escalada da tensão, e nas últimas semanas, perante uma aparente derrota da estratégia militar russa, o presidente Vladimir Putin tem repetidamente ameaçado usar armas nucleares.

Nos últimos dias, a escalada de tensão acelerou. Um submarino nuclear com 6 mísseis Poseidon, os “Torpedos do Juízo Final” capazes de destruir cidades costeiras inteiras, desapareceu dos radares da NATO. A semana passada, a Rússia enviou enviou 7 bombardeiros nucleares para a fronteira com a Finlândia.

A Rússia parece estar a preparar-se para todas as eventualidades — incluindo uma Guerra Nuclear. Que consequências teria para a Humanidade?

Uma guerra nuclear provavelmente não nos mataria a todos, mas os seus efeitos posteriores, talvez. A extinção humana que se sucederia a uma guerra nuclear seria uma combinação da devastação inicial, do caos económico e do impacto ambiental global.

De acordo com duas simulações diferentes, realizadas por equipas de investigação independentes, uma guerra nuclear entre os EUA e a Rússia resultaria em mais de 90 milhões de mortos e feridos, só nas primeiras horas do conflito — e mergulharia o mundo num Inverno nuclear durante pelo menos dez anos.

Inteligência artificial

Apesar da ameaça de um conflito nuclear ser preocupante, há quem considere que os riscos associados à Inteligência Artificial são maiores. É o caso de Elon Musk, fundador da Tesla e SpaceX, para quem a IA é mais perigosa que ogivas nucleares. “Estou muito próximo da IA e devo dizer que me assusta muito”, diz Musk.

O empresário teme que o desenvolvimento da Inteligência Artificial dê origem ao poder ditatorial de um robô, ao qual ninguém pode escapar.

“Na era da inteligência artificial podemos vir a criar um ‘ditador imortal ao qual nunca escaparíamos’”, explica Elon Musk no documentário “Confias no teu computador?“, produzido pelo cineasta Chris Paine.

Musk diz que a III Guerra Mundial será causada (e ganha) pela Inteligência Artificial, mas os riscos associados à IA não surgem apenas em cenários dantescos semelhantes aos retratados pela saga de filmes “Terminator”, na qual as máquinas ganham consciência e lançam um ataque devastador para exterminar a Humanidade.

Muito antes de as máquinas poderem estar em condições de nos conquistar pelas armas, podem simplesmente causar o caos no planeta.

Por exemplo, num mundo cada vez mais automatizado, um qualquer algoritmo autónomo distraído pode por acidente causar um colapso do mercado global de ações e provocar a implosão da economia.

Curiosamente, apesar das suas preocupações com o advento da IA e o risco de um dia termos um robô ditador na Terra, Elon Musk acaba de apresentar ao mundo o seu Optimus, o novo robô humanoide da Tesla.

Heil Optimus?

Como reduzir os riscos existenciais?

Afinal, quão precária é a nossa civilização? A resposta depende essencialmente do risco em causa.

O mais importante é que o futuro não está determinado, e a altura para agir é agora, e a comunidade científica em todo o mundo procura respostas. Sandberg, por exemplo, estuda formas de manter as máquinas sob controlo humano.

Inúmeros outros cientistas procuram responder a catástrofes como uma pandemia, formas de impedir as alterações climáticas adicionando poeira à estratosfera, ou como sobreviver a um “inverno nuclear” com uma dieta de cogumelos.

Mas para Karin Kuhlemann, a batalha mais importante é reverter o crescimento populacional.

“Precisamos de mudar as normas sociais sobre o tamanho das famílias, deixando de lado a postura de que todos podemos ter vários filhos e consumir tudo o que quisermos”, diz.

Nesse sentido, todos podemos ajudar a evitar uma catástrofe global.

AJB, ZAP // BBC

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