/

O que é, afinal, o Chega e para onde vai? Ventura quer “criar a grande casa das direitas”

6

Chega / Flickr

Presidente do CHEGA, André Ventura, no seu gabinete na Assembleia da República

O Chega continua a ser controverso na vida política portuguesa. É alvo de “linhas vermelhas”, mas continua a crescer nas intenções de voto. Qual é, afinal, o caminho que André Ventura quer trilhar e por que é que o Chega assusta tanto?

Luís Montenegro impôs um “cordão sanitário” ao Chega no que se refere a eventuais acordos de Governo, em caso de uma minoria relativa da Aliança Democrática (AD) nas eleições de Março próximo. Mas “o Chega é incontornável” na vida política nacional e pode ter um papel decisivo, conforme o resultado do sufrágio.

No âmbito de uma “dinâmica europeia” onde os países de direita radical viram “uma triplicação do número de votos” nos últimos anos, o Chega deve, pelo menos, “duplicar” os 7% obtidos nas anteriores eleições, situando-se nos “15%, 16%”, como destaca o especialista em direitas radicais Riccardo Marchi em declarações ao ZAP.

Será um crescimento assinalável. Mas será que devemos ficar preocupados com isso?

Afinal, o Chega é de extrema-direita?

Bem, depende de quem responde à pergunta. Um relatório divulgado em 2023, pelo Projecto Global contra o Ódio e o Extremismo (GPAHE na sigla em inglês) coloca o Chega numa lista de 13 “grupos de ódio e extremistas” em Portugal, a par do Ergue-te e de movimentos neonazis como os Hammerskins Portugal.

De acordo com este relatório, o partido tem “trabalhado para envenenar o discurso nacional com uma retórica racista, anti-LGBTQ+, anti-imigração e anti-ciganos“, e tem tido “entre as suas fileiras muitos supremacistas brancos, identitários e neonazis“.

Contudo, para o historiador Riccardo Marchi que é investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, o Chega encarna o que define como a “nova direita radical”.

Em comparação, o também professor convidado na Universidade Lusófona explica que o PNR (Partido Nacional Renovador) que se transformou no Ergue-te faz parte da “velha direita radical” que se “reconhece no salazarismo” e nos “autoritarismos históricos da primeira metade do Século XX”, como o fascismo.

Já a “nova direita radical”, e o Chega, “não se reconhecem naquele legado” e é por isso, que estão “a tripicar a média de votos”, analisa o especialista nas direitas radicais em declarações ao ZAP.

Em comparação, os partidos da “velha direita radical” permanecem “marginalizados” e sem possibilidades de crescimento, diz ainda Marchi.

Para o investigador, a extrema-direita é outra coisa, referindo-se a partidos inconstitucionais que “representam um perigo para a democracia“, pois querem “dar cabo” dela, “são revolucionários, usam a violência como forma de agressão política”.

“Há salazaristas no Chega, mas não ditam política”

No caso do Chega e de outros partidos radicais, “querem mudanças profundas de políticas económicas e sociais, mas dentro do jogo democrático, dentro da Constituição“, analisa ainda.

“Inconstitucional é apelar à violência contra as minorias étnicas, o incitamento ao ódio racial, à discriminação religiosa”, destaca ainda o investigador, considerando que isso “não faz parte da maneira [do Chega] de pensar”. “Não é um partido supremacista branco”, aponta.

Apesar disso, Marchi reconhece que “é impossível pensar que dentro do Chega não existam salazaristas“. Contudo, não são estas pessoas que “ditam a linha da identidade política do partido”, considera.

O posicionamento anti-imigração faz parte da agenda clássica de qualquer partido da direita radical – ou da extrema-direita – europeias. Mas “André Ventura foi moldando a sua proposta relativamente à imigração“, nota Riccardo Marchi na conversa com o ZAP.

“Criar a grande casa das direitas portuguesas”

Quando o partido surgiu em 2018, era “um punhado de pessoas” e algumas delas aderiram ao projecto “porque tinham um interesse pessoal sobre a questão islâmica“, aponta o investigador, notando que “eram bastante radicais sobre a presença da comunidade islâmica na Europa”.

Mas quando o partido passou “de 700 filiados em 2019, para 30 mil na actualidade“, ganhou uma nova base “muito mais ampla” e “não tão radical” na questão da imigração.

Até porque “há vários filiados do Chega, até com posições de destaque na direcção, por exemplo do norte de Portugal ou da zona do Algarve/Alentejo que têm empresas de calçado, textêis, de turismo, que precisam de imigrantes“, sublinha o professor da Lusófona.

Portanto, não são contra os imigrantes, mas “opõem-se à imigração clandestina e descontrolada” que dizem existir actualmente.

Assim, Ventura e o Chega “moldaram a sua proposta”, suavizando o discurso para chegar a mais pessoas.

O André Ventura nunca quis ser um líder de um partido de franja“, ou de nicho – até porque os nichos têm um crescimento limitado, destaca Marchi, salientando que quer antes ser “a voz do descontentamento nacional popular“.

Por isso mesmo, “tem muita mais flexibilidade” em termos ideológicos, podendo ajustar-se à “sede” dos tempos para surfar “a onda” de revolta do momento – e, assim, atrair o maior número de votos possível.

Mesmo quando “o Chega era uma facção interna no PSD”, antes de Ventura sair para formar o partido, o projecto dele “foi sempre criar a grande casa das direitas portuguesas“, analisa o investigador político.

O primeiro programa eleitoral do Chega incluía questões controversas como a privatização do Serviço Nacional de Saúde e da Educação. Mas Ventura percebeu que tinha de se “diferenciar da Iniciativa Liberal” porque o “ultraliberalismo não permitia crescer”, destaca Marchi.

Por isso, “teve de encontrar a sua identidade, com base também no crescimento do partido”, e também porque “sempre quis entrar dentro do eleitorado de esquerda”, constata também o historiador.

Os muçulmanos como novo “bicho-papão”

Apesar dessa moderação que é visível nos discursos de Ventura, comparativamente com o tempo em que ele se atirava aos ciganos, o Chega continua a ter posições “ainda muito radicais” relativamente à presença das comunidades islâmicas na Europa, às políticas de imigração e à Lei da Nacionalidade.

No programa eleitoral apresentado recentemente, o partido propõe-se a criar o crime de residência ilegal.

Mas se compararmos os programas eleitorais de Chega, AD e Iniciativa Liberal (IL), “os três têm a mesma posição sobre a necessidade de regularizar a imigração“, considera Riccardo Marchi.

Contudo, o investigador repara que só o partido de Ventura “fala expressamente de imigração clandestina, do problema demográfico, da questão islâmica e da segurança, do terrorismo”.

Esta colagem do discurso anti-muçulmanos ao terrorismo islâmico encontra “facilmente um eco favorável” na Europa, como analisa a cientista geopolítica francesa Béatrice Giblin num artigo publicado na revista de geo-política Hérodote em 2012 (n.° 144, páginas 3 a 17).

Aquando da recente marcha anti-muçulmanos realizada em Lisboa, pelo grupo neonazi de Mário Machado, alguns elementos do Chega partilharam nas redes sociais que marcariam presença no evento “contra o rumo que o país e a Europa estão a levar“.

Uns dias antes da marcha, o deputado do Chega Pedro dos Santos Frazão partilhou na rede social X, o antigo Twitter, uma publicação sobre “um ataque terrorista islâmico” numa Igreja Católica na Turquia, questionando se não temos “células do Isis/Hamas/Al-Qaeda/Hezbollah em Portugal”.

Outrora, foram os imigrantes italianos e polacos a ser alvo de forte rejeição na Europa, durante a crise económica de 1930, como realça Béatrice Giblin, referindo-se concretamente à realidade francesa.

E depois da grande vaga de emigração portuguesa para França nos anos de 1960, as vítimas foram os portugueses. E questionava-se sempre, em todos os casos, as dificuldades de adaptação e de integração no país – os mesmos argumentos que agora se usam contra os muçulmanos.

A diferença é que, actualmente, os portugueses já não estão entre os “maus imigrantes” que Marine Le Pen da Frente Nacional, partida de extrema-direita, não quer em terras gaulesas.

“Banalização da extrema-direita”

Mantendo como exemplo o caso francês, Marine Le Pen foi segunda nas últimas eleições presidenciais de França com 42% dos votos.

A mulher que revitalizou o partido fundado pelo pai que tinha discursos declaradamente anti-semitas e racistas é vista, actualmente, pelo eleitorado francês “como uma escolha aceitável, uma candidata como qualquer outra”, sublinha o investigador holandês Cas Mudde, professor no Centro de Pesquisa sobre o Extremismos (C-REX) da Universidade de Oslo na Noruega, em declarações ao Le Monde.

Numa recente sondagem realizada pelo jornal francês Le Figaro, Marine Le Pen afirma-se como o político mais popular de França, somando 40%. Em 2010, somava apenas 14%.

Jordan Bardella, presidente do partido de Le Pen, é terceiro nesta sondagem, com 37%, atrás do antigo primeiro-ministro Édouard Philippe da direita mais moderada que soma 39%.

Marion Maréchal, sobrinha de Marine Le Pen e dirigente do partido Reconquista, também de extrema-direita, surge no quarto lugar com 29%.

Para Cas Mudde que é especialista na extrema-direita, estamos a assistir, actualmente, em muitos países, a “uma hibridação entre a direita tradicional e a extrema-direita“, com “uma banalização da extrema-direita” que leva os eleitores a verem estes movimentos como “partidos convencionais”.

Há riscos para a democracia?

O crescimento das direitas radicais motiva preocupações, nomeadamente pela tónica anti-sistema e pela forma como questionam a democracia representativa e as suas instituições.

Além disso, opõem-se a algumas liberdades e direitos individuais, nomeadamente na área LGBTQI+ e de direitos das mulheres como o aborto que, para muitos, são já dados adquiridos e garantidos.

Há um risco real de desestruturação dos valores democráticos“, analisa o professor de Ciência Política Stéphane François, da Universidade de Mons (Bélgica), em declarações à Rádio Canadá, referindo-se ao contexto geral em termos mundiais.

“Não estou a falar de uma ditadura, mas de um regime iliberal que irá gradualmente apagar estes valores“, aponta François que não fala especificamente do Chega.

O professor dá os exemplos da Hungria e da Polónia, cujos Governos ultraconservadores deram que falar pelos piores motivos.

A Hungria tem sido sucessivamente criticada pela violação dos direitos dos homossexuais. E o anterior Governo polaco ultra-conservador, liderado pelo partido Lei e Justiça (PiS), promoveu a proibição do aborto no país.

E o que se segue para o Chega se chegar ao poder?

Após recuperar a proibição quase total do aborto (excepto nos casos de violação ou quando a mãe corre perigo), o PiS acabou por cair do Governo ao cabo de oito anos de poder, com uma participação massiva dos cidadãos nas eleições.

Em Itália, temos ainda o exemplo mais flagrante do partido de extrema-direita de Matteo Salvini que praticamente desapareceu da esfera política depois de ter estado no poder. Dos 34% em eleições passadas, caiu para apenas 8% dos votos no sufrágio que elegeu Giorgia Meloni como primeira-ministra.

Uma queda que comprova que uma coisa é protestar, outra bem diferente é conseguir a afirmação como um partido de Governo. A chegada ao poder acaba, muitas vezes, por desgastar partidos mais radicais.

Alguns vêem-se forçados a auto-moderarem-se, reorientando as suas políticas, e quase sempre ficam limitados nas suas promessas vãs.

É verdade que “a participação no poder pode ter um efeito negativo nestes partidos”, considera Riccardo Marchi na conversa com o ZAP. Mas o investigador acredita que não vai acontecer isso ao Chega, uma vez que nota que o partido está “cada vez mais sólido”.

Pelo contrário, uma eventual chegada ao Governo pode “fortalecer ainda mais o Chega”, diz, frisando que conseguiria “profissionalizar-se” e atrair mais “quadros qualificados”, conquistando “pequenas coisas” para publicitar junto do seu eleitorado.

“O Chega ainda não tem a capacidade de distribuição de incentivos“, ou seja, de “tachos”, e isso limita a capacidade de atracção de pessoas formadas, sustenta o professor da Lusófona. Mas “as coisas estão a mudar”, considera, notando que o “salto” para o Governo será decisivo para isso.

Susana Valente, ZAP //

6 Comments

  1. Esse senhor professor da Universidade Lusófona ( a mesma que permitiu as praxes que levaram à morte vários estudantes na praia do Meco, lembram-se ?) é obviamente um adepto ferrenho do partido extremista de Ventura, Nos últimos dias, anda a correr todoas as capelas mediáticas para tentar “normalizar” (como lobo em pele de cordeiro) um político e um partido que, em alguns dos seus comícios, aceitou com agrado a saudação nazi feita pelos apoiantes ali presentes. Aceitou, sem pestanajar, apoiar os grupos extremistas violentos, que já mataram pessoas em Lisboa, na marcha anti-imigrantes. E agora o senhor Marchi quer-nos convencer de que são um partido de direita democrática. Como “historiador”, devia lembrar-se que é assim, mansamente, cheios de “boas intenções”, que os extremismos de direira ou de esquerda se implantaram na Europa e conduziram-nos às ditaduras e à segunda guerra mundial. O Putin é um dos seus. Começam eles próprios por criar as desordens públicas, depois dizem que é preciso pôr ordem nisto e, finalmente, tomam o poder democraticamente e instituem sempre a ditadura sem eleições livres.

  2. @Luis taylor dentro da sua sabia profecia, não terá sido o Ventura que empurrou os caloiros para o mar ??? saudações nazis ?? apoio grupos neo nazis ?? que não goste do homem ainda compreendo, inventar factos parece-me pouco inteligente.

  3. Embora o Chega ainda não tenha quadros suficientes em qualidade para governar, uma coisa é certa tem abanado o sistema instalado. Para o cidadão mais atento é hilariante e assustador ver os média a tentar manipular a opinião publica com os seus comentadeiros de bolso, tentando a todo o custo ostracizar o Chega. O expresso/SIC bastiões da esquerda/ extrema esquerda que se agudizou após recebimento de milhões de ajuda do governo por causa da pandemia, são de facto o top da manipulação com os seus jornalistas do regime. a avaliação dos debates é de rir as lágrimas, os critérios de avaliação variam consoante a proximidade partidária, ontem então atingiu o seu auge.
    Concluindo, para o cidadão mais assustado, não tenha medo PS e PSD nunca deixarão que outro partido ganhe, 50 anos a distribuir cargos estratégicos aos boy’s do partido permite hoje controlar o país e o seu povo de forma subtil.

  4. António Jorge de Resende Coelho,
    Impossível !
    Os malcriados não criam. Destroem.
    São autofágicos, como os eunucos.
    Como o “dótor” Marchi, que Luís Taylor tão bem descreve e denuncia.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.