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“A reabilitação urbana constitui uma prioridade estratégica…mas continua a enfrentar diversos constrangimentos”. Entrevista à AICCOPN.
A resposta à crise na habitação em Portugal tem passado essencialmente pela construção.
As contas da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) apontavam para a necessidade de 45 mil casas novas por ano, em 2024.
Mas milhares de casas construídas já neste século estão vazias. Há especialistas que defendem que não é necessária mais casas novas – mas sim mais reabilitação das casas.
E um relatório muito recente mostra que há 126 mil imóveis devolutos disponíveis para venda ou arrendamento – que precisam de reparações.
Conversámos precisamente sobre a AICCOPN sobre esta dúvida: recuperar ou construir casas? Apesar de ser prioridade, a reabilitação urbana continua a ter vários entraves. E não é necessariamente mais barata do que a construção.
ZAP – Porque não se aposta mais na reabilitação de tantas casas já construídas? É uma questão prática/técnica, de custos, de burocracias…?
AICCOPN – A reabilitação urbana constitui uma prioridade estratégica para o desenvolvimento sustentável das cidades, promovendo a valorização do património construído, a revitalização dos centros urbanos e a eficiência na utilização dos recursos. Contudo, este processo continua a enfrentar diversos constrangimentos, de natureza técnica, económica e administrativa. Entre eles destacam-se a imprevisibilidade associada ao estado de conservação dos edifícios, os investimentos significativos que a reabilitação frequentemente requer, a dificuldade no acesso a financiamento e a morosidade dos processos de licenciamento.
Embora existam regimes fiscais específicos de apoio, a sua aplicação prática revela-se por vezes insuficiente. Neste contexto, destacamos como positiva a taxa reduzida de IVA (6%) em empreitadas de reabilitação de edifícios localizados em ARU (Áreas de Reabilitação Urbana). É fundamental a aplicação da taxa reduzida de IVA a todas as obras de reabilitação urbana, independentemente da sua localização, e o alargamento dessa taxa à construção de habitação nova acessível e de arrendamento apoiado.
Devem, igualmente, ser eliminadas distorções como a tributação, em AIMI, de imóveis detidos por empresas do setor, bem como a incidência de IMI sobre o stock de habitação destinado à venda. A AICCOPN sublinha a necessidade de reforçar os incentivos, simplificar os procedimentos e criar condições mais favoráveis ao investimento, de forma a potenciar a reabilitação como um verdadeiro motor de desenvolvimento urbano e económico.
ZAP – Os fundos europeus não chegam?
AICCOPN – O PRR, principal instrumento de financiamento para o aumento da oferta de habitação pública, apresenta uma taxa de execução de apenas 38% na componente habitação — um nível claramente insuficiente.
A morosidade administrativa, os atrasos nos concursos públicos, a descoordenação entre entidades e os preços base desajustados são fatores que continuam a comprometer a execução dos fundos do PRR e a travar a concretização dos investimentos necessários à resposta habitacional.
Corrigir estes constrangimentos exige uma atuação urgente e articulada, que inclua a revisão dos preços base, a simplificação e aceleração dos procedimentos, o reforço da cooperação institucional e a criação de mecanismos excecionais de apoio às empresas, para que estas possam intervir de forma eficaz e dentro dos prazos exigidos.
O Simplex Urbanístico precisa de correções que assegurem celeridade e segurança jurídica, e a nova Lei dos Solos, publicada no final do ano passado, tem que ser aplicada, promovendo uma maior disponibilização de terrenos urbanizáveis, de modo a contrariar a evolução dos custos de construção.
ZAP – Mais reabilitação e menos construção iria poupar custos para os construtores? E, por consequência, para os compradores?
AICCOPN – A aposta na reabilitação urbana permite preservar e dinamizar o património edificado, ao mesmo tempo que promove um desenvolvimento urbano mais responsável e sustentável. Contudo, importa sublinhar que a maior aposta neste tipo de intervenção não se traduz necessariamente numa redução de custos diretos, quer para os construtores, quer para os compradores.
As operações de reabilitação apresentam, frequentemente, elevados níveis de imprevisibilidade, exigindo mão de obra especializada e estando sujeitas a processos de licenciamento complexos, o que pode conduzir a custos acrescidos e prazos mais longos. Por outro lado, os benefícios para os compradores decorrem sobretudo da valorização da localização e das características dos imóveis e da existência de incentivos fiscais específicos, não significando, porém, que o preço final seja inferior ao de outros projetos.
ZAP – Para a AICCOPN, qual é o melhor caminho para combater a crise na habitação? O que falta?
AICCOPN – A crise habitacional em Portugal constitui um desafio central para o desenvolvimento urbano sustentável e para a coesão social. A AICCOPN entende que a resposta a este problema deve assentar numa estratégia integrada, que combine medidas de aumento da oferta habitacional, reabilitação urbana, incentivo ao investimento e promoção do acesso das famílias à habitação.
No que respeita à oferta, importa simplificar e acelerar os processos de licenciamento urbanístico e de construção, bem como disponibilizar mais solo urbanizado de forma eficiente, garantindo uma resposta rápida à procura. A reabilitação urbana deve ser incentivada através de apoios fiscais e financeiros adequados, linhas de crédito específicas e a simplificação de procedimentos em imóveis não classificados, permitindo preservar e valorizar o património construído.
Para assegurar condições de investimento favoráveis, é necessário promover estabilidade fiscal e regulatória, facilitar o acesso ao financiamento e fomentar parcerias entre o setor público e privado. Paralelamente, a AICCOPN sublinha a importância de políticas que melhorem o acesso das famílias à habitação, incluindo regimes de apoio ao arrendamento e à aquisição da primeira casa. É essencial construir uma estratégia estável para o arrendamento habitacional, assente em regras claras e segurança jurídica, que promova o investimento privado e proteja arrendatários e senhorios. Para tal, devem ser criados mecanismos que assegurem o cumprimento dos contratos, incentivem a colocação de imóveis no mercado e evitem alterações legislativas com efeitos retroativos. Além disso, devem ser cumpridas medidas de eficiência energética que reduzam os custos associados à habitação.
Em síntese, a AICCOPN considera que a mitigação da crise habitacional depende da criação de um quadro legal e fiscal mais simples, previsível e atrativo, de forma a contrariar a crescente evolução dos preços, que permita ao setor da construção civil responder de forma célere, sustentável e acessível às necessidades habitacionais da população.
Para isso, torna-se fundamental, também, recorrer à construção industrializada, tendo em vista a disponibilização de casas no mercado, com a urgência que a situação impõe.