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Reino Unido já testou um Brexit sem acordo (e os outros países também)

Muita coisa ainda pode acontecer. Mas todos preferem estar preparados. O Reino Unido e os outros países já começaram a testar o Brexit sem acordo.

A 81 dias do Brexit, o governo de Theresa May levou adiante um simulacro no qual 87 camiões percorreram 32 quilómetros entre um aeródromo e o porto de Dover, por onde passa 17% das mercadorias do Reino Unido.

O objetivo era levar 150 camiões para testar a capacidade das estradas de Kent, mas o ensaio acabou por ser ridicularizado pela oposição. “Esta é uma farsa financiada pelos contribuintes”, disse a deputada liberal-democrata Layla Moran, citada pelo DN.

A ação foi também criticada pela associação do transporte rodoviário de mercadorias (RHA). “O simulacro não pode replicar a realidade de quatro mil camiões retidos no aeródromo de Manston no caso de Brexit sem acordo”, disse o presidente, Richard Burnett.

Os trabalhistas criticaram o governo por este ter adjudicado um contrato de 15,5 milhões de euros a uma empresa sem experiência nem navios para fazer transporte no Canal da Mancha no caso do pior cenário.

A empresa, Seaborne Freight, faz parte de um lote de três empresas que o governo contratou por 111 milhões de euros para fornecerem serviços de transporte de mercadorias adicionais. “Um cenário de não acordo seria terrível para as redes de transporte em qualquer circunstância, mas a incompetência com que os preparativos têm sido tratados é alarmante ao extremo”, comentou o porta-voz do Labour, Andy McDonald.

O acordo do Brexit negociado entre Londres e a UE a 27 ficou fechado em novembro e era para ser votado a 11 de dezembro no Parlamento britânico. Perante a oposição interna, sobretudo dentro do próprio Partido Conservador, a primeira-ministra Theresa May decidiu adiar o voto. A Câmara dos Comuns volta ao debate sobre o Brexit na próxima quarta-feira, dia 9, e deve votar o acordo no dia 15.

Em Portugal, os cidadãos são a prioridade

“Os cidadãos em primeiro lugar” foi estabelecida como prioridade pela Comissão Europeia na comunicação que fez em dezembro sobre o plano de contingência para um Brexit sem acordo será também a preocupação central do governo português.

Segundo disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, o plano português será apresentado neste mês mesmo que o acordo atual sobre o Brexit seja chumbado na Câmara dos Comuns ou que a sua votação volte a ser adiada.

“Mesmo que haja mais algum atraso, com o 29 de março já quase aí, o governo português tornará público o seu plano”, disse o ministro.

29 de março é a data para o Reino Unido sair da UE em consequência do resultado do referendo de 23 de junho de 2016 e ativação do artigo 50º do Tratado de Lisboa.

Santos Silva sublinhou a existência de uma campanha “do Ministério da Administração Interna e do Ministério dos Negócios Estrangeiros para explicar aos cidadãos britânicos residentes em Portugal o que é que têm de fazer para que os seus direitos sejam salvaguardados”.

O chefe da diplomacia precisou: “Se já tiverem autorizações permanentes de residência, não precisam de fazer nada, estão autorizados a residir em Portugal. Mas se estiverem a residir e ainda não se tiverem inscrito, apresentado, devem fazê-lo.”

O ministro deixou a garantia de que tudo tem sido feito para dar apoio aos cerca de 400 mil portugueses que vivem no Reino Unido e assegurar que os seus direitos serão salvaguardados depois do Brexit.

O Parlamento português debaterá o tema do plano de contingência no dia 17, confirmou a vice-presidente da bancada parlamentar do partido Rubina Berardo. Nesse dia, estará em Portugal Michel Barnier, negociador chefe da Comissão Europeia para o Brexit.

Um relatório da CIP, apresentado em outubro, prevê uma quebra de 26% nas exportações portuguesas para o Reino Unido num Brexit sem acordo e lista como setores mais sensíveis o dos produtos informáticos, eletrónicos e óticos, equipamentos elétricos, veículos automóveis e semirreboques.

As regiões do país mais sensíveis no setor produtivo são Alto Minho, Cávado, Tâmega e Sousa e Ave. No setor dos serviços, as da Área Metropolitana de Lisboa, Algarve e Madeira.

Segundo a agência Bloomberg, Portugal não tinha previsto aumentar o pessoal das alfândegas qualquer que seja o Brexit, tanto no porto de Lisboa como no de Sines. No quadro das oportunidades, Sines poderia vir a receber o gás natural liquefeito dos EUA para a UE.

O governo criou já o Portugal In, destinado a atrair negócios afetados pelo Brexit, embora haja concorrentes de peso, como França, Alemanha, Irlanda e Holanda.

Risco de fronteira física na Irlanda

A República da Irlanda é talvez o país que há mais tempo se prepara para o Brexit. A grande questão é evitar a todo o custo o regresso de uma fronteira física entre as duas Irlandas: a República da Irlanda (Estado independente e membro da UE) e a Irlanda do Norte (província autónoma parte do Reino Unido).

Daí que o ponto relativo ao backstop, mecanismo de salvaguarda para evitar essa fronteira contido no acordo final do Brexit, seja o que mais controvérsia suscita.

O ministro das Finanças irlandês já anunciou um fundo de 300 milhões de euros para ajudar os setores da economia e empresas mais afetadas pelo Brexit. Além disso, Dublin planeia contratar mais mil agentes de alfândega, construir mais infraestruturas portuárias e transferir reservas de 200 mil toneladas de petróleo do Reino Unido para outros estados da União Europeia.

Iberia e Gibraltar são as preocupações de Espanha

O governo do PSOE, fragilizado por falta de maioria parlamentar e com dificuldades em aprovar o Orçamento, tenciona apresentar neste mês o plano de contingência espanhol para um cenário de Brexit sem acordo e aprová-lo, em fevereiro, por via de decreto, confirmou o próprio primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez.

Espanha, como Portugal, dá prioridade à situação dos cidadãos, uma vez que há 116 mil espanhóis no Reino Unido e Espanha tem a maior comunidade de britânicos da UE (300 mil).

No plano da aviação, Madrid tem um problema chamado Iberia, companhia integrada no grupo britânico IAG, que com o Brexit passaria a ser extra-comunitária. Espanha quer blindar o setor do turismo de eventuais perturbações.

O comércio preocupa mais do que o setor financeiro, dado os preparativos feitos neste último campo pela Comissão Europeia e os próprios bancos. Os controlos alfandegários aumentarão se o Reino Unido (quarto destino das exportações espanholas) não for mais da UE.

Gibraltar, questão espinhosa, será tratado com base nos acordos bilaterais Espanha-Reino Unido em caso de saída sem acordo.

Em França, há lei que permite medidas de emergência

O Parlamento francês aprovou no dia 10 de dezembro, à noite, uma lei que dá ao governo o poder de introduzir medidas de emergência por decreto para mitigar as consequências de uma saída do Reino Unido da UE que não seja regida por qualquer acordo.

As exportações para o Reino Unido são 3% do PIB de França. Se houver Brexit sem enquadramento, o tráfego aéreo poderá ficar paralisado e o comboio Eurostar poderá não ter as suas licenças francesas reconhecidas pelos britânicos.

Os serviços alfandegários franceses anunciaram a contratação de mais 700 funcionários até 2020. Segundo o site oficial, 120 recrutamentos tiveram lugar em 2018.

Alemanha à espera de ver o que ganha Frankfurt

A Alemanha não tem revelado os seus preparativos para lidar com um Brexit desregulado ou desordenado. O ministro das Finanças alemão, OlafScholz, tem avisado repetidamente as empresas e os bancos para não subestimarem os riscos associados à saída do Reino Unido da UE e prepararem-se para quando o Dia D chegar.

Sendo a Alemanha a maior economia da UE e o maior parceiro comercial do Reino Unido, também Berlim aposta na contratação suplementar de funcionários, acautelando qualquer relação futura menos aberta a nível económico com os britânicos.

Porém, também a Alemanha pode ganhar com o Brexit, se bancos e empresas substituírem Londres por Frankfurt como capital financeira da Europa.

Scanners submarinos e drones na Bélgica

Com o governo em funções, depois de o primeiro-ministro Charles Michel se ter demitido no meio de uma polémica sobre o Pacto Global da Migração da ONU, a Bélgica encontra-se numa situação que, embora não seja inédita, a deixa algo fragilizada para receber as ondas de choque do Brexit.

Abrigando o segundo maior porto da UE, o de Antuérpia, a Bélgica está a investir em drones e scanners submarinos para monitorizar a costa e o mar do Norte.

Haverá mais cães treinados para detetar drogas e dinheiro, enquanto o número de funcionários das alfândegas, atualmente situado nos 3400, será aumentado em 141 novos agentes até abril. O número total de pessoas recrutadas de forma adicional dependerá do desfecho do Brexit.

Reforço de pessoal para não parar o maior porto da UE

A Holanda tem o maior porto da Europa, em Roterdão, e por isso, precavendo o impacto do Brexit, os serviços alfandegários aumentaram o seu staff de cinco mil para seis mil funcionários. Também a autoridade responsável pela segurança alimentar holandesa vai reforçar o pessoal.

A Holanda é o segundo parceiro comercial do Reino Unido, mas não está focada só no que perde – mas também no que pode ganhar.

A Agência Europeia do Medicamento, que sairá de Londres, passará para Amesterdão. O governo holandês quer acautelar qualquer escassez de medicamentos e equipamentos médicos.

O Royal Bank of Scotland prepara-se para transferir um terço dos seus clientes da área da banca de investimento e milhões de ativos do Reino Unido para a Irlanda.

ZAP //

 

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