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Um novo estudo revela que os autoanticorpos que ocorrem naturalmente no nosso organismo podem aumentar ou dificultar a eficácia da imunoterapia contra o cancro até 10 vezes, oferecendo novas perspetivas sobre porque é que estes tratamentos só funcionam para alguns doentes.
Num estudo recente, uma equipa de investigadores da Yale School of Medicine (YSM) mapeou autoanticorpos de 374 doentes com cancro tratados com imunoterapia de checkpoint, bem como 131 indivíduos saudáveis não tratados.
Os autores do estudo pretendiam compreender melhor as respostas variadas dos doentes a um tipo de imunoterapia que contra-bloqueia as “proteínas de checkpoint” que impedem o sistema imunitário de um doente de atacar as células cancerígenas.
Os resultados do estudo, que foram publicados no mês passado na Nature, revelaram que os autoanticorpos que ocorrem naturalmente podem aumentar ou dificultar a eficácia da imunoterapia contra o cancro até 10 vezes.
O estudo foi liderado por Harriet Kluger, professora de Oncologia e Dermatologia na Yale School of Medicine, e Aaron Ring, que começou o trabalho enquanto estava em Yale e é agora investigador no Fred Hutchinson Cancer Center.
No decurso da pesquisa, os investigadores usaram a plataforma REAP (“Perfilagem Rápida de antigénios Extracelulares) para analisar a interação de anticorpos e autoanticorpos com proteínas na superfície de células humanas em amostras de sangue de doentes.
“Este estudo demonstra o poder de uma tecnologia inovadora desenvolvida pelo Dr. Ring quando estava em Yale”, diz Kluger em comunicado da YSM. “A sua plataforma REAP permite-nos estudar os níveis de milhares de autoanticorpos numa única experiência”.
“Quando aplicada a grandes conjuntos de amostras humanas cuidadosamente recolhidas, podemos aprender muito sobre a biologia das respostas e como melhorar os nossos resultados clínicos”, acrescenta a investigadora.
Normalmente, os autoanticorpos são anticorpos que se desviaram do seu objetivo — em vez de atacarem ameaças ao organismo, incluindo agentes patogénicos infeciosos como o cancro ou vírus, atacam erradamente tecido saudável.
No entanto, os resultados deste estudo revelaram que alguns autoanticorpos nos doentes com cancro tratados foram associados a “probabilidades drasticamente alteradas” que, nalguns casos, ajudaram e, noutros, prejudicaram a eficácia antitumoral da imunoterapia.
“A nossa análise mostra que certos autoanticorpos que ocorrem naturalmente podem inclinar as probabilidades drasticamente a favor da redução de tumores”, afirma Aaron Ring.
“Observámos alguns casos onde os autoanticorpos aumentaram a probabilidade de um doente responder ao bloqueio de pontos de controlo em até 5 a 10 vezes. Durante anos, os autoanticorpos foram vistos principalmente como agentes prejudiciais na doença autoimune, mas estamos a descobrir que também podem atuar como terapêuticos potentes e intrínsecos“, detalha o investigador.
A equipa descobriu que os interferões, autoanticorpos que bloqueiam proteínas, estavam associados a melhores respostas antitumorais. “Nalguns doentes, o seu sistema imunitário essencialmente produziu o seu próprio medicamento complementar”, explica Ring. “Os seus autoanticorpos neutralizaram o interferão e isso amplificou o efeito do bloqueio de pontos de controlo — imunoterapia.
“Esta descoberta fornece-nos um plano claro para terapias combinadas que modulam intencionalmente a via do interferão para todos os outros doentes”, salienta o investigador.
Nem todos os autoanticorpos foram benéficos. Nalguns casos, os autoanticorpos foram associados a doentes que experimentaram benefícios drasticamente reduzidos da imunoterapia.
Reverter os efeitos desses anticorpos poderia restaurar a eficácia da imunoterapia nesses doentes, afirmam os autores do estudo.
“As relações entre os autoanticorpos individuais e o impacto na eficácia imunitária evidenciam uma interação mais profunda do que anteriormente se conhecia”, diz Aaron Ring.
“É apenas o início. Estamos agora a estender a pesquisa a outros cancros e tratamentos para que possamos aproveitar—ou contornar—os autoanticorpos para fazer a imunoterapia funcionar para muito mais doentes”, conclui.