O fundador da Patagonia, Yvon Chouinard, ficou rico sem saber como — e odiava sê-lo. Em 2022, aos 83 anos, anunciou a doação de 98% das ações da empresa à Holdfast Collective, um fundo que usa os cerca de 100 milhões de dólares de lucro anual para combater as alterações climáticas.
O alpinista e empresário Yvon Chouinard nunca sonhou ser multimilionário. O fundador da Patagonia preferia fazer surf ou escalada a acumular riqueza, mas acabou por se tornar um dos homens mais ricos do mundo graças à empresa de equipamentos para atividades ao ar livre que criou com a mulher em 1973.
Em 2022, numa decisão sem precedentes no mundo empresarial, doou toda a sua fortuna de 3 mil milhões de dólares para combater as alterações climáticas.
Recentemente, o podcast Good Bad Bilionaire, da BBC, contou a história de Chouinard. Em cada episódio, o programa pega num bilionário, descobre como fez fortuna, e classifica-o como “bom, mau, ou apenas mais um”. Ao fundador da Patagónia coube a designação de “o bilionário relutante“.
A trajetória de Chouinard começou de forma improvável. Nascido em 1938 nos Estados Unidos, passou os primeiros anos no Maine, numa comunidade franco-canadiana.
Aos sete anos, a família mudou-se para a Califórnia, onde enfrentou dificuldades de integração por não falar inglês. Impopular na escola e mau aluno, preferia estar sozinho ao ar livre, praticando mergulho aos fins-de-semana.
Aos 14 anos, ingressou num clube de falcoaria, onde aprendeu escalada. Fascinado pelas montanhas, encontrou finalmente o seu lugar. Aos 16 anos, fez uma viagem de 1600 km num Ford 1940 que ele próprio reconstruiu, para tentar chegar ao topo da montanha mais alta do Wyoming.
Depois de terminar os estudos, trabalhou como detective privado na agência do irmão mais velho. Tinha na altura como principal cliente o excêntrico magnata de Hollywood Howard Hughes. Chouinard seguia as namoradas de Hughes e impedia que oficiais de justiça lhe entregassem citações.
Mas todo o seu tempo livre era dedicado à escalada, ao surf e à inovação.
Aos 18 anos, comprou uma forja de carvão para fabricar os seus próprios pitões de escalada. Os modelos europeus partiam-se facilmente quando retirados das rochas, e Chouinard quis criar versões mais resistentes. Começou a vendê-los a preços mais elevados, mas eram mais eficientes e reutilizáveis.
Em 1957, pediu um empréstimo de 825 dólares ao pai – uma quantia considerável na altura. Comprou equipamento mais sofisticado e montou uma oficina no galinheiro atrás da casa dos pais. Passava os invernos a forjar equipamentos, e os verões a vendê-los na traseira do carro no Parque Nacional de Yosemite.
O negócio não gerava muito lucro. Chouinard vivia frequentemente com menos de um dólar por dia, alimentando-se de comida enlatada para gatos misturada com aveia e caçando animais selvagens. Durante anos, dormiu ao ar livre quase todo o ano; não teve uma tenda sua até quase aos 40 anos.
Em 1962, foi preso por andar viajar num comboio de mercadorias no Arizona, e passou 18 dias na prisão. No mesmo ano, foi chamado para o Exército. Tentou evitar o serviço militar fingindo hipertensão após beber uma garrafa de molho de soja, mas sem sucesso.
O nascimento da Patagonia
Em 1965, Chouinard, o engenheiro Tom Frost e a mulher deste, Doreen, iniciaram a Chouinard Equipment num matadouro abandonado em Ventura, Califórnia. Inspirados nos princípios de design de Antoine de Saint-Exupéry, redesenharam equipamentos para os tornar mais resistentes, leves e funcionais.
Em 1970, a empresa já era o maior fornecedor de equipamentos de escalada nos Estados Unidos, com 75% do mercado.
No entanto, quando Chouinard se apercebeu dos danos que os pitões causavam às rochas, decidiu parar de os vender e desenvolveu uma alternativa: o hexentric, uma peça hexagonal de alumínio que pode ser removida sem danificar a rocha.
O grande ponto de viragem veio com a diversificação para o vestuário. Numa viagem de alpinismo, Chouinard comprou uma camisola de râguebi na Escócia, impressionado com a sua resistência. Os amigos interessaram-se pelas camisolas, que se esgotaram rapidamente.
Chouinard apercebeu-se de que as roupas tinham margens de lucro muito superiores aos equipamentos.
Em 1970, casou-se com Malinda Pennoyer, uma estudante de arte que conheceu no Yosemite. Três anos depois, o casal lançou a sua linha independente de roupas, batizada de Patagonia – um nome que evocava um lugar “maravilhoso e quase mítico”.
A Patagonia destacou-se pela inovação nos seus produtos e no marketing. Em vez dos habituais tons terra, introduziu cores vivas com nomes como “espuma do mar”. O catálogo não era uma simples lista de produtos: vendia todo um estilo de vida – uma abordagem pioneira que hoje é comum.
Em 1978, a marca nomeou como CEO Kris McDivitt, de 28 anos, que revolucionou a comunicação da marca com fotografia documental sem modelos, mostrando alpinistas reais em escaladas reais — incluindo ensaios sobre expedições e ambientalismo.
As vendas dispararam de 7 milhões de dólares para 20 milhões em 1984. Chouinard tornou-se milionário aos 40 anos, aparentemente sem grande esforço.
O legado final
Em 1984, a Patagonia comprometeu-se a doar 1% das vendas a organizações ambientais. A empresa começou a incorporar este espírito nos produtos, sendo pioneira em tecidos feitos com garrafas recicladas e algodão 100% biológico.
No início dos anos 2000, Chouinard criou o esquema “1% para o planeta“, que incentivava as empresas a doarem 1% das vendas para causas ambientais. Mais de 5200 empresas aderiram, recolhendo 635 milhões de dólares para proteção ambiental.
Em 2017, Chouinard foi incluído na lista da Forbes dos super-ricos — algo que o aborreceu profundamente. Considerava isso uma prova do seu fracasso em tornar o mundo melhor.
Em 2022, aos 83 anos, anunciou a doação de 98% das acões da Patagonia à Holdfast Collective, um fundo que usa os cerca de 100 milhões de dólares de lucro anual para combater as alterações climáticas.
Os restantes 2% foram doados à Patagonia Purpose Trust, um fundo estabelecido para garantir que a empresa continue a operar segundo princípios socialmente responsáveis.
“A Terra é agora o nosso único acionista“, declarou na altura Chouinard. Hoje, com os cerca de 100 milhões de dólares que lhe restaram, continua a viver modestamente em Ventura, conduzindo um Subaru antigo com uma prancha de surf no tejadilho – fiel ao homem que sempre preferiu as montanhas aos milhões.