É o “Watergate francês”. Poderão as águas continuar a identificar-se como “água mineral natural”?
Empresas francesas multimilionárias do setor de água mineral tornaram-se alvo de atenção devido às alterações climáticas e às crescentes preocupações com os impactos ambientais desta indústria.
A questão que se coloca é se algumas das marcas mundialmente conhecidas, em especial a icónica Perrier, poderão continuar a identificar-se como “água mineral natural”.
A decisão sobre o caso da Perrier deverá ser conhecida nos próximos meses, após revelações da imprensa francesa sobre sistemas de filtragem ilícitos amplamente usados no setor — alegadamente devido a preocupações com a contaminação da água, após anos de seca associados às alterações climáticas.
“Este é, de facto, o nosso ‘Water-gate’”, afirma Stéphane Mandard, em referência ao escândalo de corrupção que abalou os Estados Unidos nos anos 1970 e ao termo water (“água”, em inglês). Foi ela quem conduziu as investigações para o jornal francês Le Monde.
“É uma combinação de fraude industrial e conluio com o Estado. E, agora, existe uma verdadeira espada de Dâmocles sobre a cabeça da Perrier.”
Segundo a hidróloga Emma Haziza, “o modelo comercial dos grandes produtores funcionou muito bem, mas é totalmente insustentável numa época de alterações climáticas globais”. Para a especialista, “quando temos grandes marcas que sentem que não têm outra opção senão tratar a sua água, isso significa que sabem que existe um problema de qualidade”.
O caso chegou às manchetes em França há um ano. Uma investigação do Le Monde e da Radio France revelou que pelo menos um terço da água mineral vendida no país era tratada ilegalmente — fosse com luz ultravioleta, filtros de carvão ou microfiltros ultrafinos —, técnicas habitualmente usadas para eliminar bactérias.
Não se trata de um problema de saúde pública, uma vez que a água tratada é, por definição, segura. O problema é que, de acordo com a legislação da União Europeia, a “água mineral natural” (vendida a preços muito superiores à água da torneira) deve permanecer inalterada entre a nascente subterrânea e a garrafa.
Marcas como Evian, Vichy e Perrier alcançaram enorme sucesso em França e no estrangeiro graças à sua imagem de encostas montanhosas, riachos límpidos, pureza e minerais benéficos para a saúde. Ao admitir o uso de filtragem, o setor arrisca-se a quebrar o encanto do mercado. E os consumidores podem começar a exigir aquilo que têm pago para receber.
Para complicar ainda mais a situação da Perrier e da sua proprietária, a Nestlé, surgiu a acusação de que executivos da empresa e membros do Governo conspiraram para manter o caso em segredo, encobrindo relatos de contaminação e alterando regras para que a Perrier pudesse continuar a usar a microfiltragem. Nas suas investigações, o Le Monde e a Radio France afirmam que o Governo francês considerou a indústria da água mineral tão estratégica que aceitou suprimir informações prejudiciais.
Um inquérito no Senado francês acusou o Governo de uma “estratégia deliberada” de “dissimulação”. Em resposta às acusações, o Governo francês pediu à Comissão Europeia que determine qual o nível de microfiltragem admissível para a “água mineral natural”.
O então chefe de gabinete da ex-primeira-ministra Élisabeth Borne, Aurelien Rousseau, admitiu que houve um “erro de apreciação”, mas defende que nunca existiu qualquer risco para a saúde pública.
No primeiro semestre deste ano, durante uma audição no Senado francês sobre o setor, o diretor executivo da Nestlé, Laurent Freixe, admitiu que a Perrier recorreu, de facto, a métodos ilícitos de tratamento da água.
Mas fez também outra revelação: um relatório oficial de hidrólogos sobre a histórica fábrica da empresa no departamento de Gard, no sul de França, recomendou que não fosse renovado o estatuto de “água mineral natural” para a produção da companhia.
Esta informação levanta a possibilidade de que, pela primeira vez nos seus 160 anos de história, a água Perrier possa deixar de ser rotulada como aquilo que os consumidores acreditam que é.
Segundo Emma Haziza, “a relação com as alterações climáticas e o aquecimento global está totalmente comprovada”. E, se a Perrier tem sentido os impactos antes das restantes empresas, provavelmente é porque a sua localização geográfica a torna diferente.
Longe do cenário montanhoso que muitos imaginam, a água Perrier é extraída de aquíferos profundos situados na planície costeira entre Nîmes e Montpellier, junto ao litoral mediterrânico francês. Trata-se de uma região populosa, muito quente e com intensa atividade agrícola.
“Houve uma grande mudança climática desde 2017”, explica Haziza. “Nos últimos cinco anos, houve uma sucessão de secas particularmente intensas no sul [de França].”
“Todos os aquíferos foram afetados”, diz a hidróloga. “Isto significa não apenas o lençol freático superficial, de onde vem a água da torneira do dia a dia. Hoje podemos observar que até os aquíferos mais profundos, que as empresas julgavam seguros, foram atingidos.”
“O imprevisto está a acontecer. Passámos de um período em que as empresas conseguiam extrair água dos aquíferos profundos com a certeza de que seriam reabastecidos para um tempo em que, claramente, o sistema como um todo não pode continuar.”
A análise de Haziza e de outros especialistas indica que, agora, existe uma relação direta entre os aquíferos mais profundos e os superficiais. Os contaminantes (produtos químicos usados na agricultura ou resíduos humanos) que se infiltram no solo durante as cheias repentinas, cada vez mais frequentes, podem, atualmente, chegar também aos aquíferos profundos.
Paralelamente, os efeitos da seca prolongada e da extração excessiva fazem com que estes contenham menos água, e por isso eventuais contaminações ficam mais concentradas.
“Podemos prever que o que aconteceu primeiro com a fábrica da Perrier irá acontecer com outros produtores nos próximos anos”, afirma Haziza. “Temos de abandonar o nosso atual modelo de consumo.”
No ano passado, três milhões de garrafas foram destruídas na fábrica da Perrier por estarem contaminadas.
Mas a empresa afirma que eventuais problemas são rapidamente detetados e contesta a ideia de que contaminantes estejam a atingir os aquíferos profundos.
“Estamos a extrair água de 130 metros de profundidade, abaixo das camadas de calcário”, explica o hidrólogo da Perrier, Jérémie Pralong. “Temos 100% de certeza quanto à pureza da água e a sua composição mineral é constante.”
A Perrier alega que a regulamentação da União Europeia não proíbe expressamente a microfiltragem. O texto correspondente afirma apenas que nada deve ser feito para desinfetar ou alterar a composição mineral da água. A discussão centra-se em determinar até que ponto a microfiltragem altera ou não essa composição.
A fonte original da Perrier foi canalizada pela primeira vez por um médico local na década de 1860. A marca cresceu 50 anos depois, sob gestão britânica. St. John Harmsworth (1876-1933) — irmão dos magnatas da imprensa, os viscondes de Northcliffe (1865-1922) e Rothermere (1868-1940) — tornou a Perrier sinónimo de água mineral em todo o Império Britânico. De acordo com a tradição da empresa, Harmsworth inspirou-se nos bastões indianos que usava para se exercitar após um grave acidente de viação para criar o formato arredondado das garrafas Perrier.
Atualmente, a unidade de engarrafamento em Vergèze, no sul de França, fica junto à antiga residência de Harmsworth e à fonte original. A fábrica está altamente automatizada. Uma ligação ferroviária conecta-a à rede francesa SNCF, transportando centenas de milhões de latas e garrafas todos os anos até ao porto de Marselha, para exportação.
O foco da empresa no último ano foi uma nova marca, chamada Maison Perrier — bebidas energéticas e aromatizadas que têm feito sucesso em França e no estrangeiro.
A vantagem para a Perrier é que estas novas bebidas não se apresentam como “água mineral natural” e podem ser tratadas e filtradas sem restrições.
A Perrier afirmou que a nova marca faz parte da sua gama de produtos e que não tem intenção de abandonar a água mineral natural Perrier original.
A companhia solicitou o estatuto de “água mineral natural” para apenas dois dos cinco poços utilizados para a produção da Perrier. A decisão deverá ser publicada ainda este ano.
// BBC
É um escandalo monumental.
E em PT estão TODAS as aguas também “tratadas”, mais precisamento DESMINERALIKZADAS. Eu notei isso, pleo sabor e depois olhei para a composicao. Vão às empresas ver, levem a ASAE e verifiquem,
Agora atenção, a Destilada(Desmineralizada) é mortal, as mebras das celulas precisam de minerias, especialmente o Sodio senão rebemtam e o resultado são herroragias por todos os lados.
Mas parece que a moda dos Filtros e de “Tratar” a gua natural está espalhada por toda a UE.
Mais uma vez os Chinos e a suas inveçoes e a habilidade de “mentalizar” que assim é que é bom lá foi a carneirada burra atrás. mas poem a Saude das pessoas em risco.