Amigos, jantares, uma reportagem e uma estrada. O caso que derrubou Costa explicado

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Olivier Matthys/EPA

António Costa

São muitos os laços que se cruzam na investigação judicial que levou à queda do primeiro-ministro António Costa. O lítio surge no centro, mas há muito mais em volta.

A concessão da exploração de lítio nas minas do Romano, em Montalegre, à empresa Lusorecursos está na base da investigação que levou à demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro.

Para já, não há suspeitas concretas contra Costa – mas pairam no ar dúvidas quanto ao seu papel num caso que envolve crimes de prevaricação, de corrupção activa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influências. Até porque há figuras que lhe são bem próximas que estão implicadas.

Mas vamos por partes…

Galamba e uma reportagem de Sandra Felgueiras

As suspeitas em torno do negócio do lítio em Montalegre arrastam-se desde 2019, ainda antes das penúltimas eleições legislativas. Nessa altura, foi aberto um inquérito-crime por suspeitas de corrupção, com o nome de João Galamba, então secretário de Estado da Energia e actual ministro das Infraestruturas, envolvido.

Foi uma reportagem de Sandra Felgueiras, actual jornalista da TVI, que começou por divulgar as suspeitas no programa “Sexta às 9” da RTP1, onde se mencionaram alegadas irregularidades na concessão à empresa Lusorecursos que ganhou o concurso público, ficando com a exploração por 50 anos num negócio de 380 milhões de euros.

A Lusorecursos Portugal Lithium tinha sido constituída apenas três dias antes da assinatura da concessão e com um capital de 50 mil euros.

A reportagem da RTP1 evidenciou que, antes da assinatura desse contrato, Galamba e o então ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, tinham sido avisados de alegadas ilegalidades no processo.

Apesar disso, Galamba e Matos Fernandes deram luz verde ao negócio. Durante algum tempo, houve ainda um impasse com a avaliação do impacto ambiental do processo.

Mas a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) acabou por dar o seu aval à exploração da mina de Montalegre, por parte da Lusorecursos, em Setembro deste ano. Terá sido este acto a despoletar as buscas agora realizadas.

O presidente do Conselho Directivo da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, é um dos arguidos no processo.

Uma estrada para Boticas e os jantares pagos

João Galamba também é suspeito de ter ajudado a convencer a Câmara de Boticas para não se opor à exploração de lítio nesta região. Para isso terá prometido uma estrada no valor de 20 milhões de euros, contando com a colaboração de Nuno Lacasta, como se nota nos autos de buscas da operação citados pelo Expresso.

Estes autos vincam ainda que Galamba e Nuno Lacasta “almoçavam e jantavam sem nada pagar”, às custas de outros dois arguidos do processo, os donos da empresa Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, que também foram detidos – mas essa parte da história é contada mais abaixo.

Quanto a Galamba, os procuradores do Ministério Público (MP) apontam que teria dois motoristas ao dispor quando era secretário de Estado da Energia e Ambiente, para seu “benefício pessoal”, nomeadamente para transportar as filhas, a empregada e até para ir buscar garrafas de vinho, como relata o Expresso.

Que suspeitas recaem sobre Costa?

Nesta altura, ainda não há suspeitas concretas e foi aberto um inquérito autónomo para investigar o eventual envolvimento do primeiro-ministro nestes casos.

A Procuradoria-Geral da República informou, em comunicado, que “no decurso das investigações surgiu o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”. Essas referências “serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”, aponta ainda.

Mas após a demissão de António Costa, é provável que a investigação seja unificada num só processo. Sem o cargo de primeiro-ministro, Costa perde o direito a um “foro” especial.

A associação de Costa ao caso acontece, sobretudo, por haver três pessoas com laços próximos do primeiro-ministro demissionário implicados – a começar pelo seu chefe de gabinete, Vítor Escária, um dos detidos no processo.

Escária é suspeito de ter facilitado as concessões de lítio de Montalegre e de Boticas, e a mega-central de hidrogénio verde em Sines. Além disso, terá ainda facilitado o processo de construção de um enorme centro de armazenamento de dados da empresa Start Campus em Sines.

Outro velho amigo de Costa implicado no caso é Diogo Lacerda Machado que até foi padrinho de casamento do primeiro-ministro demissionário. Lacerda Machado é consultor da Start Campus e terá sido contratado para “abrir as portas do Governo e obter a classificação do projecto” do centro de dados “como de Potencial Interesse Nacional (PIN), o que aconteceu em Março de 2021”, como salienta o Público.

O MP acredita que Lacerda Machado corrompeu Escária para favorecer o mega-projecto da Start Camps que está avaliado em 500 milhões de euros, mas que pode chegar aos 2 mil milhões de euros.

O terceiro elemento próximo de Costa que surge associado à LusoRecursos, empresa onde é consultor financeiro, é Jorge Costa e Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização. Costa e Oliveira foi afastado do Governo pelo envolvimento no escândalo dos bilhetes dados pela Galp para o Euro 2016.

Nessa altura, também Escária saiu do Executivo quando era assessor económico de Costa, também por estar ligado ao caso Galpgate.

O presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas, é outro dos suspeitos no caso e também está ligado ao GalpGate, tal como o director jurídico e de sustentabilidade da Start Campus, Rui Oliveira Neves, que também desempenhou funções na Galp e que é outro dos implicados nas suspeitas agora investigadas.

O presidente executivo da Start Campus, Afonso Salema que já passou pela EDP, também está entre os envolvidos, tal como o actual e o antigo ministros do Ambiente, Duarte Cordeiro e João Matos Fernandes.

O homem que “derrubou” Costa

A investigação do Ministério Público (MP) é liderada pelo procurador João Paulo Centeno que tem uma carreira ligada à luta contra o tráfico de droga e o crime violento, uma vez que liderou esta secção no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Mas também foi João Paulo Centeno quem acusou o mediático chef Ljubomir Stanisic por suspeitas de corromper agentes da PSP com garrafas de vinho. O chef acabou por ser ilibado pelo juiz Ivo Rosa.

O magistrado não é uma figura muito conhecida, mas esteve ligado a alguns processos mediáticos, nomeadamente o que envolveu o antigo professor de José Sócrates, António José Morais, por alegadas pressões sobre Carlos Santos Silva, amigo do ex-primeiro-ministro e considerado seu testa-de-ferro, e que acabou arquivado.

Foi também este magistrado que liderou o processo-crime por suspeitas de violação do segredo de Estado e eventual crime de corrupção envolvendo o ex-líder da fiscalização das secretas, Abílio Morgado. E coube-lhe decidir colocar sob escuta o então presidente do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa.

Susana Valente, ZAP //

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6 Comments

  1. Costuma-se dizer que onde à fumo à fogo mas até condenação em tribunal todos são inocentes.
    Em minha opinião o que derubou o Costa foi o próprio Costa com as suas teimossias…

    Para fazer frente ao Presidente da República manteve os amigos no poder e até promoveu alguns como é o caso do Galamba e agora ao acontecer isto não tem como fugir.
    Hoje fala-se do Galamba mas ainda temos recentemente o caso do Ministro das Finanças, a situação do ex ministro das forças armadas que agora é ministro dos negócios estrangeiros, etc…

    O azar o Costa é que agora, quase de certeza, a sua carreira politica na União Europeia vai por “água abaixo”

  2. O excesso de zelo ou fanatismo pequeno burguês que ameaça a própria democracia Portuguesa. Será que a justiça portuguesa não é capaz de se purgar?

  3. Infelizmente, era previsível.
    Com uma maioria absoluta no parlamento, era garantido que não podiam não ser possuídos pela embriaguez da intocabilidade… nem sequer era questão de tempo.
    A única incógnita era se conseguiam manter tudo escondido. O problema é que a bebedeira torna-se incontrolável e a um certo ponto os efeitos/danos são tais e tantos que não mais se podem manter “fora de vista”.

  4. Enquanto o país for governado e presidido por dois criminosos como Marcelo e Costa a vida dos cidadãos irá degradar-se cada vez mais.
    Desde que foram eleitos têm violado várias vezes a Constituição Portuguesa de forma grave e lesiva dos interesses de Portugal e dos portugueses. Marcelo e Costa são cúmplices dos grandes lobbys e casos de corrupção que reinam em Portugal. Estão ao serviço dos grandes interesses internacionais e não de Portugal. Esses 2 bandidos vão enterrar Portugal em guerras mundiais, em atentados terroristas e outras coisas mais. Se a justiça não faz nada está na hora do povo caçar esses dois criminosos. Eles são um perigo para a sociedade.

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