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Sim, ouviu bem: hackers, outros países e Zuckerberg têm acesso aos nossos segredos de Estado

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José Sena Goulão / Lusa

O ex-adjunto do ministro das Infraestruturas, Frederico Pinheiro, durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP

O ex-adjunto de João Galamba deixou claro esta quarta-feira, na comissão parlamentar de inquérito à TAP, que discutiu tranquilamente assuntos de estado com a ex-CEO da companhia aérea nacional através do WhatsApp. E ainda não sabe como lhe apagaram as mensagens.

Durante a audição a Frederico Pinheiro na comissão parlamentar de inquérito à TAP, transmitida em direto e simultâneo pelos canais noticiosos nacionais, um aspeto peculiar foi por diversas vezes referido.

Entre as perguntas e respostas acerca dos pontos importantes do caso do computador “roubado”, de quem o recuperou e que informação teria, e das agressões que houve ou não no gabinete de João Galamba, o ex-adjunto indicou, por diversas vezes, a ferramenta que usava para comunicar com a ex-CEO da TAP: o WhatsApp.

Aparentemente, Frederico Pinheiro não pode entregar registos das conversas que teve com Christine Ourmières-Widener porque a ex-gestora “tinha a opção de apagar automaticamente as mensagens no Whatsapp ao fim de alguns dias”.

E, não sabe como, “apagaram todo o registo” do seu WhatsApp.

Entre as tais questões importantes que estavam em inquirição, parece ter passado despercebido a todos os presentes que, aparentemente, o então adjunto de um ministro discutia através do WhatsApp assuntos sensíveis e confidenciais com, pelo menos, a gestora de uma empresa detida pelo Estado.

Ou seja, o Estado português entrega numa bandeja informação confidencial à empresa proprietária do WhatsApp, a Meta de Mark Zuckerberg, aos serviços de intelligence do estado estrangeiro em que essa mesma empresa está sediada, os Estados Unidos, e a qualquer outro estado estrangeiro que tenha a soldo um hacker competente.

Por muito “encriptada” que a “informação ponto a ponto seja”, e por muito que queiramos acreditar que a informação é “apagada” dos servidores, ela está lá. Acessível a quem puder recuperá-la, exigir a sua cedência ou souber apanhá-la.

Não é ficção científica, nem sequer é notícia de última hora.

Nos últimos anos, sucederam-se as notícias relacionadas com preocupações manifestadas por alguns países em relação a casos de espionagem — industrial ou patrocinada por outros estados — e violações de privacidade a partir de serviços, plataformas ou dispositivos que podem ser utilizados para capturar informação privada, sensível ou confidencial.

É o caso do Tik Tok, plataforma chinesa cujo uso tem estado a ser banido das estruturas estatais em diversos países (incluindo a União Europeia) por práticas ilegais e violação de privacidade, e que foi até, em abril deste ano, alvo de dois processos em Portugal.

Tal como é o caso das sanções à também chinesa Huawei, impostas em particular pelos Estados Unidos, que manifestam preocupações acerca do controlo que o estado chinês possa ter sobre toda a informação que circula através dos populares smartphones da marca.

O próprio WhatsApp, detido pela norte-americana Meta, tem estado no centro das atenções devido a este tipo de preocupações.

Em 2019, Jared Kushner e Ivanla Trump, genro e filha do então presidente dos EUA e ambos com cargos na administração Trump, foram acusados de usar o WhatsApp para tratar de assuntos oficiais da Casa Branca — algo tanto mais controverso quanto o uso por Hillary Clinton de um servidor de email privado foi um dos temas lançados por Donald Trump contra a ex-senadora na campanha eleitoral de 2016.

Em junho do mesmo ano, um porta-voz da ONU anunciou que os funcionários da organização estavam proibidos de usar o WhatsApp, porque a plataforma “não é suportada como mecanismo seguro“.

A decisão surgiu depois de peritos da ONU terem acusado a Arábia Saudita de ter usado o WhatsApp para hackear o telemóvel de Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon e proprietário do icónico The Washington Post.

O smartphone de Jeff Bezos, guru da tecnologia e um dos homens mais ricos do mundo, foi hackeado através do WhatsApp.

Para o bem e para o mal, Frederico Pinheiro e Christine Ourmières-Widener não são nenhuns Bezos. Para o mal, porque as suas conversas estarão provavelmente mais à mão de semear do que as do CEO da Amazon. Para o bem, porque tais conversas provavelmente não interessam a nenhum menino jesus capaz de as colher.

Com a possível exceção de uma qualquer companhia do ar que possa estar de olho no que se passa na TAP.

Armando Batista, ZAP //

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6 Comments

  1. Esta notícia é pura mentira e vocês deviam ser processados por publicá-la. Estão a criar receios infundados na opinião pública sem base fundamentada. Se o senhor Armando Batista que escreveu a peça não sabe como funcionam as mensagens encriptadas, é melhor educar-se sobre o assunto antes de vir dar a sua opinião sobre o tema: https://faq.whatsapp.com/820124435853543

    • Caro leitor,
      Não me compete questionar a sua ingenuidade por decidir acreditar na FAQ do WhatsApp sobre a segurança do WhatsApp em vez de dar crédito às inúmeras notícias acerca das falhas de segurança do dito WhatsApp — nomeadamente à notícia da agência Reuters citada no artigo, sobre a decisão ONU de proibir os seus funcionários de o usar, porque a plataforma “não é suportada como mecanismo seguro“.
      Também não me compete dar-lhe lições sobre o grau de segurança de qualquer mecanismo de encriptação de dados, nem sobre como qualquer documento encriptado pode ser crackado (haja tempo, conhecimentos e poder computacional), nem o que acontece às mensagens “apagadas” das conversas do WhatsApp, em que servidores lhes é feito backup, e se aí ficam encriptadas.
      Compete-me sim repudiar veementemente a sua acusação de que a notícia é uma “pura mentira” — que, por motivos óbvios e conhecidos para todos menos para o senhor, não é.
      Compete-me também repudiar, também veementemente, a sua ideia de que não devemos criar “receios infundados na opinião pública sem base fundamentada” — porque as bases fundamentadas são não só do conhecimento público como estão referidas no artigo, e porque, principalmente, essa é a velha ideia de que os órgãos de comunicação “se devem abster de alertar a população para não causar pânico ou inquietação social”.
      Compete-nos informar os nossos leitores — e deixar que façam escolhas informadas.
      E rejeitamos totalmente qualquer pressão acerca do que entendemos ser ou não notícia, dever ou não dever publicar.
      Seja essa pressão explícita, ou subliminar — como é o caso da referência a processos judiciais que faz no seu comentário.
      Quanto a essa referência, deixe-me que lhe diga que não estou propriamente preocupado com a possibilidade de “ser processado por publicar” esta notícia.
      Em primeiro lugar, porque o artigo não contém qualquer inverdade.
      E em segundo lugar, porque o departamento jurídico do WhatsApp deve estar mais ocupado, entre outros eventuais casos, a processar a agência Reuters pelas inverdades que na sua opinião a tal notícia deve ter, se as tiver, ou a defender-se de eventuais processos judiciais da ONU, se as não tiver.
      Assim, esteja à vontade para continuar a usar o seu WhatsApp para enviar e receber informação importante e sensível, desde que:
      a) o senhor não seja um governante ou responsável de qualquer entidade pública do estado de que sou cidadão
      b) não mas envie a mim
      Apenas lhe peço que não venha ao ZAP dizer que estamos a mentir quando apontamos fragilidades e falhas de segurança de uma plataforma (entre muitas outras, note-se) que é conhecida por as ter.

      • Caro senhor segundo a sua afirmação o governo também nos pode espiar e a todos os políticos basta ter um aker a disposição óptimo bela democracia

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