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Coronadiktatur, Gesichtskondom, Fussgruss. Os alemães inventaram milhares de palavras novas sobre a pandemia

O confinamento de quase quatro meses na Alemanha não colocou restrições ao seu idioma de palavras multissilábicas. Os alemães inventaram mais de 1.200 palavras para descrever as regras e realidades da vida em tempo de pandemia.

No ano passado, as línguas em todo o mundo tiveram de se expandir e adaptar para lidar com a pandemia e as vidas que afetou. Os franceses, por exemplo, adotaram a palavra “quatorzaine” para um período de isolamento de 14 dias e os holandeses usam “hamsteren” para descrever um stock frenético de suprimentos.

No entanto, conta o The Washington Post, em alemão – que tem uma gramática que leva à formação de palavras longas e compostas e que se baseia muito no inglês -, a taxa e o número de palavras adicionadas ao idioma durante a pandemia não têm precedentes.

O distanciamento social é Mindestabstandsregelung (regulamento de distância mínima). Já um grupo que segue as regras de distanciamento é uma Anderthalbmetergesellschaft (sociedade de um metro e meio).

Na Alemanha, não se pode esquecer das Alltagsmaske (máscara do dia-a-dia) ou Spuckschutzschirm (guarda-chuva de proteção contra saliva). Se estiver frio pode vestir um Schnutenpulli (em tradução livre, uma camisola de beicinho), que é uma palavra mais aconchegante para “máscara”. Além destas, a máscara ainda é conhecida como Gesichtskondom (preservativo facial).

“Não consigo pensar em nada, pelo menos desde a II Guerra Mundial, que terá mudado o vocabulário tão drasticamente, e ao mesmo tempo tão rapidamente, quanto a pandemia de coronavírus”, disse Anatol Stefanowitsch, professor de linguística na Universidade Livre de Berlim. “Posso pensar em muitos outros exemplos de uma grande mudança cultural que mudou o vocabulário alemão. Mas não aconteceram em alguns meses”.

Segundo Christine Möhrs, investigadora do Instituto Leibniz de Língua Alemã, parte da necessidade de encontrar palavras tão rapidamente é psicológica.

“Ao poder falar sobre a crise, creio, reduzimos os medos”, disse. “Podemos partilhar as nossas inseguranças. Mas isso significa que temos que encontrar muitas, muitas palavras novas, porque aconteceram tantas coisas nos últimos meses”.

Möhrs e a sua equipa encontraram mais de 1.200 novas palavras relacionadas com o coronavírus enquanto tentavam documentar mudanças no idioma.

Muitas dessas palavras são “emprestadas” do inglês, um hábito que os alemães têm praticado pelo menos desde os anos 1980, quando começaram a dizer “computador” e “e-mail” em vez de Datenverarbeitungsanlage (unidade de processamento de dados) e elektronische Post para descrever alguns das suas novas atividades digitais.

Além de empréstimos ingleses como home office e lockdown, a lista de palavras relacionados com a pandemia apresenta os traços pelos quais os neologismos alemães são geralmente conhecidos: comprimento e precisão.

O seu uso e significado são também políticos. No início da pandemia, por exemplo, a proibição de sair de casa era chamada de Ausgangssperre (toque de recolher para saída). Porém, os políticos alemães perceberam que era um nome impróprio, porque as pessoas continuavam a poder sair para fazer exercício, comprar bens essenciais ou passear.

A palavra mudou para Ausgangsbeschränkung (restrição de saída) antes de ser incluída no termo mais geral em inglês lockdown.

No entanto, até o lockdown foi contestado. “As pessoas diziam que não é realmente um confinamento, porque não estamos realmente trancados nas nossas casas”, disse Stefanowitsch. “É a única palavra com a qual se pode discutir se descreve ou não com precisão todas as mudanças com as quais tivemos de lidar.”

Após algumas restrições para desacelerar a propagação do vírus terem sido atenuadas no outono passado, os media alemães começaram a usar o termo “lockdown light“. Já os críticos das múltiplas extensões do lockdown apelidaram o novo regime de Salamilockdown, o que significa um confinamento que acontece em partes – em vez de um único golpe.

A lista de novas palavras que Möhrs e o seus colegas compilaram inclui mais de 30 versões do termo.

Principalmente nos últimos meses, com o debate sobre as vacinas, palavras como Coronadiktatur (ditadura do coronavírus) e Impfzwang (vacinação forçada) foram amplamente partilhados nas redes sociais e em manifestações antigovernamentais.

“Ao usar essas palavras, é sugerido um significado que nunca foi pretendido”, disse Möhrs. “Mesmo se um político disser: ‘As vacinas não são obrigatórias e não há Impfzwang’, a frase continua a conter a palavra. Quando se pensa numa frase como ‘Não pense no elefante azul’, o elefante azul está na sua mente.”

Möhrs e a sua equipa estão a avaliar centenas de palavras novas para a sua lista, com frequência de uso entre os critérios. Demorará pelo menos mais um ou dois anos para determinar se alguma delas fará parte do dicionário.

Contudo, Möhrs já tem algumas favoritas, como é o caso da palavra Fussgruss (saudação do pé).

Maria Campos, ZAP //

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