A narrativa artística mais antiga do mundo não é europeia, como se pensou durante anos.
Apaixonado por espeleologia (a ciência que estuda cavernas e grutas), Hamrullah sentiu-se tentado a trepar a uma figueira para conseguir entrar por uma estreita abertura de uma gruta da ilha indonésia de Sulawesi.
O que encontrou em 2019 era diferente de tudo o que alguma vez tinha visto. A pintura que viu na gruta de Leang Bulu’Sipong 4 pode estar a mudar completamente a nossa perceção das origens da arte e criatividade humana.
Com 44 mil anos, pode vir a ser considerada a mais antiga obra de arte narrativa conhecida no mundo, o que aponta para a forte possibilidade de a nossa capacidade de contar histórias através da arte não ter tido origem na Europa, como sempre se pensou, mas sim no Sudeste Asiático.
Trata-se de um mural acastanhado e avermelhado que narr uma cena de caça de animais nativos de Sulawesi: porcos selvagens, mas também anoas, uma espécie de búfalo anão endémica da região indonésia.
Na pintura, são perseguidos por aquilo que parecem ser humanos com armas, mas que também têm traços de animais, como caudas e focinhos.
O arqueólogo indonésio responsável pela descoberta admite que as figuras parte humanas, parte animais se assemelham a teriantropos, seres mitológicos encontrados no folclore um pouco por todo o mundo.
“Pipocas” ajudaram
Determinar a idade das pinturas primitivas é sempre difícil. Muitas doram feitas com carvão ou pigmentos à base de minerais, que são difíceis de datar diretamente.
Mas neste caso, recorreu-se a técnicas de datação por urânio e tório em camadas de depósitos de calcite — mais conhecidos no meio como “pipocas” — que se formaram naturalmente sobre a obra de arte.
Verificou-se que um dos porcos desenhados tinha calcite formada há pelo menos 43.900 anos e dois dos anoas tinham depósitos com mais de 40.900 anos.
O grande mistério agarra-se à mitologia: os teriantropos não tinham depósitos de calcite e por isso não puderam ser datados com precisão — mas a semelhança na coloração e no desgaste sugere que foram pintados ao mesmo tempo que os animais.
“A tradição não tem as suas origens na Europa”
Mas atenção: este não é definitivamente o primeiro desenho do mundo. Um esboço abstrato encontrado na África do Sul tem 73 mil anos.
O mural de Sulawesi — onde já foram identificadas pelo menos 242 grutas e abrigos rochosos com obras de arte semelhantes desde 2014 — é, sim, o mais antigo exemplo conhecido de uma cena narrativa, ou história, retratada na arte.
Na Europa, a Gruta de Chauvet, em França, e El Castillo, em Espanha, são há muito considerados o berço da arte figurativa, com pinturas com 30 a 40 mil anos, mas as “pipocas” contam-nos agora uma história diferente na Indonésia.
“Sempre se partiu do princípio de que a tradição da pintura figurativa surgiu na Europa”, mas estes desenhos de Sulawesi ” mostram que a tradição não tem as suas origens na Europa”, sublinha Alistair Pike, arqueólogo da Universidade de Southampton não envolvido no estudo.
No entanto, cientistas citados pelo All That’s Interesting lembram para o facto de híbridos humano-animal na arte rupestre nunca terem sido datados antes de 10 mil anos atrás.
“Nunca tinha visto nada como isto antes. Quer dizer, vimos centenas de sítios de arte rupestre nesta região, mas nunca vimos nada como uma cena de caça”, explicou Brumm, investigador da Universidade Griffith da Austrália e coautor do estudo publicado na revista Nature, ao All That’s Interesting.