Rui Rocha elimina tudo, menos Pedro Nuno. Um debate de “gente séria” que encara a calvície de frente

ZAP // António Pedro Santos, Miguel A. Lopes / Lusa

Nem com a aparição de muitos “fantasmas” o debate entre os líderes do PS e da IL se pautou pelo medo — ambos tocaram em feridas passadas, mas a cura para a queda de cabelo é um muro intransponível. IVA ou IRC: o que corta a moto-serra?

O confronto que colocou frente a frente na RTP esta quinta feira o líder do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, e o dirigente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, foi centrado em números, e numa cisão entre empresas e consumidores.

O debate foi sério, pautado pelo rigor e estudo mútuo dos programas eleitorais, mas o passado foi um fantasma que nunca deixou de pairar sobre a discussão.

O líder do PS, mais à vontade em confrontos deste tipo, focou-se em expor os “irrealismos” que aponta nas propostas adversárias. Ao contrário do debate que teve com Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, onde se conseguiu desenvencilhar com a cartada do irrealismo, defrontou-se agora com um adversário que lhe deu mais luta. Foi um debate confuso e desorganizado, mas onde ninguém desconversou.

Rui Rocha, visivelmente mais confortável do que no ano passado com debates, até tentou chamar os tempos de ministro de Pedro Nuno para cima da mesa, mas o líder do PS conseguiu limpar a secretária, e ainda acusou o oponente de “fazer avançar Portugal contra uma parede”.

Ineficiências e irrealismos

O tema central do debate foi a economia, onde os dois dirigentes têm ideias quase antagónicas, como os dois não se cansaram, desde o início, de realçar. As soluções que propõem não divergem só em números ou em prioridades — têm no seu cerne focos de ação distintos.

É por isso que o líder socialista atirou que o projeto liberal é semelhante à “moto-serra que corta Estado Social ao meio“. Refere-se ao símbolo do liberal argentino Javier Milei, com o qual Rui Rocha foi mesmo confrontado pelo moderador: defende ou não, como Milei, a realização de cortes nas despesas do Estado?

A resposta foi confusa: sim e não. “O que defendemos é um liberalismo europeu”, pelo que “não vale a pena trazer fantasmas” para cima da mesa, começou por indicar o liberal, mas logo disse querer “eliminar” muitas “ineficiências” do Estado.

Sobre impostos, também houve muito a dizer: enquanto o PS se foca no IVA Zero e nos consumidores, a IL quer “injetar dinheiro na economia”, ajudando as empresas. Quer fazê-lo através da redução do IRC, por exemplo.

Para os liberais, “há áreas onde o Estado não deve estar“, mas quer focá-lo “nas suas áreas essenciais”, como a defesa, saúde e educação. Pedro Nuno Santos não deixou fugir o momento para ironizar: “Com menos impostos”. O socialista prosseguiu a sua investida na tentativa de provar que a IL tem um “cenário orçamental irrealista”. “Não tem como pagar isto”, atirou, por fim.

E até conseguiu desenvencilhar-se quando Rui Rocha lhe falou do dinheiro estatal posto na TAP ou na CP enquanto foi ministro das Infraestruturas. No primeiro caso, diz ter “muito orgulho no trabalho na TAP que hoje é uma empresa lucrativa”. No segundo, explica que a entrada de dinheiro se deveu ao saldo de uma dívida antiga.

O socialista atirou ainda que a “IL propõe-se a privatizar a RTP e a Caixa Geral”. Diz que estas medidas não fazem avançar Portugal — “fazem avançar Portugal contra uma parede”.

Ainda que as propostas tenham sido discutidas com convicção de ambas as partes, não há como encontrar consenso entre Pedro Nuno. O próprio acabou mesmo por resumir a situação, comparando a economia a um problema de calvície: “Se perguntarmos a Rui Rocha como se pode resolver o problema da calvície em Portugal, tenho a certeza que dirá que é baixando um imposto“.

O adversário ripostou, sem achar piada ao humor azedo: “E Pedro Nuno Santos diz que o problema da calvície se resolve com mais Estado, mais despesa, menos dinheiro no bolso dos portugueses”.

Mais Estado ou menos impostos: qual a melhor solução para a queda de cabelo?

Casas e tarifas: dois pontos quentes

Ainda na economia, o cenário da habitação e o investimento na defesa foram também dois tópicos quentes.

Sobre o primeiro, ambos concordam que o governo não fez acompanhar as medidas de apoio à compra de imóveis com soluções a nível da oferta, mas o PS opõe-se à ideia liberal de baixar o IVA para a construção de todo o tipo de imóveis, incluindo os de luxo.

“O que precisamos é de estimular a oferta para jovens da classe e média”, argumentou Pedro Nuno. Mas Rui Rocha rebateu: atirou a responsabilidade da crise na habitação para os socialistas, e diz que “Pedro Nuno Santos tem zero resultados na solução da crise da habitação, vem na tentativa para enganar, mas trouxe um fundo de reabilitação em que foram pagos 3 milhões de salários sem que o projeto tivesse avançado”.

Mas o calcanhar de Aquiles de Pedro Nuno foi mesmo a temática das tarifas: admitiu que não conhece o programa de apoio às empresas lançado esta quinta feira pelo governo, depois da insistência do próprio PS na criação deste tipo de apoios. Já Rui Rocha, continua a defender uma “intervenção cirúrgica”, e não generalizada face à guerra comercial.

Ainda assim, o socialista apresentou-se calmo — recusa-se a admitir que está mais moderado —, e conseguiu em quase todos os momentos dar resposta às provocações do adversário.

Apesar das divergências impossíveis de ultrapassar, a conversa (ainda que com temas trazidos “à solta”) focou-se no essencial: a economia, as famílias e as ameaças externas, sem referência à situação de crise política e do caso Spinumviva — tema descartado nos primeiros minutos pelo liberal, que pediu “não falemos de quem não está presente”,

Foi uma conversa entre duas figuras políticas bem preparadas, com ideias para o país e convicções. Como disse, também nos primeiros minutos, o líder socialista, citando o próprio primeiro-ministro que hoje afirmou que “precisamos de adultos na sala”, precisamos é “de gente séria na sala”.

Pedro Nuno e Rui Rocha, no meio de ironias e tiradas humorísticas, não cederam no jogo do sério — estivemos durante meia hora perante dois políticos que quiseram falar de política.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

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