O atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e a candidata Ana Gomes estiveram frente a frente em mais uma ronda de debates televisivos no âmbito das eleições presidenciais marcadas para 24 de janeiro.
Transmitido pela RTP3 e moderado pelo jornalista Carlos Daniel, o debate começou com o tema da pandemia, estando previsto um novo confinamento geral, semelhante ao de abril e maio, que deverá entrar em vigor já na próxima quarta.
Questionada sobre a suposta demora de um novo confinamento, Ana Gomes recusou posicionar-se, dizendo não ter “suficientes elementos”. Quem sabe é quem ouve os especialistas e os cientistas”, disse a candidata, que também vai assistir à próxima reunião do Infarmed na terça-feira.
Marcelo Rebelo de Sousa explicou que decidiu fazer uma renovação intercalar de uma semana porque “os números que chegavam eram baixos mas havia a sensação que os números ia aumentar”. Além disso, justificou que a reunião no Infarmed só acontecerá na terça-feira, porque os números do fim de semana “são sempre mais baixos”.
A candidata considerou “um erro” as eleições terem sido marcadas “tão tarde”, o que atrasou “as medidas para preparar as formas de votação alternativas em caso de confinamento”. “Não sei como é que as pessoas vão votar, em particular as pessoas com mais de 80 anos”, alertou, chamando a atenção para os emigrantes e os idosos em lares.
O atual Presidente disse ainda que havia duas datas possíveis para as eleições – ambas em janeiro – e que só as marcou no final de novembro porque “estava à espera de uma lei da Assembleia da República sobre o voto antecipado e o isolamento profilático”.
Em relação ao voto antecipado, a ex-eurodeputada disse que Marcelo “podia ter apelado ao Parlamento”, ao que o Chefe de Estado respondeu: “Eu falei com os partidos”. Para a candidata, a prioridade tem de ser proteger os grupos de risco e, ao mesmo tempo, permitir-lhes votar.
Marcelo deu duas hipóteses para os utentes dos lares: ou interpretar a lei do voto de quem está em isolamento profilático como incluindo quem está nos lares ou assinar um decreto de forma isolada para “incluir expressamente a questão de se equiparar o isolamento profilático aos utentes dos lares. Sobre o voto por correspondência, o Presidente disse que é defensor da ideia, mas os deputados resistiram.
Questionada sobre se responsabiliza Marcelo pelo evolução da pandemia, Ana Gomes assumiu saber que é “muito difícil”. “Tenho a certeza que, quer o Presidente da República quer o primeiro-ministro e os ministros, têm feito tudo o que está ao seu alcance, mas é difícil”, disse.
Em vez de um confinamento geral, Ana Gomes preferiria proteção ampliada aos grupos de risco.
Sobre o levantamento de restrições no Natal, Marcelo disse que “o pacto de confiança” que firmou com os portugueses “não funcionou”. “Assumo essa responsabilidade por mim, pelo Governo e por todos os que intervieram” na decisão”, acrescento que “não há alternativa ao confinamento geral”.
“Sou contra a ilegalização do Chega”, diz Marcelo
A ex-eurodeputada afirmou que, num regime semipresidencialista, é suposto o Presidente da República fazer um juízo político sobre a composição dos governos e sobre as alianças dos partidos políticos. “Marcelo Rebelo de Sousa não fez isso nos Açores”, acusou Ana Gomes, responsabilizando-o pela “normalização do Chega”.
Em resposta, Marcelo disse que fez nos Açores o que o seu antecessor, Cavaco Silva, fez no continente: dar posse ao partido mais votado.
Questionada sobre o Chega, partido liderado pelo candidato André Ventura, Ana Gomes afirmou que “foi um partido legalizado com assinaturas falsas“. “A lei não é para cumprir nesta matéria? Além de que tem um programa claramente anti-constitucional. Tudo isso não pode ser desvalorizado à luz da Constituição e do Código Penal”, interrogou.
Marcelo disse não concorda com a ilegalização do Chega, algo pedido por Ana Gomes. “Calá-los é vitimizá-los, não é preciso proibi-los, é preciso vencê-los pelas ideias”, disse Marcelo
“Não vale tudo na política”
Questionada sobre o que disse de que Marcelo era o grande “instabilizador” do Estado, Ana Gomes disse que Marcelo não deve oscilar entre ser o pai do primeiro-ministro ou tirar-lhe o tapete, ou até assumir os louros da ação governativa”.
O Presidente atacou Ana Gomes, respondendo com citações da própria candidata e dizendo que “senhora embaixadora tem de estabilizar a sua opinião sobre o Presidente da República”, uma vez que, “até ao dia seguinte de apresentar a candidatura, achava que a colaboração com o Governo tinha sido magnífica”. Marcelo atirou ainda que Ana Gomes “mudou de posição, já que quem disse que o primeiro-ministro era igual a Viktor Órban foi a senhora embaixadora”.
Em relação ao caso do SEF, Ana Gomes afirmou que houve “graves erros” e responsabiliza Marcelo na parte da relação com a viúva do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk e na parte de “cuidar da reforma do SEF”.
Marcelo assegurou que interveio “logo em abril” e que “a reforma do SEF estava a ser tratada em diálogo com o Governo”. “Intervim logo no início e não no fim e depois também chamo a atenção que fiz opção de não fazer o telefonema mas a senhora embaixadora, que é tão atenta e arguta, esteve esse tempo todo sem reparar que o Presidente não tinha intervindo”.
O Presidente acrescentou que o diretor nacional da PSP “pediu para ser recebido e o primeiro-ministro concordou, achou bem e soube do teor da conversa mal terminou”.
Ana Gomes continuou no tema da justiça, dizendo ser necessário o Presidente “dar os meios necessários para o combate à corrupção”. “Sei que o senhor professor, até pela sua relação com Ricardo Salgado, seja dos primeiros a ter interesse em que o caso seja apurado. E sete anos depois, o julgamento ainda nem sequer começou. E o caso BES está ligado ao caso Sócrates, aos casos de evasão fiscal”, disse a candidata.
“Tinha de fazer a referência ao Dr. Ricardo Salgado, vem sempre no programa. Foi há cinco anos e agora continua. Dizia-se que era amigo ‘vamos ver se não lhe facilita a vida’. Cinco anos depois foi condenado em três processos movidos pelo Banco de Portugal, foi finalmente acusado no processo BES. Não sei se percebe o quão ofensivo é aquilo que disse”, lançou Marcelo, que garante ter “o mesmo interesse que todos os portugueses em relação ao esclarecimento”.
“Escusa de tentar atingir a minha honorabilidade e integridade. Nunca diria de si o que disse de mim. Não vale tudo na política”, atirou Marcelo, dizendo que, no seu mando, avançou a Operação Marquês, o BES, o julgamento de Tancos e o processo contra magistrados judiciais.
Questionada sobre Rui Pinto, Ana Gomes disse que a justiça “tem de apurar se cometeu crimes ou não”, mas também “tem de valorizar o serviço cívico de interesse público que ele prestou ao revelar o que revelou”. “Isso tem de ser relevado pela justiça quando apreciar os seus crimes”, insistiu.
Ana Gomes acrescentou que gostava de ter ouvido o Marcelo a falar sobre Rui Pinto, já que “fala sobre tudo”. “Falar sobre casos de justiça? Isso fala a senhora embaixadora, que é comentadora”, indignou-se Marcelo.
“O que ela fez foi o seguinte: o senhor professor tem toda a razão porque está na justiça. A justiça é apurar os factos e não qualificá-los. Nunca me pronunciou sobre processos criminais em curs. Diz a senhora embaixadora que acha que foi muito importante esta posição. Pronto, não se pronuncia e pronuncia-se. Como Presidente da República havia de ser muito interessante, muito interessante…”, rematou Marcelo.
O próximo debate presidencial está agendados para segunda-feira, 12 de janeiro, às 22h na RTP e vai juntar todos os candidatos na corrida a Belém.