Cabrita explica futuro do SIRESP no Parlamento

António Cotrim / Lusa

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita

O ministro da Administração Interna é ouvido esta quarta-feira no parlamento sobre o futuro da rede de comunicações do Estado (SIRESP), cujo contrato com a Altice termina a 30 de junho.

A audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi pedida pelo CDS-PP após o presidente da Altice Portugal ter afirmado, a 14 de abril, que a empresa não teve “qualquer tipo de contacto por parte do SIRESP” sobre a continuidade do contrato, parecendo que a rede de emergência “vai acabar no dia 30 de junho”.

Depois destas afirmações de Alexandre Fonseca, a Altice já se reuniu com a SIRESP SA e com o Ministério da Administração Interna, tendo a empresa apresentado uma proposta técnico-operacional para a prorrogação por 18 meses do serviço da rede de comunicações de emergência SIRESP.

Entretanto, também foi noticiado que o presidente da SIRESP SA, Manuel Couto, no cargo há cerca de um ano, tinha apresentado o pedido de demissão a Eduardo Cabrita, devendo tal acontecer no final do mês de abril.

O ministro já afirmou que o SIRESP vai continuar a funcionar, após 30 de junho, segundo um modelo que “o Governo tem neste momento já em processo legislativo”.

Segundo Eduardo Cabrita, está programada “uma reforma profunda”, que passa pela integração numa única entidade de tudo aquilo que são sistemas de comunicação no MAI, nomeadamente a rede nacional e segurança interna, SIRESP e 112.

A Altice Portugal é a fornecedora da operação, manutenção, gestão e também do alojamento de muitos sites do SIRESP. O Estado comprou por sete milhões de euros a parte dos operadores privados, Altice e Motorola, no SIRESP, ficando com 100%, numa transferência que aconteceu em dezembro de 2019.

Desde essa altura que o Estado tem um contrato com a Altice e Motorola para fornecer o serviço até junho deste ano.

Em outubro, os Ministérios das Finanças e da Administração Interna criaram um grupo de trabalho para a avaliação dos requisitos tecnológicos e do modelo de gestão da rede de comunicações de emergência do Estado, a adotar após 30 de junho, não sendo ainda conhecidas as conclusões.

Uma auditoria do Tribunal de Contas, divulgada a 23 de abril, revelou que o Estado gastou com o SIRESP 519.302.336,67 euros desde o início do contrato em 2006 e até 2019.

Esta auditoria refere que esta rede satisfaz atualmente as principais necessidades de comunicação de emergência, mas alerta para o aproximar do termo do contrato vigente, antevendo-se “alterações no modelo tecnológico e de gestão que urge definir”.

Depois dos incêndios de 2017, quando foram públicas as falhas no sistema, foram feitas várias alterações ao SIRESP, passando a rede a estar dotada com mais 451 antenas satélite e 18 unidades de redundância elétrica.

As polémicas do SIRESP

A rede de comunicações SIRESP tem sido marcada por várias polémicas desde que foi criada, mas as falhas durante o combate aos grandes incêndios de 2017, que causaram cerca de 100 mortos, levaram a várias alterações no sistema.

A cronologia desde sistema desenhado para servir sobretudo as comunicações das forças e serviços de segurança, bombeiros e agentes de proteção civil e emergência iniciou-se quando António Guterres era primeiro-ministro (entre os anos de 1995 e 2002), o qual constituiu um grupo de trabalho com a missão de estudar a criação de uma rede deste tipo.

Esta intenção só se materializou anos depois, em 2005, três dias depois de o Governo PSD/CDS-PP ter perdido as eleições para o PS e estando, por isso, em gestão.

O então ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, deu o aval do executivo à constituição de uma parceria público-privado entre um consórcio de empresas (PT, Motorola, Esegur, Grupo Espírito Santo e SLN) e o Ministério da Administração Interna. Dessa parceria público-privada constituir-se-ia o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP).

Com a tomada de posse do Governo socialista, em 2005, a pasta “SIRESP” ficou nas mãos do então ministro da Administração Interna, António Costa (atual primeiro-ministro), que solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) no sentido de ver esclarecido se o ato jurídico praticado por um Governo de gestão era ou não legítimo.

Em resposta, a PGR concluiu que o Governo de gestão PSD/CDS-PP não poderia ter aprovado o negócio SIRESP, uma vez que não se tratava de um ato urgente, nem “estritamente necessário para assegurar a gestão dos negócios públicos”.

António Costa anulou o despacho do ministro Daniel Sanches e pediu vários pareceres, tendo o executivo voltado a negociar com a SLN, renegociando os termos do contrato num valor menor, mas muito acima do inicialmente estimado pelo grupo de trabalho formado pelo Governo de António Guterres.

As dúvidas em torno do SIRESP regressariam no final de 2006 e o Ministério Público iniciou uma investigação, que chegou a ter Oliveira e Costa (ex-secretário de Estado e banqueiro fundador do BPN) e a sua filha como arguidos por suspeitas de tráfico de influências, mas acabou por ser arquivada em 2008.

Ainda em 2006, o Tribunal de Contas alertou para a violação de normas da contratação pública na adjudicação do contrato do SIRESP.

Mas as fragilidades do sistema começaram logo a ser ouvidas em 2013 num incêndio que deflagrou na Serra do Caramulo quando dois bombeiros do Carregal do Sal morreram. Já no temporal de janeiro desse ano, também em Pedrógão Grande, foram apontadas falhas ao SIRESP.

Um relatório do Ministério da Administração Interna concluiu também que no incêndio de agosto de 2016, nos concelhos de Abrantes e do Sardoal, o sistema de comunicações de emergência teve um problema e a situação só foi normalizada ao fim de 17 horas.

Mas as grandes falhas do SIRESP aconteceram em 2017 no incêndio de Pedrógão Grande. No verão desse ano, o SIRESP voltou a registar interrupções em fogos de Alijó, Abrantes, Mealhada, Cantanhede e no distrito de Castelo Branco.

O relatório da comissão técnica independente ao incêndio de Pedrógão Grande concluiu que este sistema está “baseado em tecnologia ultrapassada” e “obsoleta”, tendo sido “notório a falha” deste sistema de comunicações e das redes móveis no fogo.

Um outro documento elaborado pelo Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra também concluiu que a falha do sistema de comunicações no incêndio de Pedrógão Grande terá contribuído para a falta de coordenação dos serviços de combate e de socorro, dificuldade de pedido de socorro e agravamento das consequências do fogo.

A 15 de outubro desse ano, a região centro volta a ser varrida pelas chamas e surgem novamente problemas no SIRESP com várias corporações de bombeiros a apontarem falhas ao sistema.

No final desse mês, o Governo anunciou que o Estado vai entrar com 54% no capital social do SIRESP, mas esta intenção não se concretizou, depois de a Altice se ter tornado acionista maioritária do sistema de comunicações, passando a deter 52,1% do capital, ao comprar as participações da ESEGUR e da Datacomp.

O Estado passou assim a ter 33% do capital da empresa que gere a rede de emergência nacional.

Em abril de 2018, o Governo aprovou em Conselho de Ministros uma alteração do contrato entre o Estado e a gestora do SIRESP, num investimento de 15,65 milhões de euros e que deveria entrar em funcionamento em 2018, mas foi chumbado duas vezes pelo Tribunal de Contas.

Apesar do chumbo, a entidade gestora avançou em 2018 com alterações no SIRESP, passando a rede a estar dotada com mais 451 antenas satélite e 18 unidades de redundância elétrica.

Em maio de 2019 e em vésperas de uma época de incêndios, a Altice ameaçou cortar o sinal da rede satélite, que garante o funcionamento das comunicações de emergência quando a rede convencional falha, devido a uma dívida de 11 milhões de euros do Estado.

Este investimento foi feito na compra de antenas satélites e geradores a gasóleo.

Após esta ameaça, o Estado inicia novamente negociações com a empresa que gere o SIRESP e o ministro da administração Interna, Eduardo Cabrita, deu a conhecer uma avaliação técnica feita ao sistema de comunicações por uma entidade independente, que concluiu que a rede deve ter uma “natureza pública”.

O Governo chegou a um acordo com a Altice e é aprovado no Conselho de Ministros de 13 de junho de 2019 um decreto-lei que “transfere integralmente para a esfera pública” as funções relacionadas com “a gestão, operação, manutenção, modernização e ampliação da rede SIRESP, e também a estrutura empresarial.

A transferência foi feita a 1 de dezembro de 2019 e o Estado pagou cerca de sete milhões de euros para ficar com 100% do capital do SIRESP ao adquirir as participações sociais dos acionistas privados na SIRESP SA, Altice e Motorola.

A atual parceria público-privada prolonga-se até 30 de junho deste ano, quando termina o contrato, continuando a Altice e a Motorola a fornecer o sistema, nomeadamente a rede e os terminais, até essa data.

O grupo de trabalho criado pelo Governo para apresentar as soluções tecnológicas para as comunicações de emergência em Portugal, a partir de 1 de julho deste ano, concluiu que se deve fazer alterações de fundo na rede para que seja mais segura e dependa menos da Altice e Motorola.

Este grupo garantiu também que o SIRESP “está muito mais resistente” do que estava quando falhou durante os incêndios de 2017.

A rede SIRESP tem vindo a registar um aumento sustentado de utilizadores, prestando diariamente comunicações a mais de 120 organismos, e suporta anualmente um número superior a 35 milhões de chamadas de mais de 40 mil utilizadores.

ZAP // Lusa

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