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@AnaMartinsGomes. A gladiadora do Twitter é candidata a Belém

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José Sena Goulão / Lusa

Se há arena onde a candidata socialista a Belém se sente confortável, é o Twitter. Palco de grandes partilhas e encruzilhadas, é inegável que essa rede social marca o caminho da diplomata.

Ana Gomes é conhecida pelas suas funções de diplomata e eurodeputada, mas lança-se agora numa das batalhas mais desafiantes da sua vida. O papel é o de candidata à Presidência da República, mas as causas não mudaram: a democracia, o combate à corrupção e a luta pelos Direitos Humanos, três das suas maiores bandeiras.

Nascida a 9 de fevereiro de 1954, soube desde muito cedo que não seria uma mulher consensual e, entre tweets e partilhas, a dicotomia de reações provam-lhe isso mesmo: há quem a aplauda e retweet; quem lhe aponte o dedo e comente; e há ainda quem esteja atento e se mantenha em silêncio. Mas dúvidas não restam: Ana Gomes não é indiferente.

As redes sociais habituaram-na ao imediatismo, à transparência e à exposição. Com todos os prós e contras que o Twitter lhe possa trazer, é indiscutível que marcou o seu percurso, que culmina agora numa candidatura a Belém.

Vacina da gripe: “Como é q é, @DGS?”

Uma das polémicas mais contundentes em que Ana Gomes esteve envolvida está relacionada com a revelação, feita pela própria no Twitter, de que, depois de três meses em lista de espera, decidiu tomar uma vacina que uma amiga lhe trouxe de França.

A candidata explicou que a vacina contra a gripe lhe foi administrada numa farmácia, como se uma das que estão disponíveis em Portugal se tratasse. Apesar de lhe terem dito que, “normalmente”, só administravam vacinas “de lá”, como não tinham nenhuma, Ana Gomes acabou por ser vacinada.

Num esclarecimento enviado ao Observador, fonte oficial do Infarmed explicou que trazer medicamentos do estrangeiro para uso pessoal é proibido e arriscado para a saúde de quem os usa.

“A importação de medicamentos para uso próprio pelos utentes não é legal e acarreta riscos para a saúde dos consumidores. Os consumidores só podem adquirir medicamentos nas farmácias e nos locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica”, explicou, na altura, o regulador.

À semelhança do que tinha afirmado numa entrevista à Rádio Observador, Ana Gomes reiterou, no frente-a-frente com Vitorino Silva, que faria tudo igual. “Não tirei vacina a ninguém. A Direção-Geral da Saúde não contou com o excesso de procura neste contexto de pandemia”, justificou.

Ana Gomes mostra mensagem de @RuiPinto_FL⁩

A 5 de março, um dia depois de as autoridades terem realizado buscas a clubes e empresários do futebol português, Ana Gomes recorreu à rede social para revelar uma mensagem que diz ter sido escrita por Rui Pinto, responsável pelo Football Leaks. Tudo indica que foi escrita antes das operações das autoridades, noticiadas pelo ZAP.

Nela, o hacker português fala sobre as revelações dos Luanda Leaks. “O Luanda Leaks é o exemplo mais recente de que os denunciantes e o jornalismo de investigação são essenciais para a nossa democracia. Durante ambos, e apesar dos constantes alertas de que Portugal se tornara numa plataforma de lavagem de dinheiro da cleptocracia angolana, as autoridades judiciárias e de regulação nada fizeram”, acusa.

“Como cidadão, fiz simplesmente o meu dever ao ajudar a expor este e outros crimes, e mesmo sabendo de antemão da primitiva perseguição de que os denunciantes em Portugal, voltaria a fazê-lo“, lê-se ainda na fotografia partilhada por Ana Gomes.

Conforme explicou no Twitter, a mensagem iria ser lida pela própria na conferência “High-Level Policy Dialogue on Corruption in Sports Governance”, em Florença, Itália, que acabou por ser adiada na sequência da pandemia de covid-19.

“Muito estranho…” O tweet sobre Sindika Dakolo

O empresário Sindika Dokolo faleceu a 29 de outubro, no Dubai, durante a prática de mergulho. No dia seguinte, escreveu o ZAP, a candidata a Belém comentou a morte do marido de Isabel dos Santos, com um tweet muito breve no qual se lia apenas: “Estranho. Muito estranho…”.

A publicação de Ana Gomes era uma partilha de um outro tweet, num tom humorístico, do utilizador João Cordeiro, adiantando que Sindika morreu “afogado no mar” e, portanto, “morreu offshore“.

Depois deste, Ana Gomes escreveu outro tweet no qual refere que “o que realmente hoje mais importa em Angola é que Laura Macedo, corajosa ativista pela transparência e anti-corrupção, está presa”. “E não devia estar“, acrescenta.

Na altura, a ex-eurodeputada foi muito criticada, com utilizadores a garantirem que a candidata a Belém tinha perdido muitos votos com o seu comentário sobre a morte de Sindika Dokolo. Apesar do mar de críticas, houve utilizadores que apoiaram Ana Gomes nas redes sociais, considerando que a morte do empresário também lhes parecia “estranha”.

“Lava q se farta”. O tweet sobre Isabel dos Santos

Em outubro de 2019, Ana Gomes acusou a empresária Isabel dos Santos de “lavar que se farta” e o Banco de Portugal de fechar os olhos às falhas dos bancos na prevenção do branqueamento de capitais.

O comentário surgiu em reação a uma entrevista dada pela empresária angolana à Lusa, na qual, a propósito das suspeitas sobre a origem do seu dinheiro, disse que há uma narrativa contra si e que se tem endividado, para poder investir.

“Tenho muitas dívidas, tenho muito financiamento por pagar, as taxas de juros são elevadas, nem sempre é fácil também ter essa sustentabilidade do negócio, para conseguir enfrentar toda a parte financeira dos negócios”, justificou a empresária, citada pelo semanário Expresso.

No Twitter, Ana Gomes respondeu: “Isabel dos Santos endivida-se muito porque, ao liquidar as dívidas, ‘lava’ que se farta”. O Banco de Portugal é também visado no comentário da antiga eurodeputada, por “não querer ver” as violações que os bancos fazem às regras de prevenção de branqueamento de capitais.

Bola para o lado de Isabel dos Santos que, no início de dezembro do mesmo ano, avançou com uma ação cível contra Ana Gomes por causa da publicação. A empresária terá ficado ofendida e exigia que a ex-eurodeputada socialista pagasse 5 mil euros por dia caso não eliminasse os tweets que fez na sua conta pessoal.

“Pede que retire os tweets e 5 mil euros por cada dia em que os tweets continuem online”, disse Ana Gomes, na altura do sucedido. “De maneira nenhuma considero apagar esses tweets. Obviamente que cumprirei o que o tribunal decidir, mas estou muito mobilizada para lá ir a apresentar as provas do que escrevi”, acrescentou.

Um mês depois, em janeiro do ano passado, a candidata viu-se, então, a vencer o processo, no qual era acusada de ofender o bom nome e a reputação da empresária.

“O direito à liberdade de expressão e de informação da requerida [Ana Gomes] deverá prevalecer sobre os direitos de personalidade (reputação e bom nome) da requerente, indeferindo-se por isso a providência requerida”, determina a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, também partilhada por Ana Gomes nas redes sociais.

Isabel dos Santos não se conformou com a decisão do tribunal e decidiu, no entanto, recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, por considerar que o tribunal de primeira instância “não interpretou com rigor e precisão os comentários”.

“Going forward”. O tweet da candidatura a Belém

Going forward“: as duas palavras, publicadas por Ana Gomes no Twitter, foram a primeira indicação de que a eurodeputada se iria candidatar às presidenciais. “Um grande abraço e muita força”, escreveu o jornalista e fundador do Bloco de Esquerda Daniel Oliveira na partilha da socialista, que recebeu diversos comentários de apoio.

Mas Ana Gomes desmentia, já desde o início do ano passado, rumores de que se iria candidatar a Belém. “Não estou disponível para me coarctar da liberdade que é hoje essencial para a minha capacidade de intervenção cívica“, afirmou a eurodeputada em janeiro de 2020, em entrevista à RTP.

Passados uns meses, a ex-eurodeputada admitiu, afinal, poder vir a refletir sobre candidatura à Presidência da República, por considerar que “mudou muita coisa” depois de  o primeiro-ministro, António Costa, ter antecipado um segundo mandato do atual Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Existem neste momento, outras prioridades. Não tenho prazo, nem há pressa“, afirmou Ana Gomes, no final de maio, dizendo estar a “refletir” sobre a eventual candidatura. Em junho, a socialista distanciou-se da Plataforma Cívica de Apoio à Candidatura, afirmando que esta iniciativa não seria a única influência na sua reflexão.

Em agosto, a antiga eurodeputada parecia ter tomado a decisão de avançar e partilhou-o no seu perfil do Twitter, avisando que ia “seguir em frente”. E assim o fez.

Liliana Malainho, Sofia Teixeira Santos / ZAP //

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10 Comments

  1. Havia um herói do Twitter no outro lado do Atlântico. Amanhã acaba o seu mandato (até que em fim) e até banido do Twitter foi.
    Espero que esta não seja um exemplo parecido.

  2. Ainda não consegui perceber, mas deve ser defeito meu que tenho um QI de 136, que mal fez o Sr. Trump aos rugas para ser tão encardido pela comunicação social.
    Não me venham com a Covid-19. Pois nos EUA cada Estado é senhor das suas políticas de saúde, não é o poder federal

  3. Os súcialistas e Eu! têm feito pior à humanidade, embora num raio de ação mais curto, cerca de 400 km com o centro em S.Bento (Lisboa). É de facto assim, quando se trata de democracia é fundamental perceber e tolerar todas as opiniões incluindo aquelas que por razões pessoais rotulamos de anti-democráticas.

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