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Odemira exige medidas ao Governo. Cidadãos “têm de saltar a cerca” para comprar teste noutra freguesia

Nuno Veiga / Lusa

A Assembleia Municipal de Odemira, em Beja, exigiu no domingo ao Governo a adoção de sete medidas estruturais e quatro medidas de combate à pandemia de covid-19 no concelho, como o fim da cerca sanitária em duas freguesias.

Na tomada de posição aprovada por unanimidade, na reunião da Assembleia Municipal de Odemira (AMO), enviada na sexta-feira à noite à Lusa, este órgão autárquico alude à “situação mediatizada nos últimos dias” no concelho.

“Veio demonstrar que os órgãos municipais tinham razão, pois vinham afirmando e alertando ao longo dos últimos anos”, através de “inúmeras” tomadas de posição e moções aprovadas, para a “necessidade urgente” de o “Estado intervir neste território“, pode ler-se no documento.

O que “muitos apelidam de ‘um desastre anunciado’, é fruto de um ordenamento territorial deficitário, só possível face a um Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) permissivo e desde sempre contestado pelos órgãos municipais”, frisou a assembleia municipal.

A tomada de posição surge após este órgão municipal analisar a evolução da pandemia de covid-19 no concelho e a cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve, decretada pelo Governo e em vigor desde 30 de abril, devido à elevada incidência de casos daquela doença.

No documento, são consideradas como “essenciais” quatro medidas “para resolução urgente da situação pandémica vivida em Odemira, as quais são reivindicadas ao Governo.

O executivo deve começar por “decretar o fim imediato da cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e Longueira/ Almograve face ao acentuado decréscimo dos índices de infeção nestas freguesias e no concelho, penalizadas pelo cálculo deficiente desses mesmos índices”, reclama a AMO, exigindo também “medidas imediatas de combate à sobrelotação e insalubridade de habitações” de trabalhadores do setor agrícola, “com a responsabilização dos empregadores”.

A “integração imediata no cálculo dos índices de infeção de indicadores de imunidade e carga” no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a “vacinação urgente de toda a população” são os outros dois “passos” que a assembleia quer ver concretizados pelo Governo.

No que toca a medidas estruturais “essenciais”, a AMO quer que o Governo proceda à “revisão imediata da Resolução do Conselho de Ministros 179/19, de 24 de outubro de 2019”, a qual, entre outros pontos, estabeleceu uma moratória de 10 anos que permite a manutenção de estruturas de habitação amovíveis (contentores) e 16 pessoas por unidade de alojamento, quatro por quarto e uma área de 3,4 metros quadrados para os trabalhadores.

“Medidas preventivas urgentes” no âmbito do Plano de Ordenamento do PNSACV, um “programa específico de habitação para o território” que permita libertar “a sobrecarga das freguesias do litoral do concelho” ou a elaboração “urgente” de um plano para a albufeira de Santa Clara, para fazer face ao “cenário de escassez de água” da barragem, e um plano de intervenção económica e social local que “vise a dotação dos serviços públicos e plano de investimentos” capaz de responder “às necessidades de infraestruturas de apoio às populações” são outras reclamações.

A assembleia municipal recomenda ainda ao Governo que “se apurem os responsáveis, desde os angariadores de mão-de-obra até aos proprietários, pelo incumprimento da legislação laboral e ambiental em vigor, punindo os prevaricadores e todos os que lucrem à custa da violação das leis, pondo em risco a saúde pública”, e que seja criado “um Gabinete Local de Ação Operacional” no concelho “com todas as entidades presentes no território, nomeadamente ACT, SEF, Saúde, ICNF e representantes dos cidadãos locais”.

Esta tomada de posição, que a AMO diz que considera “absolutamente essencial que seja atendida”, com vista ao “desenvolvimento sustentável do concelho e do país e para a saúde, bem-estar e qualidade de vida dos residentes permanentes e temporários”, vai ser remetida ao Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, grupos parlamentares e Governo, entre outras entidades.

Cidadãos “têm de saltar a cerca” para comprarem teste

Na quinta-feira, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu que a cerca sanitária em vigor, desde dia 30 de abril, nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve vai manter-se, devido à elevada incidência de casos de covid-19, mas definiu “condições específicas de acesso ao trabalho”.

A entrada nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve para o “exercício de atividades profissionais” e para o “apoio a idosos, incapacitados ou dependentes e por razões de saúde ou por razões humanitárias” depende da apresentação de comprovativo de teste PCR negativo realizado nas 72 horas anteriores ou de teste rápido antigénio negativo realizado nas 24 horas anteriores.

A saída das duas freguesias pelos mesmos motivos depende também de apresentação de novo teste rápido de antigénio com resultado negativo, realizado nas 24 horas anteriores.

A presidente da Junta de Freguesia de Longueira-Almograve considerou este domingo que o despacho do Governo que permite a entrada e saída daquele território mediante a apresentação de comprovativo de teste negativo à covid-19 “não é exequível”, porque os testes que são exigidos só podem ser adquiridos numa farmácia que está noutra freguesia.

Os cidadãos “têm de saltar a cerca”, disse a autarca. “Acho que os senhores [do governo] lá em Lisboa não conhecem o território e legislam uma coisa que não é exequível nesta freguesia”, lamentou Glória Pacheco.

Em Longueira-Almograve, uma das duas freguesias do concelho de Odemira que está sob cerca sanitária devido à covid-19, não há “uma farmácia” nem “existe um centro de testagem”, disse a autarca.

“A farmácia que nós temos mais perto está fora da cerca, a nove quilómetros, em Vila Nova de Milfontes [outra freguesia]. Para comprar um teste, têm de saltar a cerca e, para a ir a São Teotónio, fazem o dobro dos quilómetros”, esclareceu, criticando a medida adotada pelo Governo, por não se adequar à realidade.

Segundo a presidente, “isto mexe muito com as pessoas que também não têm transportes” e “com a parte financeira de cada um”. “Quem é que tem dinheiro para ir constantemente a São Teotónio comprar um teste”, questionou Glória Pacheco, argumentando que “a população está toda descontente” e que os habitantes sentem-se “discriminados”.

A autarca contou ainda que já ponderou “entregar as chaves” da junta, porque está “constantemente” a receber telefonemas de pessoas “indignadas”, que questionam o que devem fazer: “Não sei se não está também aqui em causa uma questão de direitos humanos”. “É uma sensação de impotência. Afinal, a junta de freguesia só serve para limpar o lixo. É uma vergonha o que se está a passar”, lamentou.

ZAP // Lusa

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