Costa caiu e ainda há muito por resolver para lá do Orçamento de Estado para 2024. O futuro do país está agora nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa: o que vai fazer o Presidente da República?
Além das incertezas em redor do novo Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) — cujas propostas correm agora o risco de se desmoronar — a recente demissão do primeiro-ministro António Costa trouxe dúvidas sobre o futuro de três importantes dossiês que permanecem por resolver.
São eles as negociações com os médicos, a privatização da TAP e o processo de descentralização regional.
Médicos
No setor da Saúde, o acordo com os sindicatos dos médicos está ainda preso numa fase de incerteza.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, expressou otimismo quanto à possibilidade de chegar a um acordo, apesar das negociações estarem num ponto sensível, mas a dificuldade reside na capacidade de um Governo de gestão assumir compromissos financeiros a longo prazo, principalmente se o parlamento for dissolvido.
Mesmo que algumas medidas, como os regimes de dedicação plena e as unidades de saúde familiares, já estejam legisladas, o Governo cessante poderá não estar em posição de avançar com novas despesas para o Estado.
Ainda em desacordo com os médicos na questão salarial — os médicos pedem aumentos de cerca de 30% enquanto Pizarro foi este mês novamente acusado de apresentar “as mesmas propostas”, não passando de um aumento de 8,5% —, falta também resolver “a questão mais fraturante”, na opinião do ministro: a exigência dos profissionais de saúde de repor as 35 horas semanais.
As negociações entre o Ministério da Saúde e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) iniciaram-se em 2022, mas a falta de acordo tem agudizado a luta dos médicos, com greves e declarações de escusa ao trabalho extraordinário além das 150 horas anuais obrigatórias.
Agora, o futuro das negociações torna-se ainda mais incerto, numa altura em que os serviços hospitalares estão afundados numa grave crise, num mês que tem vindo a ser conhecido como “dramático“.
Privatização da TAP
Se já era outro assunto cuja resolução se prolongava, a privatização da TAP enfrenta agora um futuro ainda mais incerto.
O decreto-lei que define as condições de venda foi vetado pelo Presidente da República, apesar de ter havido promessas por parte do Governo de que as preocupações seriam consideradas. Marcelo resguardava “múltiplas dúvidas e reticências” em relação a três pontos-chave da venda da empresa — um deles sendo, precisamente, “a capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado numa empresa estratégica como a TAP”.
A oposição, especialmente o PSD, tem criticado a falta de transparência do modelo de privatização proposto pelo Governo socialista. A TAP, cuja venda foi prometida para o próximo ano, vê agora o seu processo de privatização em stand-by numa altura em que já se perfilam interessados à compra da companhia aérea, entre as quais grandes “players” do setor aéreo como a IAG (dona da Iberia), a Lufthansa e a Air France-KLM, que já manifestaram interesse.
Descentralização das regiões
O processo de transferência de competências do Estado Central para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) também se encontra, de repente, em risco.
A aprovação dos estatutos das CCDR e dos contratos-programa, que delineiam as competências que cada ministério transferirá, está em atraso e a concretização deste projeto, fortemente promovido por António Costa, poderá não se realizar caso o Governo caia sem estabelecer os parâmetros necessários para a operacionalização das CCDR.
As 3 opções de Marcelo após a queda de Costa
O futuro do país está agora nas mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que vê nas suas mãos diferentes possíveis cenários.
Dissolver o parlamento e ir a eleições
O primeiro é o mais flagrante: dissolver o parlamento, tal como tinha prometido na tomada de posse do Governo de Costa caso o houvesse mudança de primeiro-ministro. “Se mudar o primeiro-ministro, há dissolução do parlamento”, garantiu, referindo-se à “hipótese teórica de aparecer um outro primeiro-ministro da área do PS”.
Mas mesmo neste cenário, Marcelo tem duas opções: dissolver o parlamento de imediato ou de forma não imediata, uma vez que ainda se discute por esta altura a aprovação do OE2024. Por sua vez, a dissolução imediata implicaria, claro está, novas eleições governamentais.
Exigir um novo primeiro-ministro ao PS
Este é um cenário que não seria inédito, como recorda o Jornal de Notícias. Caso Marcelo optasse por esta via, repetir-se-ia a história de 2004, em que o PSD propôs Santana Lopes para primeiro-ministro como substituto de Durão Barroso, que foi para a presidência da Comissão Europeia, proposta aceite pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, que acabaria por confessar anos depois: “Fartei-me do Santana”.
O PS já admitiu esta possibilidade de escolha de um ministro de transição, mas o presidente do PS, Carlos César, já deixou tudo nas mãos de Marcelo: Eleições? “Compete ao senhor Presidente comunicar o seu juízo sobre esta matéria”, disse esta terça-feira.
Mas se for esta a decisão do Presidente, já há dois pretendentes ao trono interino: o próprio César ou o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.
E não, Pedro Nuno Santos não estará nos planos, segundo fontes próximas do partido citadas pelo Público. O ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, que tem pavimentado o caminho para suceder a António Costa na liderança do PS, quer ser eleito nas primárias, através de eleições abertas a não militantes.
Haverão duas razões para tal: a necessidade de preparar o seu programa eleitoral e a credibilidade política que vem colada à escolha do próximo secretário-geral por eleições primárias.
“Fazer” um Governo à sua maneira
Este é, tal como o anúncio de António Costa desta terça-feira, o cenário menos provável — mas que já aconteceu três vezes.
os primeiros-ministros, todos nomeados pelo então presidente Ramalho Eanes, foram Nobre da Costa (durante escassos meses), Carlos Mota Pinto e Maria de Lourdes Pintasilgo, entre 1978 e 1980, mas a revisão constitucional de 1982 veio colocar entraves a tal intervenção do presidente.