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Trump anunciou a compra de uma participação de 10% na empresa, avaliada em cerca de 7,6 mil milhões de euros. A longa e dolorosa queda da Intel.
A gigante Intel acaba de se transformar num projeto apoiado pelo governo dos Estados Unidos. Esta sexta-feira, a a administração de Donald Trump anunciou a compra de uma participação de 10% na empresa, avaliada em cerca de 8,9 mil milhões de dólares (cerca de 7,6 mil milhões de euros).
O desfecho assinala uma das maiores intervenções governamentais numa empresa norte-americana desde a crise financeira de 2008 e, ao mesmo tempo, é a queda de um dos nomes mais poderosos da indústria tecnológica. Mas como é que isto aconteceu?
Fundada em 1968 por Robert Noyce, o inventor do microchip, Gordon Moore, autor da célebre “Lei de Moore”, e Andy Grove, engenheiro húngaro conhecido pelo seu rigor de gestão, a Intel foi responsável por impulsionar a revolução do computador pessoal — o PC, sigla pela qual ficou conhecido.
Ao longo de 1970 e 1980, os seus microprocessadores tornaram-se o coração dos primeiros PCs: a Intel fechou parceria estratégica com a IBM e mais tarde com a Microsoft, que fez nascer a chamada “era Wintel”.
O lema de Andy Grove — “só os paranóicos sobrevivem” — moldou uma cultura empresarial que fez da Intel líder absoluta no fabrico de chips. No final dos anos 90, a empresa era uma das mais valiosas do mundo.
Tudo começou a mudar depois da saída de Grove da liderança, em 2005, lembra este sábado o The New York Times. A Intel falhou oportunidades estratégicas cruciais, como a entrada no mercado dos smartphones e da inteligência artificial. Em 2005, o então presidente executivo Paul Otellini recusou fabricar chips para o primeiro iPhone, considerando insuficiente a proposta da Apple — um erro que o próprio admitiria ser precisamente isso, um erro, mais tarde.
Embora tenha mantido a posição dominante no mercado de servidores e centros de dados, a Intel sentiu na pele a competitividade tecnológica. Projetos promissores cancelados, incluindo o da criação de um chip gráfico que poderia ter aberto caminho ao domínio no campo da inteligência artificial, deixaram-na para trás da Nvidia, que conquistaria o seu espaço, que guarda até hoje.
E os líderes da empresa foram mudando. Brian Krzanich investiu milhares de milhões para tentar entrar no mercado móvel, sem sucesso. Atrasos crónicos na produção de novos processos de fabrico permitiram que rivais como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e a Samsung ultrapassassem a Intel, entre 2015 e 2019.
Pat Gelsinger regressou em 2021 para liderar a recuperação, com uma estratégia ambiciosa: lançar cinco novos processos de fabrico em quatro anos e investir mais de 100 mil milhões de dólares em fábricas nos Estados Unidos. Foi também um dos rostos do lobbying que levou à aprovação do CHIPS Act, programa de 50 mil milhões destinado a revitalizar a indústria norte-americana de semicondutores.
Mas enquanto a Intel se concentrava na produção, a procura global disparava por processadores gráficos (GPUs), fundamentais para treinar modelos de inteligência artificial como o ChatGPT. A Nvidia, especializada neste segmento, assumiu a liderança tecnológica e financeira, tornando-se em 2024 a empresa cotada mais valiosa do mundo.
A entrada do governo norte-americano
Com as receitas em queda e os custos em alta, a Intel tornou-se dependente do apoio estatal. Em novembro passado recebeu 7,86 mil milhões de dólares através do CHIPS Act. Poucos meses depois, Gelsinger foi afastado após um mandato considerado desastroso e substituído por Lip-Bu Tan, executivo veterano do setor, que delineou um plano de reestruturação com cortes de pessoal e uma nova estratégia para inteligência artificial. Agora, Trump exigiu a sua saída, referindo o seu passado de investimentos em empresas chinesas.
Trump propôs que a Intel cedesse 10% do capital ao governo em troca do financiamento já recebido. O acordo foi oficializado esta sexta-feira.