MP é vítima e não deve desculpas a (quase) ninguém. Lucília Gago contra-ataca

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José Sena Goulão / Luso

Lucília Gago, procuradora-geral da República

PGR assume responsabilidade pelo parágrafo que levou à demissão de Costa — e “desconforto” face às palavras de Marcelo. Perante uma “campanha orquestrada” contra o MP, garante que não se demite.

Entre várias e crescentes polémicas em torno da sua atuação, o silêncio foi presença assídua no mandato de quase seis anos de Lucília Gago.

A ausência de explicações foi “muitas vezes” entendida como arrogância, admitiu à RTP esta segunda-feira na sua primeira entrevista desde que assumiu a liderança do Ministério Público (MP). Após meses a ser alvo de críticas, a Procuradora-Geral da República passou finalmente ao ataque.

“Campanha orquestrada” contra o MP

A Procuradora-Geral da República garante nunca ter colocado a hipótese de se demitir após as críticas de que a própria e o MP de forma geral têm sido alvo.

“Não, nunca. Não coloquei nunca essa questão, porque encaro o meu mandato como sendo um mandato que leva um cunho de rigor, de objetividade, de isenção”, disse, antes de denunciar uma “campanha orquestrada” contra o MP.

“Estou perfeitamente consciente que há de facto uma campanha orquestrada por parte de pessoas que não deviam, uma campanha orquestrada na qual também se inscrevem um conjunto alargado pessoas que têm atualmente, ou tiveram no passado, responsabilidades de relevo na vida da nação. Melhor fora que não fizessem os ataques que têm sido desferidos”, chutou a PGR.

Nos últimos meses, várias figuras da política e sociedade civil uniram-se em torno de um manifesto que pede uma reforma da justiça e critica a atuação do MP, e onde se incluem antigos lideres partidários como Rui Rio, antigos presidentes da Assembleia da República como Ferro Rodrigues ou Augusto Santos Silva, ex-ministros, ex-deputados, entre outra personalidades, como Miguel Sousa Tavares.

“Acho que há muitas formas de se exercer essa pressão e que ela ocorre, efetivamente, como os factos recentes bem ilustram”, disse ainda Lucília Gago.

O parágrafo que afastou Costa (sem mão de Marcelo)

A PGR lembrou também que o inquérito no âmbito da Operação Influencer que visa o ex-primeiro-ministro António Costa “ainda decorre” e que se a investigação ainda não foi arquivada “é porque algo obstará”.

Costa não foi constituído arguido — “até ao momento”, fez questão de sublinhar, sem se comprometer com um arquivamento do inquérito que visa o ex-primeiro-ministro.

Assumindo “inteira responsabilidade” pela redação do ‘parágrafo assassino‘ que levou à demissão de Costa, Lucília Gago fez também questão de tirar quaisquer dúvidas: o Presidente da República não tirou ou acrescentou “nem uma vírgula” ao mesmo parágrafo — que não poderia estar ausente.

“Ninguém iria nunca perceber, ao contrário, dir-se-ia que teria havido uma tentativa de branquear, proteger. Não acho que, por questões de transparência, devesse ser omitida essa referencia”, disse Lucília Gago sobre o polémico parágrafo. E não compreendeu o “alarido” e as referências a um “golpe de estado” do MP.

Apesar de reconhecer que o parágrafo tinha o poder de desencadear uma “reação forte”, a PGR diz que deixou nas mãos de Costa a responsabilidade da demissão, sob a “avaliação pessoal e política”.

“É evidente que não me sinto responsável pela demissão do primeiro-ministro”, reforçou a PGR: “O MP com transparência fez o seu trabalho e não deve mais preocupar-se com as consequências que advêm ao próprio”.

Sobre as tão criticadas escutas prolongadas, que no caso do ex-ministro socialista João Galamba duraram quatro anos, admite: “não é desejável nem comum”, mas se aconteceu foi porque havia motivos para tal: “foram-se conhecendo elementos”, disse sobre o arguido na Operação Influencer.

“Não se pode ter dois pesos e duas medidas. Não se pode dizer que todos os cidadãos são iguais perante a lei e depois querer dispensar um tratamento diferenciado a um primeiro-ministro”, acrescentou, em comparação a exemplos europeus, como o do primeiro-ministro vizinho Pedro Sanchez, que por sua vez optou por não se demitir quando alvo de investigações, a par da sua mulher.

O caso das gémeas (com farpa a Marcelo)

Sobre as declarações polémicas do chefe de Estado num jantar informal com jornalistas estrangeiros em Portugal — no qual Marcelo terá considerado “maquiavélico” que o inquérito instaurado ao caso das gémeas e as buscas que tornaram pública a ‘Operação Infuencer’ tenham acontecido no mesmo dia, 7 de novembro — Lucília Gago também não teve papas na língua.

Rejeitando desde logo qualquer “maquiavelismo” ou datas combinadas, ficou “perplexa” e “desconfortável” com as declarações do chefe de Estado.

“Quero esclarecer sem margem para qualquer dúvida que não há critérios desse tipo no MP. Não recebi com agrado essas declarações que fazem criar na opinião pública um propósito de concertação de datas. Quero vincar que não existiu de todo. Muito menos da minha parte, como calcula, não sou eu que registo inquéritos”, vincou Lucília Gago.

A PGR lembra ainda que quando foi a Belém informar Marcelo sobre as diligências em curso na ‘Operação Influencer’, já com o comunicado feito — inclusive o parágrafo — não sabia ainda da instauração do inquérito ao caso das gémeas.

Políticos não são cidadãos especiais

“Não há ninguém acima da lei”, sublinhou também Lucília Gago: o MP “não deve qualquer pedido de desculpas a qualquer outro cidadão”, com uma exceção.

Lucília Gago pediu desculpa pela detenção de 22 dias dos três detidos na operação que fez cair o Governo Regional da Madeira, sem que fossem apresentadas medidas de coação.

No entanto, em relação a Costa, a PGR garantiu que foi tratado como qualquer outro face a uma suspeita ou denúncia de crime, que a verificarem-se poderiam incorrer na “prática de ilícitos”, justificando o inquérito.

“Da instauração do inquérito não decorre automaticamente existência de indícios, de indícios fortes ou de indícios que deem origem a uma acusação”, sublinhou Lucília Gago.

Resposta à ministra da Justiça

Em resposta à a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, que em entrevista recente ao Observador defendeu a necessidade de pôr “ordem na casa” no MP, Gago confessou: “ouvi essas declarações uma e outra vez, fiquei algo incrédula e perplexa”.

E ‘deu letra’ à ministra: não ouviu nada do “diagnóstico” que ouviu na entrevista a Júdice numa audiência de três horas, que “seria uma ocasião ótima para o fazer”.

“Não há hipérbole alguma aqui, é muito direto e incisivo, dizendo que nos últimos tempos houve perda de confiança imputável ao MP e à atual liderança que o PGR exerce”, disse Lucília Gago, em referência ao termo usado pela ex-PGR Cunha Rodrigues para classificar as declarações da ministra da Justiça.

É uma declaração extraordinária, que imputa ao MP a responsabilidade pelas coisas más que acontecem no território da justiça, coisa que rejeito em absoluto”, rematou a PGR.

Entretanto, a Ministra da Justiça já rejeitou responder às críticas da PGR.

Audição no Parlamento

“Tem sido muito repetido, enfatizado, que não vou de bom grado à Assembleia da República e que pedi o adiamento da audição. Não é verdade, é absolutamente falso”, garantiu ainda Lucília Gago, em resposta às críticas por ter pedido o adiamento da sua audição para quando o relatório de atividades do MP estivesse concluído.

Nisto, a PGR admite disponibilidade para “comparecer na data proposta” pelo parlamento.

Tomás Guimarães, ZAP //

12 Comments

  1. Concordo 100% com ela, precisamos de mais pessoas assim na Justiça. Se houvesse mais pessoas como ela e o Juiz Carlos alexandre , não haveria tanto corrupto

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  2. Quem vai para a politica julga-se acima da lei. por se tornam corruptos e não querem ser julgados. Por muito menos PM e ministros na Europa se demitiram , quanto mais por terem encontrado uma verba avultada em dinheiro no gabinete do principal assessor e grande amigo do PM. Esta campanha contra PGR e MP tem o cunho do PS em colaboração com a CS sua afeta.

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  3. Assume “inteira responsabilidade”. Ok. E o que lhe pode acontecer? Qual as consequências deste ato? Será que, ao causar danos no país, sim porque criou instabilidade, levou a eleições , … isto tem e teve custos, cero? Não dá para a pôr na rua, ou mesmo exigir indeminizações a favor do Estado? Falhou no exercício das suas funções, e recebeu o seu ordenado …

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  4. Os políticos andam muito nervosos ! Porque será?
    Sabendo que na administração e na política o ilícito é frequente (e não precisam de me contar, eu já comprovei), é compreensível que muitos se sintam desconfortáveis com a ação do MP.
    A campanha orquestrada para descredibilizar o MP é demasiadamente evidente Tão evidente que até choca. De repente, arrastados por esta campanha, até nos esquecemos dos imensos casos tornados públicos, até nos esquecemos que, de facto, foi encontrado dinheiro escondido no escritório do chefe de gabinete do António Costa, até nos esquecemos que o Costa foi escutado e dizer que a ex CEO da TAP tinha de ser demitida (comprovando-se que essa demissão não teve por base a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças.)
    Espero que o MP não só continue o seu trabalho como até o intensifique. E espero que faça isso sem se deixar afetar pelas imensas pressões que cada vez mais se fazem mais descaradamente. O país precisa.

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  5. Ninguém está acima da Lei.
    Salvo o Supremo que altera a constituição e a magistratura em geral que faz o que bem entender com os cidadãos.
    22 dias de encarceramento não é investigação mas punição!
    Enviar alguém para a prisão por confiar na palavra de um delinquente juvenil não é fazer justiça.
    É perigoso viver em Portugal.
    Esta ‘justiça’ que temos continua prejudicar a economia. Ninguém vai investir num país maluco

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  6. A PGR nunca fala do crime que é repetidamente perpretado dentro da instituição que dirige: trata-se da violação do segredo de justiça, com a passagem de informações selecionadas (escolhe-se apenas o que “dá jeito” no momento à acusação) para a comunicação social e as redes sociais. Este É UM CRIME PÚBLICO grave, previsto na lei. Qualquer cidadão que cometa esse crime é levado a tribunal e pode incorrer em vários anos de prisão. Por que motivo a máquina do Ministério Público não “consegue” investigar esse crime dentro de si própria ? A resposta é fácil e muito triste para Portugal. Não é falta de competência ou de meios.

  7. Azar do caraças – Socrates foi investigado pelos motivos que todos sabemos, o PS tratou de tentar descredibilizar o MP, Ferro Rodrigues e Pedroso foram investigados e foi o que se viu com o PS, agora Costa é investigado ( encontrados milhares de euros na sua residência oficial) – então é criada uma campanha para atacar o MP. Enquanto o Zé Povinho é investigado não se passa nada, quando se metem com o PS levam, já la dizia ao Jorge Coelho, pelos vistos permanece bem actual . O MP investiga quem tem de investigar , não há pessoas acima da Lei, sejam o PM, o PR ou o Presidente do Governo autonomo da Madeira. Existe uma vergonhosa campanha em todos os meios de comunicação social a atacar o MP e a Procuradora. São os politicos, são os comentadores afectos aos partidos e até os jornalistas que deveriam ser isentos se envolveram neste ataque e apenas dão voz a um dos lados ( o dos politicos ) . É uma vergonha o que se tem passado com esta investigação, tudo têm feito para afastar a procuradora e tentar encerrar este processo, com Socrates quase conseguiram com o Caso Casa Pia conseguiram e com este estão quase a conseguir.

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  8. Após provocar uma crise política em conjunto com o Sr.º Presidente da República, Marcelo Sousa, que está a trazer graves consequências para Portugal e os Portugueses, a Sr.ª Procuradora-Geral, Lucília Gago, nada disse na entrevista nem foi capaz de se justificar.
    Isto é mais uma prova que tanto a Sr.ª Procuradora-Geral, Lucília Gago, e o Sr.º Presidente da República, Marcelo Sousa, não têm condições para continuar a exercer os respectivos cargos devendo ambos demitirem-se ou ser demitidos.
    O Presidente Rui Rio tem toda a razão.

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  9. Da justiça o que é da justiça! Costa demitiu-se para ir para a Europa! Há dúvidas! Como o amigo dele (Ferro Rodrigues) dizia… Está cagando para o Zé Povinho… Deixou um país mais pobre por ter tirado a todos…

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  10. Estou de acordo com alguns comentários, uns deles até bem teorizados e prometo-vos que sou anti partidário, daí também quere recordar-vos, tendo em conta a honestidade, a factualidade e os processos existentes aquilo que aconteceu a muitos concidadãos do António Cavaco Silva, que incentivou alguns milhares a investir no BES, mas ele é que se safou sem prejuízo algum no papel comercial que tinha investido. Porque será que pouco se insiste nisto!?

  11. Entre o Dever de Reserva e o Culto da Personalidade , neste caso , o limite é ténue ! . Certo é que a Ineficácia do Sistema Judicial e os flagrantes atrasos nos Julgamentos , não podem ter só como alibis , falhas estruturais . Por este andar , se faltar un rolo de papel higiénico nas casas de banho das Administrações de Justiça , é motivo para tudo parar ? ………. Se Sim , en beneficio de quem ?

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