Um novo estudo encontrou evidência genética direta que aponta para a causa da devastadora “Praga de Justiniano”, descrita pela primeira vez há quase 1.500 anos.
Uma equipa de investigadores descobriu as primeiras provas genómicas diretas da bactéria responsável pela Praga de Justiniano — a primeira pandemia registada no mundo — no Mediterrâneo Oriental, onde o surto foi descrito há quase 1.500 anos.
A descoberta, liderada por uma equipa interdisciplinar da University of South Florida e da Florida Atlantic University, em colaboração com cientistas da Índia e da Austrália, identificou a Yersinia pestis, o microrganismo que causa a peste, numa vala comum da antiga cidade de Jerash, na Jordânia, perto do epicentro da pandemia.
A identificação estabelece de forma definitiva a ligação entre o agente patogénico e a Praga de Justiniano, que marcou a primeira pandemia conhecida (541–750 d.C.), resolvendo um dos grandes mistérios da história.
Durante séculos, os historiadores debateram a causa do surto devastador que matou dezenas de milhões de pessoas, remodelou o Império Bizantino e alterou o curso da civilização ocidental, recorda o Phys.
Apesar de existirem indícios circunstanciais, faltava a prova direta do microrganismo responsável — a peça que completava o enigma da história das pandemias.
Os primeiros relatos da doença surgiram por volta de 541 d.C. no porto de Pelúsio no Baixo Egito, antes de se espalhar através das rotas comerciais pelo Império Bizantino.
Durante um surto particularmente intenso em Constantinopla, atual Istambul, o Imperador Justiniano I, que deu nome à praga, adoeceu, mas viria posteriormente a recuperar.
Os habitantes da cidade não tiveram tanta sorte, e dezenas de milhares morreram ao longo de quatro meses.
Para dar resposta ao enorme número de cadáveres, Justiniano ordenou que fossem cavadas fossas para os sepultar. Quando estas encheram, alguns dos corpos foram colocados dentro das torres das muralhas da cidade e cobertos com cal viva para acelerar a decomposição.
A doença espalhou-se para oeste por toda a Europa, com surtos a ocorrer durante os séculos seguintes antes de finalmente desaparecer por volta de 750 d.C.
No total, as estimativas sugerem que matou entre 30 e 50 milhões de pessoas; alguns historiadores sugerem que contribuiu para a queda do Império Bizantino, embora outros argumentem que não foi assim tão catastrófica para o império.
Embora vestígios da bactéria tivessem sido encontrados a milhares de quilómetros de distância, nas aldeias da Europa Ocidental, nenhum tinha sido anteriormente encontrado dentro do Império Bizantino, nem no centro do surto — até agora.
Na nova pesquisa, cujos resultados foram apresentados num primeiro artigo, publicado em julho na revista Genes, e num segundo artigo, publicado no início de agosto na Pathogens, os investigadores analisaram uma arena usada como vala comum de meados do século VI ao início do século VII d.C.
“O sítio arqueológico de Jerash oferece um vislumbre raro de como as sociedades antigas responderam ao desastre de saúde pública”, explica Rays H. Y. Jiang, investigadora da University of South Florida e líder da equipa de investigadores, em comunicado da universidade.
“Jerash era uma das cidades-chave do Império Romano Oriental, um centro comercial documentado com estruturas magníficas. Que um local outrora construído para entretenimento e orgulho cívico se tenha tornado um cemitério em massa numa altura de emergência mostra como os centros urbanos foram muito provavelmente sobrecarregados”, realça a investigadora.
University of South Florida

Rays H. Y. Jiang, investigadora da University of South Florida e líder da equipa de investigadores
O local forneceu a evidência chave necessária para ligar a Praga de Justiniano à sua origem.
“Usando técnicas de ADN antigo direcionadas, recuperámos e sequenciámos com sucesso material genético de oito dentes humanos escavados de câmaras funerárias debaixo do antigo hipódromo romano em Jerash, uma cidade a apenas 322 km da antiga Pelúsio”, explica Greg O’Corry-Crowe, investigador da Florida Atlantic University e co-autor do estudo.
A equipa descobriu que as vítimas tinham todas estirpes quase idênticas de Y.pestis, o que confirma que estava presente nas fases iniciais da pandemia, e sugere que foi um surto rápido e devastador que se moveu rapidamente através da população, com altas taxas de mortalidade, explica o IFLS.
“Esta descoberta fornece a prova definitiva há muito procurada da presença de Y.pestis no epicentro da Praga de Justiniano”, acrescenta Jiang.
“Durante séculos, baseámo-nos em relatos escritos que descreviam uma doença devastadora, mas faltava-nos qualquer evidência biológica sólida da presença da peste. Os nossos achados fornecem a peça em falta desse puzzle, oferecendo a primeira janela genética direta sobre como esta pandemia se desenrolou no coração do império”, nota a investigadora.
A equipa de Jiang vai agora voltar a sua atenção para Lazzaretto Vecchio, a infame “ilha da peste” de Veneza, onde indivíduos doentes eram isolados durante os surtos, para estudar uma doença que pode permanecer latente — mas nunca desaparece inteiramente.
“Há alguns milhares de anos que lutamos contra a peste, e as pessoas ainda morrem dela hoje“. Tal como a COVID, continua a evoluir, e as medidas de contenção claramente não a conseguem eliminar. Temos de ter cuidado, mas a ameaça nunca desaparecerá“, conclui Jiang.