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Marcelo contraria Governo, mas (para já) Costa adia decisão sobre recurso ao TC

Mário Cruz / Lusa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (D), acompanhado pelo primeiro-ministro, António Costa (E)

O primeiro-ministro não escondeu o incómodo com que recebeu a explicação do Presidente da República para promulgar três leis de alargamento de apoios sociais extraordinários. Costa diz que o Governo está a “ler com a devida atenção” a nota “muito rica, complexa e inovadora”, “criativa” até, com que Marcelo justificou a promulgação.

Apesar da decisão do Chefe de Estado não ir de encontro às convicções do Governo, António Costa clarifica que recorrer ao Tribunal Constitucional (TC) não é para já uma hipótese em cima da mesa, pois afirma que ainda está a “meditar” sobre o assunto

O primeiro sinal de incómodo dado pelo primeiro-ministro foi notório no dia de ontem, quando Costa classificou a nota publicado por Marcelo Rebelo de Sousa como “muito rica, complexa e inovadora”, até mesmo “muito criativa”. “Vamos lê-la com a devida atenção e meditação porque é muito rica”, “da primeira à última linha”, e “tem um conjunto de conclusões” inovadoras que obriga a “uma reflexão”, afirmou Costa.

Em causa estão três diplomas que aumentam a despesa pública: um alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual; outro aumenta os apoios para os pais em teletrabalho; e um terceiro que estende o âmbito das medidas excecionais para os profissionais de saúde no âmbito da pandemia.

Esta é uma decisão que não vai ao encontro do que foi traçado pelo Governo, pois este não queria que estas leis fossem promulgadas por considerar que violam a norma-travão da Constituição que impede que o Parlamento aumente a despesa pública.

Embora a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa não se cruze com a conduta delineada pelo Executivo, António Costa garante que não será por causa disto que haverá uma crise política.

“Não temos tempo nenhum a perder com crises políticas”, afirmou na segunda-feira. “As condições de governabilidade só estão em causa quando houver uma moção de censura no Parlamento. Eu tenho pouca disponibilidade para a ficção, estou concentrado em coisas concretas”.

E mesmo que também se afirme empenhado em “assegurar o cumprimento da Constituição”, adia a decisão de recorrer ao TC.

Na nota em que anunciou a promulgação dos três diplomas, o Presidente da República refere que estes “podem ser aplicados, na medida em que respeitem os limites resultantes do Orçamento do Estado vigente”, assinalando que esta é a interpretação que justifica a promulgação.

Marcelo afirmou ainda que o Governo pode suscitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização dos diplomas que reforçam apoios sociais promulgados, mas frisou que o executivo não tem maioria absoluta e o cumprimento da legislatura “é essencial”.

De facto, a lei de enquadramento orçamental dá ao Governo a flexibilidade para fazer face a determinados aumentos de despesa, desde que o valor global da despesa que foi autorizado pela Assembleia da República para o total da Administração Pública e para cada ministério não seja ultrapassado.

Para António Costa, a explicação do Presidente é “bastante inovador[a] do ponto de vista da ciência jurídica”. De qualquer forma, frisou que “o Governo tem o dever de meditar nesta mensagem antes de decidir o que fazer” – para não arriscar uma derrota no TC, como aconteceu em 2018 a propósito da abertura dum concurso de professores.

O parecer pedido pelo Governo ao Centro de Competências Jurídicas contém impactos estimados às medidas aprovadas.

Segundo o Observador, o Governo estimava em 40,4 milhões de euros o impacto mensal provocado pelas alterações, e em 250 milhões euros o impacto anual.

Pressão dos partidos

Ao contrário do Executivo, os partidos congratularam-se com a promulgação das leis e pedem a sua rápida execução.

No entanto, sublinharam também a sua perplexidade por ver o PS a “tentar cortar apoios sociais”, como disse o BE, sobretudo quando dá “borlas fiscais” a empresas como a TAP e a EDP, como notou o PAN, ou se prepara para uma nova injeção financeira no Novo Banco, como sublinhou o PCP.

Já o PSD coloca o Executivo entre a espada e a parede. “O Governo vai ter de tomar uma decisão: se quer estar ao das pessoas ou se não quer estar ao lado das pessoas”, resumiu a deputada dos sociais democratas Clara Marques Mendes.

Por sua vez, João Almeida (CDS) e Inês Sousa Real (PAN) sublinharam também a necessidade de o executivo de minoria de “construir pontes de diálogo”, como aliás Marcelo refere na nota de promulgação dos apoios sociais.

Apoio só abrange quem está obrigado a fechar

As alterações às regras do apoio extraordinário deverão ter um efeito limitado nesta fase de desconfinamento, porque, com o fim gradual da suspensão das atividades e do encerramento de estabelecimentos, esta prestação social deixará de existir para muitos dos profissionais que até agora puderam contar com este apoio da Segurança Social.

A nova versão da lei, que os partidos da oposição aprovaram no Parlamento, continua a prever, tal como na versão redigida pelo Governo, que o apoio se dirige apenas aos profissionais “cujas atividades tenham sido suspensas ou encerradas”.

Embora a alteração potencie um aumento do valor do apoio, a extensão da medida deverá ser limitada, porque, com o desconfinamento, há uma série de atividades que deixaram ou deixarão nas próximas semanas de estar sujeitas a esta obrigação.

E, mesmo que os trabalhadores independentes que estão a reabrir as suas atividades enfrentem uma quebra na faturação, ficarão de fora, porque não reúnem a primeira condição de acesso, avança o Público.

Contudo, poderão requerer o Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (AERT), mas relativamente a esta prestação social não há qualquer mudança nas regras e, para a receber, é preciso cumprir critérios mais apertados.

Ana Isabel Moura, ZAP //

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