ZAP // Rodrigo Antunes / Lusa; Charlie Hebdo

A revista satírica francesa Charlie Hebdo usa na capa da sua edição mais recente o trágico acidente do Elevador da Glória como metáfora para retratar a grave crise política que França atravessa. Não é a primeira vez que a publicação sai às bancas com uma capa que oscila entre o mau gosto e o indigno.
A capa desta edição desta semana da revista satírica francesa Charlie Hebdo mostra uma imagem do Elevador da Glória a descarrilar, levando no seu interior as principais figuras da política francesa.
O cartoon aproveita-se do trágico descarrilamento para retratar a grave crise política que França atravessa.
A ilustração coloca como passageiros o presidente Emmanuel Macron, o ex-primeiro-ministro François Bayrou, a líder da extrema-direita Marine Le Pen, o presidente do Senado Gérard Larcher, o ministro do Interior Bruno Retailleau e o fundador do partido de esquerda radical França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon.
O elevador, com a icónica cor amarela do funicular lisboeta, aparece em queda livre, com cabos soltos e parafusos a saltar em várias direções.
O slogan “Vamos desbloquear tudo!” acompanha a imagem, numa alusão ao movimento de protesto “Vamos bloquear tudo” que nos últimos dias mobilizou milhares de manifestantes franceses em protestos nas ruas, na sequência da queda do governo francês na passada segunda-feira, após o chumbo da moção de confiança no parlamento.
Não é a primeira vez que o Charlie Hebdo sai às bancas com capas controversas e provocatórias, que oscilam entre o mero mau gosto e o simplesmente indigno — ainda que num contexto satírico que faz parte do ADN da publicação francesa.
Em 2023, a revista fez capa com o rei Carlos III de Inglaterra, coroado com um crânio de cabeleira loira, com uma legenda na qual os filhos William e Harry dizem que “Até a mãe (Diana) veio!”. Em 2021, retratou Isabel II a sufocar Meghan Markle.
Ao longo dos anos, a revista gerou controvérsia por diversas vezes em França, com destaque para a capa com caricaturas de 13 soldados mortos no Mali; na Turquia e na Roménia por racismo; em Itália, com um cartoon sobre o sismo que matou 300 pessoas em agosto de 2016; na Rússia após a queda de um avião no Sinai, que matou 224 pessoas.
Em janeiro de 2016, a revista fez capa com com Aylan Kurdi, o menino sírio que morreu afogado em 2015 numa praia turca, com um cartoon que afirma que se não tivesse morrido se teria tornado apalpador de rabos na Alemanha. Não foi a primeira vez que o Charlie satirizou Aylan.
Em março de 2016, a revista satírica francesa indignou a Bélgica com uma capa com os atentados de Bruxelas, que provocaram a morte de 35 pessoas, que apresenta uma caricatura com partes de um corpo humano a voar pelo ar.
A caricatura do atentado de Bruxelas saiu às bancas pouco mais de um ano após o atentado à redação do Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, executado por terroristas islâmicos fortemente armados, que não respeitaram a liberdade criativa dos cartoonistas que frequentemente satirizam Maomé, e acharam que a imagem do profeta tem mais valor do que a vida humana.
No atentado à revista francesa perderam a vida 12 pessoas, quase tantas como as 16 vítimas mortais do acidente do Elevador da Glória, muito menos que as que pereceram no terramoto de Itália ou no atentado de Bruxelas.
Para os caricaturistas do Charlie Hebdo, uma imagem de capa tem mais valor do que a dignidade de pessoas que perderam a vida. Para quem entende que a liberdade de expressão tem limites, é intolerável. E mesmo quem acha que o humor não tem linhas vermelhas, é no mínimo extremamente desagradável.
Acidente do Elevador da Glória
-
10 Setembro, 2025 Charlie Hebdo faz capa com Elevador a descarrilar. A longa história das suas capas indignas
-
9 Setembro, 2025 Elevador da Glória: apoios aprovados, incidente de 2018 registado
-
8 Setembro, 2025 Moedas foi (no mínimo) enganador ao falar sobre Jorge Coelho
É uma coisa repugnante, que nem sequer consegue ter piada. Je ne suis pas Charlie.