Moedas foi (no mínimo) enganador ao falar sobre Jorge Coelho

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Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas

Uma demissão por responsabilidade política é um acto de coragem ou de covardia? Depende do contexto.

Carlos Moedas falou pela primeira vez, em entrevista, depois do acidente trágico em Lisboa na semana passada, no Elevador da Glória.

O assunto central na SIC foi, sem surpresas, tentar perceber o que falhou naquele descarrilamento, ao mesmo tempo que se falou sobre responsabilidades políticas e eventual demissão do presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

Moedas assegurou: “Não há nenhum erro que possa ser imputado a uma decisão do presidente da Câmara”. Mas garantiu também: “Se alguém provar que alguma acção que eu tenha tido, algo que eu tenha feito como presidente da Câmara em relação à Carris não gastasse o suficiente em manutenção, que esta empresa não fizesse aquilo que tinha que fazer, eu demito-me no dia”.

Pedro Bogas já tentou demitir-se. O presidente da Carris colocou o seu lugar à disposição mas Carlos Moedas rejeitou a sua saída. Nesta entrevista, justifica: “Daqui ninguém sai. Não há possibilidade. Ninguém se pode demitir disto. É uma cobardia alguém se demitir. Não vou deixar”.

Ou seja, para Carlos Moedas, assumir responsabilidades e retirar daí conclusões “é fugir”, começa por analisar Filipe Santos Costa, comentador na CNN.

O comentador acredita que o presidente da Carris está a funcionar como “escudo humano” para Moedas. “Se Pedro Bogas sair de cena, Moedas, o responsável político, fica exposto e não tem como se esconder”.

Mas Carlos Moedas já teve – e tem – outras ideias sobre demissões de políticos. O caso foi recuperado pela jornalista Clara de Sousa, na mesma entrevista.

Em 2021, alguém na Câmara Municipal de Lisboa enviou à embaixada da Rússia nomes, moradas e contactos de três activistas russos que organizaram um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny.

Nessa altura, o presidente era Fernando Medina. Carlos Moedas exigiu a sua demissão imediata: “Nós na política temos, de uma vez por todas, de ter uma atitude diferente. (…) Isto é um erro técnico, mas com consequências políticas. No passado, muitos políticos, incluindo do PS, quando houve erros técnicos, erros graves, demitiram-se. É bom que Fernando Medina se lembre desses políticos que se demitiram e tomaram as suas responsabilidades políticas” – uma referência a Jorge Coelho, que era ministro do Equipamento Social quando caiu a ponte em Entre-os-Rios; demitiu-se horas depois.

“Hoje em dia isso já não se vê na política, e é grave. Quando digo que é preciso fazer política de uma maneira diferente, estou a falar deste tipo de casos”, continuou na altura.

O que sabia Jorge Coelho

Quatro anos depois, Carlos Moedas voltou a falar sobre o ex-ministro: “Jorge Coelho tinha recebido informações sobre problemas de manutenção naquela ponte. Havia uma informação que chegou ao gabinete daquele ministro. E ele, com toda a coragem, e exactamente por ter essa informação, demitiu-se”.

“Responsabilidade política é quando o político sabe e não actua”, não tinha qualquer informação no seu gabinete sobre o elevador

Mas não foi bem assim.

Luís Rosa, que acompanhou de perto o caso da Ponte Hintze Ribeiro, explicou que Jorge Coelho recebeu um relatório sobre problemas no tabuleiro da ponte – e não sobre os pilares ou sobre a extracção de areias. Foi um pilar que caiu; e a extracção de areias (e a erosão) foram as causas da queda da ponte.

Moedas deu a entender que Jorge Coelho sabia as causas concretas da queda da ponte. “Não mentiu de forma clara mas foi, no mínimo, enganador”, avisa Luís Rosa, na rádio Observador.

Além disso, Jorge Coelho morreu em 2021. “Não está cá para se defender”, continua o comentador.

José Luís Carneiro não gostou desta menção ao antigo socialista: “Utilizou expressões absolutamente inaceitáveis e até ousar ofender a memória de Jorge Coelho, o que nenhuma circunstância política pode justificar”, afirmou o líder do PS, na agência Lusa.

Voltando a Filipe Santos Costa: “Afinal, Jorge Coelho já não é um exemplo a seguir, quando se demitiu na tragédia de Entre os Rios. Afinal, Jorge Coelho foi um cobarde“.

E ainda há outro ponto. Carlos Moedas disse: “A política não me interessa muito, as eleições não me interessam muito neste momento. Foram dias em que a vida de tanta gente mudou, em que a vida de Lisboa mudou. Não estou a pensar nas eleições“.

Mas dedicou boa parte da entrevista a tricas políticas, a atacar PS e a vitimizar-se, analisa Luís Rosa.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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