Proposta de Aguiar-Branco agrada à esquerda e deixa AD em silêncio

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Filipe Amorim / Lusa

O novo presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco

José Pedro Aguiar-Branco deixou a AD em silêncio – quem sabe, surpreendida – depois de ter defendido, enquanto presidente do Parlamento, que a Procuradora-Geral da República deve ser ouvida pelos deputados sobre os processos que provocaram crises políticas nos últimos tempos.

As declarações de Aguiar-Branco foram feitas à Rádio Antena 1 depois de ter sido aplaudido por todas as bancadas no fim do discurso na sessão solene das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

Depois da unanimidade, o presidente da Assembleia da República (PAR) enfrenta, agora, a divisão no seio das bancadas parlamentares.

Em causa estão dois processos judiciais que levaram à convocação de eleições antecipadas – a Operação Influencer que levou à queda do Governo do PS e à subida ao poder da AD, coligação pela qual Aguiar-Branco foi eleito, e o caso da Madeira que provocou a demissão do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque do PSD.

Quando os processos judiciais criam factos políticos, a senhora Procuradora-Geral da República [PGR] deve vir ao Parlamento prestar esclarecimentos”, defendeu Aguiar-Branco em declarações à Rádio Antena 1.

Estas palavras deixaram a AD em silêncio – pelo menos, para já. O líder do PSD, Luís Montenegro, e o líder parlamentar Hugo Soares têm recusado falar do assunto.

O PS também ainda não se pronunciou sobre a proposta de Aguiar-Branco, mas há cerca de uma semana, o líder do partido, Pedro Nuno Santos, tinha notado, a propósito da Operação Influencer, que é “matéria de gravidade suficiente para que sejam dadas explicações“.

Ninguém está acima do escrutínio, ninguém está acima da crítica e ninguém está isento de ter de dar explicações em matérias com a importância que esta tem para a vida democrática do nosso país”, sublinhava Pedro Nuno Santos.

Esquerda quer que Lucília Gago perceba “os sinais”

Os outros partidos de esquerda com assento parlamentar também consideram que a PGR deve explicações.

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), Fabian Figueiredo, elogiou as palavras de Aguiar-Branco por “se ter juntado ao apelo para que a PGR seja clara, transparente e se disponibilize para dar explicações satisfatórias, sobretudo sobre a Operação Influencer“.

Mas o BE não vai, para já, avançar com um requerimento para ouvir a PGR no Parlamento, esperando que seja a própria Lucília Gago a manifestar-se disposta a isso, nota ainda Figueiredo. “Queremos acreditar que a Procuradora-Geral percebe os sinais” e que “leve a sério o apelo”, destaca.

Mas se Lucília Gago “continuar fechada sob as suas masmorras, continuar a ser evasiva, o BE procurará num campo mais alargado para garantir que a Procuradora venha à AR“, garante ainda Figueiredo.

Do lado do PCP, o deputado António Filipe alinha pelo mesmo tom, defendendo que a PGR deve mostrar disponibilidade para prestar esclarecimentos na AR. Mas avisa que Lucília Gago “não responde politicamente perante a AR” e que “não pode, nem deve, prestar esclarecimentos sobre processos em concreto”.

“A autonomia do Ministério Público é um princípio basilar do Estado de direito democrático” que “deve ser respeitado”, sublinha António Filipe.

No Livre, o deputado Jorge Pinto entende que as “explicações são necessárias não apenas aos deputados, mas sobretudo aos portugueses”. Por isso, o partido vai propor a discussão do assunto na Conferência de Líderes, onde poderá ser tomada uma decisão conjunta, entre todos os partidos, sobre a matéria.

No PAN, Inês Sousa Real considera que uma eventual audição da PGR “não belisca a separação de poderes”, até porque entende que as explicações são devidas.

Ventura critica “caminho perigosíssimo”

Outro entendimento tem o Chega, onde André Ventura critica a proposta de Aguiar-Branco, considerando que é “um caminho perigosíssimo” e uma “clara violação da separação de poderes“.

Ventura assegura também que vai pedir explicações a Aguiar-Branco, nomeadamente sobre “o que quis dizer com factos políticos” e com “chamar ao Parlamento” a PGR para prestar “esclarecimentos”, “e qual é a abrangência desses esclarecimentos”.

Contudo, “se alguém quiser fazer um esclarecimento ao país estamos 100% de acordo“, aponta ainda Ventura, manifestando que o Chega concorda com uma audição, caso esta seja da vontade da PGR.

PGR pode ser chamada a dar explicações na AR?

“Um procurador pode ser convidado a esclarecer, mas não é obrigado a esclarecer“, explica ao Observador o antigo Procurador-Geral da República Souto Moura.

Se for inquirido sobre processos em curso, pode sempre alegar que “não pode responder, invocando o segredo de justiça“, acrescenta Souto Moura que chegou a ser chamado ao Parlamento, entre 2000 e 2006, enquanto esteve no cargo de PGR, para dar esclarecimentos sobre processos à Comissão de Direitos Liberdades e Garantias.

O ex-deputado social-democrata Duarte Pacheco também refere na mesma publicação que nada impede que a PGR seja chamada à Comissão, mas nota que pode “recusar-se a responder” por não estar numa Comissão de Inquérito, onde seria obrigada a isso.

No entendimento do ex-deputado do PSD, Lucília Gago não pode recusar-se a ir ao Parlamento caso haja “uma votação maioritária” nesse sentido. Mas pode “pedir que a reunião decorra à porta fechada” e, portanto, sem jornalistas e sem gravações, conclui.

Susana Valente, ZAP //

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