Os agentes da polícia que não utilizem câmaras corporais (bodycams) nas situações tipificadas na lei incorrem numa infração disciplinar e responsabilidade criminal, revelou, esta quarta-feira, o secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna.
Antero Luís apresentou na Assembleia da República a proposta do Governo sobre a utilização de sistemas de videovigilância pelas forças e serviços de segurança, que vai permitir aos polícias usarem câmaras nos uniformes, as chamadas bodycams.
“O Governo, por entender que é uma necessidade urgente para a ação das forças de segurança na manutenção de um ambiente de segurança, entende por bem propor a utilização e a consagração das câmaras portáteis de uso individual bodycams”, precisou o secretário de Estado.
O governante explicou que o Executivo tipifica na lei a utilização destas câmaras ao avançar em que situações podem ser usadas e “simultaneamente dizer que só podem ser utilizada nesta situação”.
“Aqui e nestas situações, o agente só pode e deve utilizar. A portaria que vier a regulamentar esta matéria dirá expressamente que se o não fizer haverá inclusive uma infração disciplinar, além da eventual responsabilidade criminal que venha a acontecer”, avançou.
As bodycams, pequenas câmaras de vídeo incorporadas nos uniformes dos agentes da PSP, têm sido um dos instrumentos reivindicados pela polícia e alvo de debate, nomeadamente na sequência de alguns casos mediáticos em que imagens de operações policiais são divulgadas através de telemóveis.
Por isso, esta proposta que contempla a possibilidade de os elementos da PSP e da GNR utilizarem câmaras de videovigilância portáteis em intervenções policiais tem sido bem acolhida pelos polícias.
Segundo o documento do Governo, a utilização das bodycams “para efeitos de registo de intervenção individual de agente das forças de segurança em ação policial, depende de autorização do respetivo dirigente máximo, sendo informado o membro do Governo que tutela a força de segurança”.
A proposta indica que as bodycams “devem ser colocadas de forma visível no uniforme ou equipamento, sendo dotadas de sinalética que indique o seu fim”, e a captação e gravação de imagens e som podem apenas “ocorrer em caso de intervenção de elemento das forças de segurança, nomeadamente quando esteja em causa a ocorrência de ilícito criminal, situação de perigo, emergência ou alteração de ordem pública, devendo o início da gravação ser precedido de aviso claramente percetível, sempre que a natureza do serviço e as circunstâncias o permitam”.
As características e normas de utilização das bodycams, bem como a forma de transmissão, armazenamento e acesso aos dados recolhidos, vão ser ainda objeto de portaria a aprovar pelo ministro da Administração Interna.
Destacando a necessidade de alterar a lei da videovigilância passados 16 anos, o governante afirmou que a nova legislação vai “agilizar procedimentos, densificar a proteção dos direitos, liberdades e garantias e adaptar a lei às novas tecnologias e às novas soluções técnicas”.
Antero Luís ressalvou que as alterações têm “em conta o equilíbrio entre a segurança e os direitos fundamentais que este mecanismo de videoproteção põe eventualmente em risco”.
O secretário sublinhou que, no âmbito da nova lei, o Governo pretende “alargar os fins da videovigilância” ao serem introduzidos “novos domínios de utilização das câmaras pelas forças de segurança nas operações de segurança de grande complexidade, nos incidentes de segurança em curso, no controlo de tráfego de navegação marítima e fluvial, bem como na proteção do meio marinho e na respetiva investigação e prevenção de infrações, nas ações de busca e salvamento e no controlo de fronteiras”.
O secretário de Estado disse ainda que se pretende clarificar a utilização das câmaras portáteis instaladas em navios e nos drones.
O Governo refere ainda que não foi pedido parecer à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), devendo esta entidade ser ouvida pela Assembleia da República em sede do processo legislativo.
Oposição lamenta falta de parecer da CNPD
Partidos da oposição lamentaram que o Governo não tenha pedido um parecer à CNPD e colocaram ainda reservas quanto ao uso de dados biométricos pelas polícias. Exceção foram o CDS-PP e o Chega, que também apresentaram projetos de recomendação para a utilização de câmaras pelos polícias e nas instalações policiais.
“O CDS há muito tempo que defende parcialmente aquilo que o Governo agora aqui traz”, disse o deputado Telmo Correia, admitindo que há algumas dúvidas sobre esta matéria, nomeadamente sobre a utilização de dados biométricos, mas que pode ser discutida na especialidade.
Também o deputado do Chega, Diogo Pacheco Amorim, considerou que “finalmente é acolhida esta questão fundamental que se prende com a segurança dos agentes”, frisando que “é a única hipótese” que existe para “elucidar se houve por parte dos agentes de segurança abusos ou não”.
Já o deputado Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, lamentou que o Parlamento esteja a discutir uma questão sem ter sido pedido o parecer à CNPD, colocando dúvidas quanto aos dados biométricos.
“Estamos aqui à pressa a discutir um diploma que pode ter enormes implicações na invasão de privacidade e nas liberdades individuais de cada um a troco de uma noção de segurança que eu discuto que seja tão imediata quanto isso”, precisou.
Para Nelson Silva, do PAN, a proposta do Governo é uma “verdadeira colisão de direitos” e “uma oposição aos direitos individuais face aos direitos coletivos”. Nelson Silva questionou o Executivo se quer “uma sociedade mais segura em troca de um menor direito à privacidade”.
Por sua vez, o deputado do PSD, Duarte Marques, considerou que se trata de “uma matéria demasiado importante para não ser tratada com a devida preparação, dignidade e informação” e lamentou também que o Governo não tenha pedido o parecer à CNPD, frisando que “não é possível ter uma discussão profunda” sem esta informação.
“A videovigilância pode ser o melhor amigo do Estado de Direito, desde que os dados sejam confiáveis e seguros”, disse o social-democrata, destacando as vantagens da utilização das câmaras corporais pelos polícias, que “podem ser um instrumento de verdade, transparência, garantia do Estado de Direito, respeito pelos direitos humanos e garantir que o uso da força só é utilizado quando justificado e necessário”.
O deputado do PCP, António Filipe, considerou a proposta de lei “excessiva” e questionou o Governo “porque não pediu parecer à CNPD quando estava a preparar” o documento.
“Esta proposta é conhecida na opinião pública pelas bodycams, mas esta proposta é muito mais do que isso, porque o que estamos aqui a discutir é uma generalização da utilização da videovigilância para um conjunto imenso de finalidades”, disse.
Manifestando-se contra esta nova lei, o deputado do BE, José Manuel Pureza, afirmou que as bodycams do agente policial não mostram a realidade, mas apenas o que foi filmada de uma forma “tão limitada e tão descontextualizada”.
Tal como o deputado do PSD, também José Manuel Pureza chamou a atenção para a resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, na terça-feira, que alerta para os riscos da utilização dos dados biométricos para identificação remota de pessoas.
Do lado oposto, a deputada do PS, Isabel Oneto, considerou que esta lei “é necessária” e surge “em boa altura” e sublinhou que os privados, como centros comerciais, farmácias e discotecas, “filmam e gravam e pelos vistos ninguém se incomoda”.
Em resposta, o secretário de Estado afirmou que não pediu “deliberadamente o parecer à CNPD” porque sabia que o Parlamento ia fazê-lo.
Antero Luís recordou que, em 16 anos de videovigilância, existem 17 sistemas instalados em sete concelhos. “Não estamos a falar do big brother nacional, não há aqui uma massificação”, disse.
ZAP // Lusa