Uma controvérsia científica com décadas e um pequeno aparelho de bancada na Universidade da Colúmbia Britânica (UBC) podem ser a chave para reatores de fusão mais eficientes, aumentando as hipóteses de uma reação nuclear.
Em março de 1989, dois os eletroquímicos surpreenderam o mundo com o anúncio de que tinham essencialmente conseguido realizar fusão nuclear num frasco de vidro.
Martin Fleischmann e Stanley Pons alegaram que, através de um simples recipiente de vidro cheio de água pesada, no qual estavam inseridos um cátodo de paládio e um ânodo de platina, conseguiram, por meio de eletrólise, fazer com que átomos de deutério se fundissem dentro da rede cristalina do paládio.
Foi uma notícia espantosa. Se confirmada, teria revolucionado o mundo, tornando a energia de fusão disponível num pequeno pacote. Mas era demasiado bom para ser verdade e por uma boa razão.
Verificou-se que o trabalho dos dois homens era extremamente descuidado, impossível de reproduzir e baseado em todo o tipo de pressupostos e erros. No final do ano, a bolha da fusão a frio tinha rebentado, a tecnologia foi desacreditada e o conceito relegado para a categoria da “má ficção” e “teorias da conspiração”.
Foi mesmo um escândalo científico.
No entanto, um estudo publicado no final de agosto na Nature parece ter ressuscitado essa técnica. O paládio num frasco ligado à fusão nuclear foi revivido, mas sob uma forma diferente.
Como detalha a New Atlas, um dos problemas da fusão nuclear é dar início à reação, o que exige uma elevada concentração do isótopo de hidrogénio deutério. É um processo que em si mesmo pode ser energeticamente intensivo.
Mas a equipa interdisciplinar da UBC recorreu a um processo eletroquímico envolvendo paládio para potenciar as coisas.
O que fizeram foi construir um alvo feito de paládio e, num dos lados, expuseram-no a um reator eletroquímico chamado reactor Thunderbird. Este gerou um campo de plasma que carregou um lado do alvo com deutério. Entretanto, o outro lado do alvo foi sujeito a outra célula eletroquímica que adicionou mais deutério.
A parte engenhosa é que, ao seguir a via eletroquímica, a equipa relatou ter conseguido usar apenas um volt de eletricidade para carregar tanto deutério como normalmente exigia 800 atmosferas de pressão usando métodos convencionais.
Dado que as reações de fusão dependem da fusão de átomos de deutério, esta sobrecarga aumentou enormemente as probabilidades de isso acontecer, em média em 15%. Embora não tenha produzido um ganho líquido de energia, a equipa acredita que isto abre novos caminhos para revolucionar a energia de fusão prática.
Além disso, a equipa deixou claro que a experiência é reprodutível e, ao contrário das experiências de 1989, confirmou os resultados através da emissão de neutrões e não apenas por uma mera subida de calor, como havia acontecido na tentativa falhada dos anos 80.
“Esperamos que este trabalho ajude a trazer a ciência da fusão para fora dos gigantes laboratórios nacionais e para a bancada de laboratório”, disse o autor correspondente do artigo, Curtis P. Berlinguette, à New Atlas.
“A nossa abordagem reúne fusão nuclear, ciência dos materiais e eletroquímica para criar uma plataforma onde tanto os métodos de carregamento de combustível como os materiais-alvo podem ser sistematicamente ajustados. Vemo-lo como um ponto de partida – que convida a comunidade a iterar, refinar e desenvolver no espírito de investigação aberta e rigorosa”, acrescenta.