ESA/NASA/JPL/University of Arizona

Vista aérea de Titã captada pela sonda Huygens, da NASA, a uma altitude de 10 mil km de altitude
Um novo estudo, conduzido por uma equipa de investigadores da NASA mostrou que compartimentos semelhantes a células, chamados vesículas, poderão formar-se naturalmente nos lagos de Titã, a lua de Saturno.
Titã é o único mundo, além da Terra, conhecido por ter líquido à superfície. Contudo, os lagos e mares de Titã não contêm água, mas sim hidrocarbonetos líquidos, como etano e metano.
Na Terra, acredita-se que a água líquida tenha sido essencial para a origem da vida tal como a conhecemos.
Ao longo dos anos, muitos astrobiólogos têm-se questionado se os líquidos de Titã poderão igualmente fornecer um ambiente propício à formação das moléculas necessárias à vida — seja como a conhecemos, ou talvez de uma forma diferente.
Um novo estudo, conduzido por uma equipa de investigadores da NASA e recentemente publicado na International Journal of Astrobiology, descreve um processo pelo qual vesículas estáveis poderão formar-se em Titã, com base no conhecimento atual sobre a atmosfera e a química desta lua.
A formação de tais compartimentos é um passo importante na criação de precursores de células vivas (ou protocélulas).
O processo envolve moléculas chamadas anfifílicas, que se conseguem auto-organizar em vesículas nas condições adequadas. Na Terra, estas moléculas polares têm duas partes: uma extremidade hidrofóbica (que “tem medo” da água) e uma extremidade hidrofílica (que “gosta” da água).
Quando estão em água, agrupam-se e formam esferas semelhantes a bolhas de sabão: a parte hidrofílica fica voltada para fora, interagindo com a água, e a parte hidrofóbica fica protegida no interior da esfera.
Em determinadas condições, podem formar-se duas camadas, criando uma estrutura semelhante a uma célula, com uma membrana bicamada que encerra no interior uma bolsa de água. No caso de Titã, os investigadores tiveram de considerar um ambiente radicalmente diferente do da Terra primitiva.
Titã é a maior lua de Saturno e a segunda maior do Sistema Solar. É também a única lua do Sistema Solar com uma atmosfera substancial.
A atmosfera enevoada e dourada de Titã manteve este mundo envolto em mistério durante grande parte da história humana. No entanto, quando a sonda Cassini da NASA chegou a Saturno em 2004, a nossa visão de Titã mudou para sempre.
Graças à Cassini, sabemos agora que Titã tem um ciclo meteorológico complexo que ainda hoje influencia ativamente a sua superfície. A maior parte da atmosfera de Titã é composta por azoto, mas existe também uma quantidade significativa de metano (CH₄).
Este metano forma nuvens e chuva, que caiem sobre a superfície, provocando erosão e escavando leitos de rios, acabando por encher lagos e mares. Posteriormente, o líquido evapora-se com a luz solar, formando novamente nuvens.
Esta atividade atmosférica permite que ocorram reações químicas complexas. A energia solar quebra moléculas como o metano, cujos fragmentos se recombinam em moléculas orgânicas mais complexas.
Muitos astrobiólogos acreditam que esta química poderá ensinar-nos como se formaram e evoluíram, na Terra primitiva, as moléculas necessárias ao surgimento da vida.
O novo estudo analisou como vesículas poderão formar-se nas condições geladas dos lagos e mares de hidrocarbonetos de Titã, focando-se em gotículas de salpico lançadas pelo impacto da chuva.
Em Titã, tanto as gotículas como a superfície líquida podem ser revestidas por camadas de moléculas anfifílicas. Se uma gotícula cair num lago, as duas camadas de anfifílicas encontram-se e formam uma vesícula de dupla camada (ou bicamada), envolvendo a gotícula original.
Com o tempo, muitas destas vesículas espalhar-se-iam pela superfície, interagindo e competindo num processo evolutivo que poderia dar origem a protocélulas primitivas.
Se esta via de formação se confirmar, aumentaria a nossa compreensão sobre as condições em que a vida pode emergir.
“A existência de quaisquer vesículas em Titã demonstraria um aumento da ordem e da complexidade, que são condições necessárias para a origem da vida“, explica Conor Nixon, do Goddard Space Flight Center, num comunicado da NASA.
“Estamos entusiasmados com estas novas ideias, porque podem abrir novas linhas de investigação em Titã e talvez mudar a forma como procuramos vida nesta lua no futuro”, conclui Nixon.