O ex-primeiro-ministro manifestou, esta sexta-feira, à procuradora-geral da República (PGR) a intenção de se constituir como assistente no inquérito sobre a distribuição do processo da Operação Marquês na fase de investigação.
“Vou requerer a minha constituição como assistente no inquérito que agora se vai iniciar. Faço-o com a legitimidade, que me parece indiscutível, de ser uma das principais vítimas destes tristes acontecimentos”, escreveu José Sócrates numa carta dirigida a Lucília Gago.
Nesta carta, a que a agência Lusa teve acesso, o antigo primeiro-ministro solicita ainda à procuradora-geral da República que indique o número do inquérito e da instituição interna do Ministério Público que o tramita, no sentido de fazer chegar essa sua pretensão.
A 9 de abril 2021, na leitura da decisão instrutória da Operação Marquês, o juiz Ivo Rosa anunciou que extraiu uma certidão para a Procuradoria-Geral da República averiguar a distribuição desse processo ao juiz Carlos Alexandre.
Segundo Ivo Rosa, em causa está a eventual violação do princípio do juiz natural ou juiz legal.
Na mesma carta, Sócrates considera que, na decisão instrutória, o “Tribunal declarou nulo o ato da distribuição do processo durante a fase de inquérito”, por considerar “haver indícios da prática de um crime”.
Segundo o ex-primeiro-ministro, de acordo com a lei em vigor em Portugal, a distribuição dos processos, isto é, o método de escolha do juiz, deve ser “realizada por meios eletrónicos, os quais devem garantir aleatoriedade no resultado“.
Este procedimento de sorteio, escreveu Sócrates, “oferece uma dupla garantia” ao cidadão, no cumprimento do seu direito ao juiz natural, e ao sistema judicial, com a integridade do processo.
“No dia 9 de setembro de 2014, dia em que o processo chegou ao Tribunal para ser distribuído, nem uma coisa nem outra aconteceu. Os autos do processo relatam que foi efetuada uma “atribuição manual”, que é exatamente aquilo que parece – uma ilegalidade cometida com o objetivo de escolher arbitrariamente o juiz”, refere a carta.
José Sócrates reitera ainda que o que está em causa neste inquérito “não é, portanto, um mero engano judicial, mas uma deliberada manipulação”.
“A suspeita é de que houve intenção de escolher, de forma fraudulenta, um juiz que permitisse, como veio a permitir, todos os abusos cometidos durante a investigação: a detenção, a prisão para investigar, as violações do segredo de justiça, a violação dos prazos de inquérito, enfim, todo o cortejo de violência e de difamação que caracterizou este caso”, refere ainda.
Sócrates diz que crimes são novos, diferentes e contraditórios
No requerimento entregue ao juiz Ivo Rosa, a que a Lusa também teve acesso, a defesa do antigo primeiro-ministro considera ainda que a imputação de três crimes de branqueamento e outros três de falsificação de documento, pressupõe alterações substanciais de factos e que, por isso, a pronúncia está viciada de nulidade.
Segundo o advogado Pedro Delille, o juiz substituiu os crimes que constavam na acusação por um crime de corrupção passiva sem demonstração de ato concreto, transformando o arguido em corruptor, quando para o Ministério Público este figurava como corrompido e coautor na prática dos crimes, isto é, como intermediário ou testa de ferro.
Para a acusação, relativamente ao grupo Lena, o corruptor ativo era o seu administrador Joaquim Barroca.
O advogado alerta que, na base da decisão judicial de mandar Sócrates e o seu amigo para julgamento, estão factos que indiciam que a vantagem tem origem em Carlos Santos Silva “e que é ele o dono também da ‘fortuna'”, enquanto na acusação “o dono da vantagem era originariamente o Grupo Lena e o dono da ‘fortuna'” Sócrates.
A defesa entende ainda que o direito de defesa de Sócrates foi violado por não ter sido dado prazo para se pronunciar sobre a alteração dos factos, que consideram substancial.
Contudo, no entendimento da defesa, estas alterações não são meras irregularidades, mas sim nulidades, pelo que solicitou uma dilação do prazo para “apresentar, aprofundar e completar, ou mesmo corrigir e alterar, a fundamentação” plasmada no requerimento.
No mesmo documento é também solicitado que lhe seja concedido mais tempo para apresentar os argumentos da defesa.
Os procuradores da Operação Marquês pediram também, esta segunda-feira, a nulidade da decisão instrutória, considerando que igualmente que “houve alteração substancial dos factos”, e solicitaram um prazo de 120 dias para apresentar recurso.
Dos 189 crimes na acusação da Operação Marquês, a decisão instrutória determinou que só 17 vão a julgamento, e nenhum deles de corrupção, num processo longe de terminar e cujo próximo capítulo será o recurso do Ministério Público.
Em concreto, entre os 28 arguidos, dos quais 19 pessoas individuais e nove empresas, o juiz de instrução decidiu mandar para julgamento o ex-primeiro ministro, o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, o antigo banqueiro Ricardo Salgado, todos por crimes económicos e financeiros.
Segundo o semanário Expresso, o banqueiro, remetido para julgamento sozinho por três crimes de abuso de confiança, não aceita a separação de processos decretada pelo juiz Ivo Rosa.
Os advogados de Salgado fizeram chegar ao Tribunal Central de Instrução Criminal, a 15 de abril, um pedido de arguição de irregularidade, dirigido ao juiz, com o argumento de que a decisão do julgamento autónomo representa uma “violação do contraditório prévio”.
De acordo com o jornal, o juiz respondeu esta segunda-feira, não tendo aceitado a reclamação. “A decisão de separação de processos por ausência de conexão não contende com as garantias de defesa do arguido, na medida em que o mesmo poderá exercer o pleno contraditório quanto aos factos pelos quais foi pronunciado no processo onde irá ser julgado”.
ZAP // Lusa