Sócrates ficou desempregado – e a mãe deu-lhe 450 mil euros para viver

Mário Cruz / Lusa

O antigo primeiro-ministro, José Sócrates

O antigo primeiro-ministro José Sócrates assegurou que, em meados de 2012, a mãe lhe deu 450.000 euros da venda de uma casa, porque sabia que o filho não tinha rendimentos desde que saíra do Governo, um ano antes.

José Sócrates foi primeiro-ministro de Portugal desde março de 2005 a junho de 2011. Depois, ficou desempregado mais de um ano e meio.

Terá sido para continuar a sua vida em Paris com os filhos e estuda que o antigo governante recebeu 450.000 euros da mãe.

Foi a explicação dada por Sócrates, no quinto dia do julgamento da Operação Marquês, a perguntas de enquadramento do procurador Rómulo Mateus sobre a sua situação pessoal e profissional entre deixar de ser primeiro-ministro e o seu início de funções na empresa Octapharma, em fevereiro de 2013, com uma remuneração inicial mensal de cerca de 12.500 euros.

“Quando saí do Governo, a primeira coisa que fiz foi pedir um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos. Pedi 150.000 euros para ir viver para Paris e estar um ano sem trabalhar”, começou por explicar, precisando que a mudança, na qual o filho mais velho o acompanhou, se destinou a frequentar um mestrado em Teoria Política.

O dinheiro terá dado para viver “durante um ano”, até que, “no final do ano letivo de 2012”, a mãe decidiu vender o apartamento em que vivia no centro de Lisboa e mudar-se para uma outra casa que tinha em Cascais.

Segundo José Sócrates, o imóvel foi vendido por 600.000 euros a Carlos Santos Silva, “que se dedicava a isso”. Curiosamente, o empresário é considerado um dos testas-de-ferro do ex-governante.

Deste montante, 450.000 euros foram, afirmou, entregues pela mãe ao antigo chefe de Governo, porque não tinha rendimentos.

“De onde é que veio o dinheiro para viver? Da venda da casa da minha mãe. Porque o meu irmão tinha acabado de falecer e ela estava zangada com a família do meu irmão“, explicou comovido, no momento de maior exaltação.

José Sócrates salientou depois que vai provar que, na década de 1980, a sua mãe herdara uma fortuna de “um milhão de contos” (cinco milhões de euros).

Sócrates nega ter instrumentalizado ministros

Na sessão desta terça-feira, Sócrates negou ter instrumentalizado ministros para que estes realizassem atos ilegais no concurso do TGV – um dos dossiês em que está acusado de ter sido corrompido pelo grupo Lena.

“É absolutamente falso que eu tenha dado sugestões ou orientações a ministros no sentido de os instrumentalizar, para realizar atos contra a sua vontade, atos ilegais”, afirmou o chefe de Governo entre 2005 e 2011.

José Sócrates rejeitou ter discutido detalhes do concurso numa reunião, em outubro de 2009, com o então ministro cessante das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, e com o presidente do júri do procedimento.

Segundo o ex-governante, o encontro aconteceu por iniciativa de Mário Lino, não durou mais de cinco minutos e o “único comentário” que fez então foi para que fosse seguida a jurisprudência do Tribunal de Contas, “por mais infundada” que fosse.

O socialista acusou ainda o Governo seguinte, liderado por Pedro Passos Coelho (PSD), de ter acabado com o projeto, que, em 2012, acabaria por ser chumbado pelo Tribunal de Contas.

O concurso tinha sido ganho por um consórcio do qual fazia parte o grupo Lena, que, com o veto, ganhou direito a uma indemnização de mais de 150 milhões de euros, que até hoje não foi paga.

“Não se pede para analisar o cabimento orçamental de um projeto que se retirou do Orçamento”, lamentou hoje José Sócrates.

O antigo primeiro-ministro acusou também o executivo de António Costa (PS) de “covardia política” por ter decidido, a partir de 2015, não avançar com o TGV, “apenas porque era o projeto do Sócrates”, detido em novembro de 2014.

Sócrates acusa STJ de parcialidade

À saída do Campus de Justiça, Lisboa, o ex-primeiro-ministro foi questionado sobre a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ao pedido de recusa apresentado no dia da primeira sessão.

No âmbito do julgamento da Operação Marquês, no dia 3 de julho, Pedro Delille, advogado de Sócrates, tinha argumentado que o julgamento não poderia prosseguir enquanto este pedido de recusa, visando Amadeu Guerra, que acusou de intervir no processo através da equipa de procuradores nomeada para o processo, não fosse decidido.

Na decisão, conhecida esta tarde, o STJ indeferiu o pedido de recusa apresentado por Sócrates.

O Supremo “considerou que o exercício do poder de nomeação do representante do Ministério Público no julgamento e da respetiva equipa de apoio, (…) situa-se no domínio das competências gestionárias do PGR, pelo que não configura uma intervenção no processo”.

Em declarações aos jornalistas, Sócrates acusou o STJ de parcialidade ao indeferir o pedido de recusa que visava declarações do Procurador-Geral da República – decisão que o ex-primeiro-ministro diz “proteger o procurador”.

“O Supremo está a brincar com coisas muito sérias. Quando um procurador diz o que disse, dizendo que eu tenho que provar a minha inocência em tribunal, deve ser afastado de tomar decisões no processo. Eu acho que isso é muito razoável, mas protegem-se uns aos outros”, afirmou José Sócrates.

“Porque é que o Supremo toma essa decisão? Apenas com o objetivo de proteger o procurador”, repetiu, insistindo que a presunção de inocência foi posta em causa.

Amadeu Guerra disse, numa entrevista ao Observador, no final de junho, que se deveria “dar oportunidade a Sócrates para provar a sua inocência”.

“O sistema judicial devia perceber que tem que reagir a isto, e não reage. Deixa o procurador fazer declarações absolutamente incríveis, dizendo que um arguido tem agora que provar a sua inocência em tribunal. Acho que isso ultrapassa todos os limites”, insistiu.

Questionado se considera o STJ parcial, José Sócrates disse que sim e acrescentou: “Se eu acho que o tribunal é parcial, apresento queixa disso”.

José Sócrates é o principal arguido da Operação Marquês e está acusado de 22 crimes, entre os quais três de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada.

O processo conta, no total, com 21 arguidos, que respondem globalmente por 117 crimes económico-financeiros.

O julgamento, que começou no dia 3 de julho no Tribunal Central Criminal de Lisboa, só prosseguirá a 2 de setembro, com a continuação do interrogatório a José Sócrates.

Os arguidos têm, em geral, negado a prática de qualquer ilícito.

ZAP // Lusa

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