O assassinato da vereadora brasileira e do seu motorista fez, este sábado, um mês e continua sem respostas. O caso, que levou multidões às ruas para manifestar solidariedade e exigir explicações, é tratado com absoluto sigilo pelos investigadores.
Nos últimos dias, uma nova execução e provas encontradas pela equipa da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro e do Ministério Público estadual reforçaram as suspeitas sobre duas linhas de investigação, ligadas ao envolvimento de milicianos e colegas de Marielle Franco na Câmara do Rio.
Polícias civis e federais que investigam o caso encontraram impressões digitais parciais em nove cápsulas encontradas por peritos no local do crime. As marcas podem ter sido deixadas pelo autor dos disparos ou pelo responsável por inserir os projéteis na pistola 9mm utilizada para executar a vereadora brasileira e o seu motorista, Anderson Gomes.
Entre o material analisado, havia um único projétil que não integrava o lote de munições UZZ 18, desviado da Polícia Federal. De acordo com investigadores ouvidos pelo O Globo, trata-se de uma munição que integra um carregamento importado, com características especiais, semelhantes à de uma outra cápsula encontrada no caso de um homicídio que aconteceu no município de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio.
Um dos agentes ouvidos pelo jornal afirmou que “há ADN de um grupo paramilitar no crime”. Por estarem fragmentadas, as impressões digitais não podem ser comparadas com a base de dados das polícias Civil e Federal. Entretanto, seria possível confrontá-las com as de um eventual suspeito.
A análise das cápsulas remonta a outros crimes praticados na região metropolitana. O uso de munição do lote UZZ 18 foi detetado em três dos 14.574 homicídios dolosos registados no estado entre 2014 e 2017. As ações, que resultaram em cinco mortes, ocorreram em São Gonçalo, Niterói e na divisa entre os dois municípios.
Depois da repercussão da notícia, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou ter observado avanços nas investigações sobre os assassinatos de Marielle e Anderson. De acordo com o ministro, as equipas que trabalham no caso estão confiantes em identificar os responsáveis que ordenaram a execução da vereadora.
“Houve um afunilamento das hipóteses. Quando converso com os investigadores, sinto que estão animados, confiantes em conseguir pôr na cadeia não só os que executaram, mas também chegar aos responsáveis desse crime que nos chocou a todos”, comentou.
A 6 de abril, o comandante da intervenção federal no Rio de Janeiro, o general Braga Netto, revelou avanços na investigação depois de uma reunião com o Presidente Michel Temer. Na ocasião, demonstrou otimismo com o desfecho do caso nos próximos dias. Segundo o general, Temer considera que a prisão dos assassinos da vereadora é considerada de extrema importância para o Governo.
Nova execução
Com o objetivo de investigar a rotina de Marielle na Câmara Municipal do Rio, a Divisão de Homicídios da Polícia Civil tem intimado vereadores a depor sobre o caso. Até agora, oito já foram ouvidos, num total de 14 chamados.
No domingo passado, dois dias após Marcello Siciliano (PHS) prestar depoimento durante três horas, um líder comunitário que prestava serviços para o seu mandato foi assassinado. Carlos Alexandre Pereira Maria, de 37 anos, era suspeito de ligação com uma milícia da Zona Oeste da cidade.
Entre os vereadores intimados pelas autoridades, havia correligionários de Marielle, como Tarcísio Motta, candidato do PSOL a governador no último pleito estadual, e adversários políticos. Siciliano estava incluído no segundo grupo.
Amigo pessoal da vereadora, Tarcísio Motta manifestou confiança nas investigações. “Não temos nenhum elemento até ao momento que desabone a atuação do chefe da polícia ou da DH. Não há nada que aponte para negligências ou morosidade proposital na apuração. Como éramos do mesmo partido e tínhamos intimidade, fizeram-me perguntas sobre a atuação parlamentar da Marielle, a sua rotina e as suas atividades políticas”, explicou.
Brasileiros protestaram em Lisboa
Um grupo de cidadãos brasileiros, imigrantes em Portugal, esteve este sábado a promover na praça do Martim Moniz, em Lisboa, um evento de homenagem e protesto à ativista.
“Um mês sem Marielle, um mês de impunidade”, era o nome da iniciativa de um conjunto de pessoas sem designação formal que esteve a promover ações musicais, artísticas e políticas no centro da capital portuguesa.
“Este movimento criou-se organicamente a partir de um grupo de brasileiros que foram impactados com a notícia da morte de Marielle, há um mês. Esse sentimento de revolta foi meio comum a todos nós e ficou essa sensação de que precisávamos de tomar alguma atitude”, disse à Lusa Manuela Allo, 30 anos, brasileira a viver em Lisboa há um ano e meio, formada em Publicidade e Comunicação, destacando a simpatia pelos movimentos feministas, negros e LGBT.
Segundo este elemento da organização, “fazia sentido não esquecê-la e as causas que representava”, daí a promoção, juntamente com “diversos coletivos de brasileiros, portugueses e de outras nacionalidades” para “tornar esta praça pública um centro de discussão dessas questões sociais e fazer eco dessas vozes que querem saber o que aconteceu com Marielle”.
“A gente precisa entender como essas questões impactam nas questões sociais. Vozes que se levantam pelas questões práticas do dia-a-dia e falam de direitos e igualdade e combatem certos pensamentos homofóbico, machistas, precisam de ser observados e ecoados. A política é o que se faz no dia-a-dia”, disse.
Outra das promotoras, Illa Branco, cidadã brasileira e organizadora de eventos e publicitária de 28 anos, a estudar em Portugal, afirmou que “é muito bonito ver este movimento aqui e a rapidez com que as coisas se organizaram”.
“A gente sabe que Portugal é um lugar ativo para isso, tem muitas atividades culturais, associações recreativas que se mantêm, com um fomento artístico e político muito fortes”. Para Illa Branco, prevaleceu “a vontade de fazer alguma coisa que juntasse a política e as vozes das minorias com o estímulo cultural”.
“A gente não está fazendo isso num bairro afastado, a gente escolheu o coração da cidade para que, tanto o turista, como quem está passeando ou não está tão atento… a ignorância é muito perigosa… e acaba ouvindo visões a que não tem acesso pela media ou os grupos sociais que escolhe”, afirmou.
A 14 de março, Marielle Franco, de 38 anos, foi morta à saída de uma favela do Rio de Janeiro, com quatro tiros na cabeça. A vereadora era muito crítica dos excessos da polícia brasileira, sobretudo depois de Temer ter ordenado uma intervenção do Exército para fazer face à incapacidade da polícia em combater o crime organizado.