A fabricante alemã da arma que matou Marielle Franco vai deixar de exportar para o Brasil

midianinja / Flickr

A vereadora brasileira Marielle Franco

A fabricante alemã da arma usada no assassinato da política brasileira Marielle Franco confirmou que não vai exportar mais armas para o Brasil. A declaração foi feita no passado dia 27 de agosto, durante a reunião anual de acionistas da Heckler & Koch, na Alemanha.

Segundo o jornal alemão Taz, a Dachverband Kritische Aktionäre (Associação de Acionistas Críticos na Alemanha) questionou a Heckler & Koch sobre a venda de armas para o Brasil, na última reunião. A associação trabalha com o objetivo de comprar ações de grandes empresas, de modo a conseguir intervir internamente em assuntos de direitos humanos e do ambiente.

A porta-voz da Heckler & Kock garante que já estão a ser tomadas medidas em relação à vendas de armas para o Brasil. “Devido às mudanças que têm ocorrido no Brasil, sobretudo a agitação política presente antes das eleições presidenciais, e a atitude violenta da polícia perante a população, foi tomada a decisão de não vender mais armas para o Brasil”, remata.

Só em dois anos foram assassinadas quase 40 pessoas ligadas a cargos políticos no Brasil – entre as quais vereadores, ex-vereadores, autarcas e antigos autarcas.

Em 2019, durante a reunião de acionistas, a associação já tinha questionado a Heckler & Koch sobre a relação comercial com o Brasil, relata o Taz. Na altura a empresa assumiu que, em anos anteriores, realizou centenas de exportações de armas para o país. Contudo, na altura o presidente da H&K, Jens Bodo Koch, já tinha definido que não se deveria “fornecer mais armas ao Brasil, sobretudo depois da eleição de Jair Bolsonaro”.

No entanto, o jornal alemão afirma que não ficou claro se a decisão foi tomada apenas pela eleição de Bolsonaro, ou se a empresa também não estava a receber encomendas do Brasil. Por isso os acionistas colocaram novamente a questão este ano, e acabaram por receber a confirmação da paralisação das exportações para o país.

Em 2018 o caso de Marielle Franco chamou a atenção dos ativistas, sobretudo dos mais radicais, que defendem um maior controlo na exportação de armas feita pela Alemanha, e a proibição de vendas para países que são frequentemente acusados de violação de direitos humanos.

A vereadora de 38 anos era conhecida por fazer duras críticas à atuação da Polícia Militar e da intervenção do Exército na segurança do Rio de Janeiro.

De acordo com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, a ativista Marielle Franco foi atingida por dois tiros de uma arma fabricada pela H&K – a MP5, uma sub-metralhadora de uso restrito no Brasil. Teoricamente, este tipo de arma só deveria ser encontrada no seio de instituições como a polícia Militar, Civil, Federal, e em alguns núcleos pertencentes às Forças Armadas.

Não ficou claro se a arma foi desviada de um desses núcleos que têm fácil acesso a armamento pesado. Esta é uma situação que é comum no Brasil, pois muitas vezes são encontradas armas da empresa alemã H&K na posse de civis.

Heckler & Koch / Wikipedia

Metralhadora MP5A3 da Heckler & Koch com uma coronha retrátil e guarda-mão modificado

Antes do assassinato de Marielle Franco, outros episódios ocorridos no Brasil já tinham alertado muitos ativistas na Alemanha. Em 1992, oito sub-metralhadoras da H&K foram usadas pela Polícia Militar na captura de 111 presos do Carandiru.

Não há registos detalhados sobre as últimas vendas de armas da H&K para o Brasil, uma vez que a empresa não tem tem o hábito de informar sobre os negócios que realiza. Os dados do Departamento Federal de Controlo Económico e de Exportações, na Alemanha, não são precisos no que diz respeito a este assunto.

Ainda assim, anualmente, o departamento revela relatórios sobre as exportações de armas da Alemanha, mas limita-se a clarificar o número de transações e os valores envolvidos nas mesmas. Nestes relatórios não são divulgados detalhes sobre a identificação dos fabricantes e os detalhes das armas.

Trajetória construída no pós-guerra

Na Alemanha a exportação de armas ainda é um tema bastante controverso. O ambiente pacífico em que o país habita desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tem impulsionado muitos ativistas a pedir mais transparência nas transações. Ao mesmo tempo, o governo é regularmente acusado de dar um tratamento especial aos fabricantes, e de não tomar medidas para um controlo mais apertado.

A Alemanha é o quinto maior exportador de armas do mundo, e o setor emprega cerca de 80 mil pessoas.

A H&K é a empresa com mais funcionários de Oberndorf am Neckar, uma pequena cidade no sul do país. Fundada em 1949, por ex-engenheiros que trabalhavam para a Mauser, a empresa fabricou fuzis para o regime nazista. A fabricante alemã teve o seu primeiro impulso no mercado ao vender armamento para a Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha Ocidental.

Nos anos 50, a empresa desenvolveu o fuzil HK G3, que passou a rivalizar com o soviético AK-47 – também conhecido como Kalashnikov –  no mercado internacional. O G3 passou a ser facilmente encontrado em dezenas de conflitos do terceiro mundo durante a Guerra Fria.

Entre os anos 60 e 80, a Alemanha Ocidental autorizou a H&K a emitir licenças de fabricação do G3 para 16 países. Entre eles estão o Irão e do Paquistão, e outros países que regularmente se destacam pelo incumprimento dos direitos humanos.

Nos anos 90, H&K desenvolveu o sucessor do G3 –  o HK G36. Em 2008, Berlim autorizou um acordo de licenciamento para a instalação de uma fábrica na Arábia Saudita.

A empresa fabrica produtos para os EUA, que recebeu 33% das suas exportações entre 2012 e 2016. Em feiras americanas, representantes da H&K apresentam as armas a cidadãos comuns com uma naturalidade que seria impensável na Alemanha, onde o controlo da venda de armas é muito rígido.

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