Péssimo para o Estado, negócio da China para os americanos – e um bónus por explicar no Novo Banco

José Sena Goulão / Lusa

António Ramalho, ex-presidente do Novo Banco

Comprar por mil milhões, vender por mais de 6 mil milhões. Lone Star paga bónus a António Ramalho; há um “conflito de interesses”.

A Lone Star comprou 75% do Novo Banco por mil milhões de euros. O negócio decorreu em 2017 e o Fundo de Resolução (FDR) ficou com 25% do antigo Banco Espírito Santo.

Agora, 8 anos depois, o fundo norte-americano vai vender o Novo Banco ao francês Banque Populaire-Caisse d’Épargne (BPCE) por 6,4 mil milhões de euros.

O valor multiplicou por seis neste período – embora o Lone Star fique com 4,8 milhões de euros (mais-valia de 3,8 mil milhões e lucro líquido de 2,2 mil milhões), já que o Fundo de Resolução e a Direcção-Geral do Tesouro encaixa os restantes 1,6 mil milhões de euros.

O jornal Público acrescenta agora que os dirigentes do Lone Star e os gestores do Novo Banco envolvidos neste negócio vão receber um bónus total de 1,1 mil milhões de euros.

António Ramalho, que era presidente do Novo Banco, receberá entre 7 e 10 milhões de euros.

A transacção deve ser concretizada no início de 2026.

“Negócio da China”

É um “péssimo negócio para o Estado, negócio da China” para a Lone Star, resume Pedro Sousa Carvalho.

O especialista em economia detalha as contas: o fundo norte-americano recupera o dinheiro que tinha injectado no Novo Banco, recupera o custo de capital, canaliza dinheiro para a própria Lone Star e ainda sobram 1,1 mil milhões de euros em bónus para os accionistas.

Na RTP, Pedro Sousa Carvalho sublinha que o Estado deveria ter esperado, mantendo o banco como público, em vez de entregá-lo “ao desbarato” a um accionista privado. Hoje, vender por 6 mil milhões daria para recuperar praticamente a totalidade do dinheiro injectado.

O que falta explicar

“Vendemos o banco por um preço muito baixo”, continua Pedro, que no entanto deixa uma questão no ar: o pagamento do bónus a António Ramalho.

“Até pode ser legal. Mas há aqui um problema de ética, de moral e de boa governança: qual era o objectivo deste prémio? O incentivo era para que os gestores vendessem o banco o mais depressa possível, para que o accionista privado pudesse realizar uma mais-valia e sair do banco. A partir do momento em que António Ramalho assina o contrato e também recebe este bónus, passa a estar alinhado com os interesses de um só accionista – o privado; deixa de estar alinhado com o accionista público. E os interesses destes dois accionistas são conflituantes”, descreve.

“Isto é tudo muito pouco transparente. Sabia-se que haveria prémios, mas não se conheciam valores, nem se sabia a quem seriam pagos”, continua Pedro Sousa Carvalho.

E continuam as dúvidas: “Isto não é normal. António Ramalho merecia o prémio. O problema é que António Ramalho, que era presidente do Novo Banco, não recebe um bónus pago pelo Novo Banco, mas sim pago pelo accionista privado do Novo Banco. É um conflito de interesses”.

Saber esperar

Pedro Ferreira Esteves, editor de economia do Público, salienta que a Lone Star soube esperar.

“Foi o protagonista mais experiente. O fundo norte-americano está habituado a este tipo de operações: investir em activos que estão desvalorizados, saber negociar com uma posição de força e esperar pelo momento certo para recolher os seus lucros”, disse.

Este valor – multiplicado por 6 em menos de uma década – também foi resultado das mudanças inesperadas que o sector bancário atravessou nos últimos 5 anos: “Era um valor imprevisível mas há um contexto, que é o mais importante aqui: o mundo mudou muito entretanto. Houve abalos no sistema financeiro, desde a COVID à guerra na Ucrânia; as taxas de juro mudaram – e tornaram a vida dos bancos muito mais fácil e muito mais rentável. Os bancos estão a registar lucros recorde e o Novo Banco beneficiou muito deste contexto”.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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