Nos últimos dois anos, 37 vereadores brasileiros foram assassinados. A morte de Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), está agora a levantar a discussão sobre o tema num país já “habituado” à violência e insegurança.
A morte da vereadora da câmara do Rio de Janeiro, Marielle Franco, no passado dia 15 de março, chocou o Brasil e o mundo. O povo saiu à rua, não só em várias cidades brasileiras, como também em Portugal e noutros países. “Quem matou Marielle?” é o que todos querem saber.
Uma semana depois deu-se mais um assassinato, desta vez, Paulo Teixeira, vereador suplente no Conselho de Magé, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. O crime foi semelhante ao da ativista brasileira do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Marielle foi morta com quatro tiros na cabeça, no interior de um automóvel, quando saía de um evento sobre o papel das mulheres negras na sociedade brasileira no bairro da Lapa. O vereador do Partido Trabalhista do Brasil (PTB) também estava no carro quando foi atingido por vários tiros que causaram a sua morte.
Estes casos, que muitos referem tratar-se de “crimes políticos” são, segundo o Público, apenas dois dos 37 casos de vereadores assassinados nos últimos dois anos. Por falta de dados oficiais, várias instituições avançaram com os seus próprios estudos.
Caso disso é o levantamento efetuado pelo site Congresso em Foco, escreve o jornal, que contou pelo menos 36 vereadores mortos entre janeiro de 2016 e março deste ano (o número sobe agora para 37 com o assassinato do vereador suplente). Segundo esta estatística, o estado do Ceará lidera este ranking, com sete políticos assassinados, seguindo-se o Maranhão e o Pará, com quatro cada.
De acordo com o Público, O Globo também fez a sua pesquisa e chegou a um número mais alargado porque incluiu, além dos vereadores, ex-vereadores, prefeitos e antigos prefeitos. No total, 40 pessoas assassinadas em dois anos.
Num âmbito mais alargado, o jornal Valor Económico, que usou dados da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, concluiu que, entre 2000 e 2016, foram assassinados 79 candidatos eleitorais, onde 91% eram candidatos municipais (os dois casos mais recentes não entram neste levantamento porque não estavam em campanha).
Apesar de as autoridades brasileiras não terem ainda chegado aos culpados, o nível de organização e de método destes casos faz com que alguns analistas apontem para as milícias, escreve o Público. Ou seja, organizações criminosas constituídas, sobretudo, por polícias e militares que começaram a executar os inimigos de quem os contratava.
“Não queremos colocar Marielle num pedestal”
Perante a onda de “especulação pesada” sobre a vida da vereadora brasileira como, por exemplo, que Marielle seria financiada por traficantes de droga ou de que teria sido casada com um famoso traficante, conhecido como Marcinho VP, a irmã Anielle Silva conta à BBC que os últimos dias têm sido difíceis.
“Marielle não tem de ser colocada num pedestal, não é isso que queremos”, afirma. “Mas ela era uma líder que lutava pelas minorias e contra tudo aquilo que vemos acontecer todos os dias no Rio. As pessoas não entendem isso. Dizem que era uma mulher negra e que, todos os dias, morrem outras mulheres negras. Acho que estão a simplificar demais aquilo que aconteceu. Marielle teve 46 mil votos, tinha 70 mil seguidores no Facebook. Era muita coisa. Fica o seu legado. Espero que se respeite o seu legado“, acrescenta.
Marielle cumpria o seu primeiro mandato como vereadora da cidade carioca, tendo sido a quinta candidata mais votada nas eleições de 2016. Em 2018, a ativista seria lançada como candidata a vice-governadora, ao lado do vereador Tarcísio Motta, que iria concorrer a governador pelo PSOL. “Ela estava no seu auge. Estava a viver tudo o que queria viver”.
“Estava a fazer tudo o que podia. Tinha uma ação na zona sul, estava lá. Tinha outro na zona oeste, estava lá. Ia discursar num evento em Harvard em abril, estava muito animada”, conta a familiar.
Socióloga de 38 anos, batizada de “filha da Maré” por ser originária da favela com o mesmo nome, uma das áreas mais violentas do Rio, Marielle era a relatora da comissão da Câmara de Vereadores criada para fiscalizar a intervenção militar, que muito criticou.
Na mesma entrevista, a irmã conta que a repercussão mundial do caso tem sido uma forma de alento para a família. “Ver essa comoção acalma-nos, conforta-nos. Demonstra o quanto ela era grande e como se estava a tornar maior ainda”, diz.
Anielle prefere não tecer especulações sobre quem estará por trás da morte da irmã. Mas acha que foi morta “porque estava a incomodar muito“. “Posso estar enganada, pode ter sido só maldade. Mas acho que viram que ela saiu lá de baixo e estava ali, a vencer, a ganhar voz, visibilidade, a ir a tudo o que é canto para falar, defender as suas causas, conseguindo aglomerar mais gente à sua volta”.
“Nunca teve papas na língua. Se ela tivesse que falar, reclamar, falava, sem medo. Acho que viram muito potencial ali e quiseram calá-la antes que ela fosse mais à frente. “Mas eu acredito na Justiça, quero acreditar que vão conseguir solucionar o caso. Eu preciso de acreditar”, conclui.