O líder do PSD afirmou, esta terça-feira, que não vai mudar de opinião relativamente à possibilidade de um referendo sobre a eutanásia. “Posso ficar sozinho e já fiquei algumas vezes na vida, mas não mudo.”
Esta terça-feira, num artigo de opinião publicado no jornal Público, o eurodeputado Paulo Rangel apelou ao seu partido que aproveite o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) à eutanásia para relançar o tema do referendo.
“Aqui faço uma vez mais um apelo ao PSD e ao seu Grupo Parlamentar: há uma oportunidade única para relançar o referendo. Não o digo apenas porque sempre o defendi ou porque há uma moção aprovada em Congresso que o reclamou. Mas sim porque esta decisão, ao balizar a questão jurídica, torna flagrante a necessidade de uma escolha política, que diz de tal modo respeito à interioridade da pessoa e das pessoas, que justifica e merece a validação ou não validação em referendo”, pode ler-se.
No mesmo dia, na conferência de imprensa conjunta com o presidente do CDS a propósito da assinatura do acordo autárquico entre os dois partidos, o líder do PSD respondeu que não vai mudar de posição.
“Não vale a pena fazer-me perguntas deste género, se mudo a minha posição. Em questões de convicção, posso ficar sozinho, e já fiquei algumas vezes na vida, mas não mudo. Só assim é que faz sentido estar na vida, não é só na política”, disse Rui Rio, citado pelo semanário Expresso.
Já sobre a lei em si, que o Presidente da República vetou poucas horas depois de o TC ter anunciado a sua decisão, o social-democrata referiu que está agora nas mãos do Parlamento.
“Penso que a Assembleia da República e todos os deputados individualmente respeitam a decisão do Tribunal Constitucional, compete à Assembleia dar a resposta que a maioria que se forma em torno de cada uma das matérias, neste caso a eutanásia, entenda dever dar”, afirmou.
Em declarações ao mesmo jornal, os deputados que são favoráveis à despenalização e que trabalharam no diploma estão confiantes que vai ser possível levar esta questão a bom porto.
“Foi muito positivo o facto de o acórdão se ter pronunciado sobre outras questões e ficou claro que não há incompatibilidade entre esta lei e o princípio da inviolabilidade da vida humana”, disse a socialista Isabel Moreira.
José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, também considera, depois da leitura do acórdão, que “não há margem para dizer que ‘vai tudo pelo cano abaixo'”. Há apenas mais caminho a fazer.
“A questão é sermos capazes de criar uma redação para aquela maioria de juízes que seja satisfatória”, disse o deputado bloquista, admitindo, porém, que “não é fácil”.
“Os juízes disseram que há uma indeterminação grande, por isso temos de ser mais específicos. Mas também apontam pistas, ao nível do direito e do direito comparado, para trabalharmos numa densificação do conceito”, acrescenta a deputada do PS ao jornal.
A “inspiração espanhola” (a lei do país vizinho atribui conceitos mais precisos na parte da lesão definitiva), referida pelos juízes na parte final do acórdão, pode ser “uma hipótese”, mas “não há vias fechadas”, disse ainda Pureza.
Certo é que os deputados não querem adiantar prazos. “Vamos ter de estudar, redigir, re-redigir e re-re-redigir. Vamos levar o tempo que for preciso“, disse ainda o bloquista.
Recorde-se que, dos 11 juízes do Tribunal Constitucional, sete votaram pela inconstitucionalidade, mas apenas quatro argumentaram pela inviolabilidade da vida humana.
Bastonário diz que TC “podia ter ido mais longe”
“Um dossier tão complexo e tão vasto quanto este, acho que a decisão do Tribunal Constitucional foi uma decisão correta, mas podia ter ido mais longe“, afirmou à agência Lusa o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães, aludindo à questão do “sofrimento intolerável”.
Relativamente a este tema, o Tribunal Constitucional não colocou nenhuma questão, deixando-o para a decisão médica: “Não são os médicos que decidem ou que conhecem o sofrimento do doente, é o próprio doente. Era bom que o Tribunal Constitucional tivesse avaliado isto de outra forma e se calhar falasse com alguns médicos para perceber como é que se avalia o sofrimento”.
“Mas, no global, a decisão do Tribunal Constitucional parece-nos correta, é uma boa decisão que vai de certa forma obrigar a Assembleia da República a apresentar um diploma em que algumas destas questões” que foram chumbadas possam ser mudadas.
Segundo Miguel Guimarães, “os termos que foram apresentados na lei são completamente imprecisos, dão para tudo, e mesmo assim foi melhorada relativamente aos projetos de lei” iniciais.
O que a OM verificou é que “os juízes consideraram de facto imprecisas as condições para a eutanásia”. “Estas questões da vida ou de morte nunca são fáceis, sobretudo, as questões da morte que a gente conhece menos”, sendo, por isso, difícil “tornar precisas doenças em que pode ser utilizada a eutanásia”.
“Mas, de qualquer forma, os juízes do Tribunal Constitucional abrem a porta à despenalização futura”, disse, destacando a frase do presidente do TC, João Caupers, em que afirma: “O direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias”. “A lei vai para trás, mas deixa uma porta aberta para a despenalização futura”, salientou.
Contudo, para o bastonário, “a lei da eutanásia pode esperar” devido ao momento que o mundo atravessa, em que é “preciso tratar as pessoas que não querem morrer, e que são muitas”.
“Numa altura em que estamos na maior pandemia da história recente é o tempo da vida, é o tempo de investimento em cuidados de saúde e é o tempo de respeito pela dignidade humana e isto é absolutamente fundamental neste momento”, disse.
Por isso, defendeu, “era fundamental que todos nos concentrássemos em criar as melhores condições possíveis a nível do sistema de saúde para conseguirmos salvar o máximo de vidas possíveis, para concretizar o plano de vacinação, respeitando obviamente todas as pessoas e sobretudo aquilo que é a dignidade humana que está consagrada na Constituição”.
ZAP // Lusa