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Marcelo já vetou lei da eutanásia. Direita celebra, PS promete voltar à carga

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António Cotrim / Lusa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa

Poucas horas depois depois de o Tribunal Constitucional ter anunciado que chumbara a lei que despenalizava a eutanásia, Marcelo Rebelo de Sousa vetou-a. A direita celebra o veto, enquanto a esquerda promete mudar a lei e fazê-la regressar ao Parlamento.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou esta segunda-feira o diploma do Parlamento que despenaliza a antecipação da morte medicamente assistida, por inconstitucionalidade.

“Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional de hoje, que considerou inconstitucionais normas do diploma submetido a fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da Constituição, o Decreto da Assembleia da República que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal”, lê-se num comunicado publicado no site da Presidência.

De acordo com o Expresso, Isabel Moreira, deputada do PS e uma das redatoras do texto da morte medicamente assistida, assegurou que o Parlamento vai voltar a “trilhar numa nova redação da lei de forma a poder chegar a um diploma que vá ao encontro à decisão do Tribunal Constitucional”.

A socialista sublinhou ainda o facto de o Tribunal Constitucional não ter visto “qualquer incompatibilidade entre despenalização de eutanásia e proteção da vida humana”.

“A dúvida que o TC suscitou e que levou à inconstitucionalidade diz respeito à lesão definitiva e de gravidade extrema”, realçou Isabel Moreira, acrescentando que “o TC disse que despenalização [da eutanásia] é possível e não viola direito à vida“.

Do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, enfatizou o mesmo ponto, argumentando que o TC diz que “não há uma incompatibilidade de princípio entre a inviolabilidade da vida humana e despenalização da morte assistida”, mas sim que “é preciso é dar maior concretização e densificação a um aspeto muito específico, o da lesão definitiva”.

Citado pelo Observador, o deputado considera que agora é a altura de trabalhar um novo diploma, “rigoroso, prudente mas também determinado na despenalização”.

O PCP, que chumbou a lei da eutanásia, “não tenciona tomar nenhuma iniciativa relativamente à alteração do texto que foi aprovado por maioria”. O deputado António Filipe considera ser “difícil encontrar solução legislativa compatível com posição do TC”.

Pelo contrário, o PAN disse estar disponível para trabalhar numa “resposta conjunta” que venha a colmatar as questões colocadas em cima da mesa pelo TC.

À direita, celebra-se a decisão do Tribunal Constitucional. Paulo Mota Pinto, do PSD, considera que a posição do TC se trata de uma “decisão equilibrada e positiva“, mas diz ser preciso esperar uma nova iniciativa dos partidos que apresentaram propostas no passado, e perceber, “consoante as iniciativas, se é possível ou não eliminar inconstitucionalidade”.

Francisco Rodrigues dos Santos, líder centrista, disse que a decisão do TC veio comprovar que a lei da eutanásia “viola a Constituição, como o CDS sempre alertou“. O Chega também saúda a decisão do Tribunal Constitucional.

Já o Iniciativa Liberal considerou que o TC confirmou que “é possível enquadrar constitucionalmente legislação relativa à antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa” e que as dúvidas do Presidente “deverão agora ser ponderadas pela Assembleia da República com vista a ultrapassar as objeções ora colocadas”.

Pistas para ultrapassar inconstitucionalidade

O Tribunal Constitucional aponta pistas para ultrapassar as reservas à definição de “lesão definitiva de gravidade extrema” dando o exemplo das soluções da lei espanhola.

No acórdão, de mais de 120 páginas, é sublinhada a necessidade de uma lei para a despenalização da morte medicamente assistida ter de ser “clara, de modo a permitir um juízo igualmente claro quanto à respetiva legitimidade constitucional”, para não pôr em causa a “inviolabilidade da vida humana”, consagrada na Constituição.

Segundo os juízes, os partidos podiam ter utilizado “outros conceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plasticidade, seriam prontamente apreensíveis quando associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável”.

O texto refere o exemplo da “lesão incapacitante ou que coloque o lesado em situação de dependência”, definida na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, base II, alínea i).

Esta lesão era definida como “a situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença incurável e ou grave em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária”.

A seguir, são citadas as justificações da lei da eutanásia em Espanha – ainda em processo de conclusão – e que é citada no original, em castelhano.

Aí, é definido um “sofrimento grave, crónico e impossibilitante” que tem, no doente, um impacto “sobre a sua autonomia física e atividades da vida diária, de maneira que não pode valer-se a si mesma, assim como sobre a sua capacidade de expressão e relação, associado a um sofrimento físico ou psíquico constante e intolerável”, havendo, “com segurança ou grande probabilidade, que tais “limitações persistam no tempo sem possibilidade de cura e melhoras apreciáveis”.

Em alguns casos, este “sofrimento grave, crónico e impossibilitante” pode “presumir a dependência absoluta de apoio tecnológico”, ainda segundo o diploma espanhol.

No acórdão, são ainda dados exemplos de “uma mais cuidada e fina densificação dos conceitos (indeterminados)” que, em si mesmos, são constitucionais.

É o caso do direito penal e o direito civil, “no que se refere à avaliação de incapacidades por acidentes de trabalho ou doença profissional e à avaliação da incapacidade e do dano corporal em direto civil, para efetivação do direito à reparação, em casos de sinistro, doença ou lesão”.

Para o TC é “possível, desejável e exigível uma maior densificação” quanto ao conceito de ‘gravidade extrema’ da lesão, “designadamente por referência às lesões corporais e às lesões funcionais” e quanto à “afetação da capacidade, temporária ou permanente para o trabalho”.

Liliana Malainho, ZAP // Lusa

11 Comments

    • Há de me explicar o que há de “como deve ser” em querer decidir sobre o destino que OUTRA pessoa queira dar à sua própria vida, em caso de doença e sofrimento extremos. descanse ue a eutanásia acba por passar como é bem de ver num estado de Direito.

      Alguém além da própria pessoa te o direito de decidir por ela o que faz à sua vida. É esse tipo de autoritarismo que agrada à direita e também `esquerda identitárias. Eu sendo um profundo liberal social (não um neo-liberal económico), sou totalmente a favor da eutanásia quando decidida pelo próprio… E irá passar na lei!

    • Qual é o seu interesse em impedir que outros pratiquem a eutanásia? Ainda não percebi qual é a lógica desse pensamento. Eu não gosto de praticar desporto de poltrona (ver a bola, etc.), nem de comer arroz de cabidela, ninguém me vai obrigar a isso, mas não proíbo que outros o façam. Se você não quer eutanásia para si e para a sua família, muito bem, ninguém o obriga, agora não se meta é na vida e morte alheias…

  1. Os padrecos do CDS e os “museus” do PCP são a “direita”?!
    É uma questão de tempo (e de civilização) até a eutanásia ser aprovada e, já ontem era tarde!…

  2. Admira-me aceitarem tão bem a lei do aborto que é decidir a vida de alguém sem que ela tenha direito de se pronunciar pelos motivos óbvios e não deixarem uma pessoa no seu direito de escolha à sua dignidade. (assim como as mulheres dizem que o aborto passa pela dignidade de direito de escolha da mulher sobre o seu corpo).

    Uma democracia com duas medidas diferentes relativas á vida humana.

  3. Muito espertinho, este Marcelo. Desde o princípio que ele queria vetar esta lei. Deu a entender que ia aprová-la para não perder votos do eleitorado do centro-esquerda, e depois tirou este coelho podre da cartola, para agradar à padralhada e ao seu eleitorado de direita. A lei estava muito bem redigida. As dúvidas que ele tem quanto a “lesão definitiva e de gravidade extrema” são uma falácia. Se calhar quer que a lei enumere todas as “lesões definitivas e de gravidade extrema” contempladas numa situação clínica?! Se quer, é parvo. Isso terá de ser determinado, em cada caso específico, pelos médicos que estiverem a tratar o doente que peça a eutanásia. Estes juristas têm a mania de meter a foice em seara alheia e depois dá asneira.

    Quanto ao PCP, mais uma vez demonstra o seu moralismo serôdio e pequeno-burguês, ao boicotar a eutanásia em Portugal, e fazendo o jogo da extrema-direita, da beatada e dos capitalistas dos cuidados paliativos só para ricos. Se calhar o Jerónimo está com medo de ser eutanasiado, tão agarrado que está ao poleiro, sem deixar que gente com maior capacidade do que ele e com mentalidade mais arejada o substitua. Nos assuntos “fracturantes”, só tem cedido em alguns por causa da concorrência do Bloco de Esquerda. Cedeu (sabe-se lá com que azia) à questão dos direitos dos homossexuais (até porque tem tido muitos deles e delas nas suas fileiras ou redondezas — Fogaças, Lopes Graças, Andrades, Carvalhos, Arys, Osórios, Pintassilgos, etc. — , e seria escandaloso se o não fizesse…), mas quando a porca torce o rabo, põe-se de fora, como quando se absteve de condenar a homofobia na Chechénia, sempre leais que são ao antigo patrão, não vá o diabo tecê-las! (ou será que continuam a ser subsidiados pela ex-URSS e nós não sabemos?) Na questão da legalização da canábis e da eutanásia, como seria inevitável, mostraram o que realmente são: uns totalitários e uns opressores. Ou seja, se estivessem no poder, nem canábis nem eutanásia para ninguém. E quanto aos da “vida alternativa”, certamente depois dariam o dito por não dito.

  4. …é uma pena que não tenhamos em conta qual é o verdadeiro sentido da VIDA, sobretudo da VIDA HUMANA! E que não tenhamos em conta também o que representa uma Lei, sobretudo na mão de um Governo de uma Nação!….

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