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Entrevista: “As crianças devem saber que há guerra. A fantasia pode ser muito mais dramática do que a realidade”

3m's / Facebook

A psicóloga Tânia Correia comenta com o ZAP que também os adultos devem falar e demonstrar as suas emoções. Comportamentos podem mudar nestes dias.

Falar sobre a guerra com crianças. Sim? Não? Só parcialmente? Estas questões deverão estar a rodear as cabeças de mães e pais desde a quinta-feira passada, dia do início da invasão russa à Ucrânia.

Tânia Correia é psicóloga e autora do blogue 3m’s: menina, mulher, mãe (o título do seu primeiro livro); e aceitou falar com o ZAP sobre este assunto sensível e importante.

ZAP – Referes numa publicação recente que acredita-se que não é necessário contar às crianças que há uma guerra, que devemos evitar magoar as crianças por causa deste assunto. Mas garantes que isso não é verdade. É necessário contar? É preciso as crianças passarem por um banho de realidade?
Tânia Correia – Elas vão acabar por ter acesso: vêem numa televisão, um colega fala… Acabam por se aperceber. Ainda hoje soube do caso de uma mãe que tentou proteger a filha das informações sobre a guerra mas, durante um jogo de futebol, uma colega de equipa dedicou o golo à Ucrânia. A criança ficou a pensar: “O que se passa aqui?”. Elas ouvem uma conversa que não percebem o teor e depois não partilham, por algum motivo; começam a criar cenários sem falar. E isso pode ser muito mais preocupante do que a realidade.

ZAP – É preocupante quando não falam?
Tânia – Nós temos três tipos de cérebros: reptiliano (instinto, sobrevivência), límbico (emocional) e o neocórtex (racional). E é neste cérebro racional que as crianças recebem informação mas não conseguem formar lógica, nem estão preparadas para isso. Têm o conteúdo mas não têm a lógica. Por isso, nesse momento, fica um espaço em aberto. E a criança preenche esse espaço em aberto com fantasia – que pode ser muito mais dramática do que a realidade. Além disso, se a criança começa a ver que os pais escondem emoções, se os pais escondem o que lhes abala, vai começar a fazer o mesmo. Não partilha.

ZAP – E aí o comportamento das crianças muda? Pode mudar durante a guerra? E por causa dela.
Tânia – Exactamente. Por causa da guerra ou por causa de outro acontecimento imprevisível. O comportamento altera-se, a criança começa a atirar tudo para o chão e os pais não percebem porquê. As crianças têm uma maior necessidade de previsibilidade. Repara que a pandemia retirou isso: as rotinas mudaram, a previsibilidade foi-se. E agora, se o assunto não for trabalhado, a guerra pode ser mais difícil para as crianças processarem. É algo imprevisível para as crianças. Fica criada uma confusão: algo não está certo mas não têm acesso ao que é.

ZAP – As crianças observam e reparam que algo está diferente, mesmo antes de lhes contarmos?
Tânia – Sim. Nos primeiros tempos as crianças não falam. Mas observam. Vão desenvolvendo muito, vão aprimorando muito a sua capacidade de observação. São muito perspicazes.

ZAP – Também no teu texto referes que devemos desconstruir antes de construir. Antes de contar, devemos perguntar à criança o que ela sabe?
Tânia – É muito mais fácil partirmos do que ela sabe. Temos uma estrutura base, sólida. Impor informação, atirar informação, pode criar confusão.

ZAP – Consideras que o adulto deve ser realista ao falar sobre a guerra mas, ao mesmo tempo, deve assegurar à criança que ela está protegida. Ou seja: não devemos protegê-la da informação mas devemos confirmar que ela está protegida do conflito?
Tânia – A maior parte das crianças já tem a tendência de perguntar “e nós?”. Caso não o faça, os pais devem chegar-se à frente e explicar tudo. Explicar bem o conceito de um país, de guerra, dizer que não está a haver entendimento, explicar que são grupos de pessoas que querem coisas diferentes mas que não conseguem entender-se. Por isso, avançaram para outra via, a guerra. Mas devemos dizer que estamos protegidos. Não estamos indiferentes. Mas estamos bem.

ZAP – É importante deixar a frase: “Sempre que quiseres falar ou perguntar…”?
Tânia – Sobretudo se o assunto provocar activação emocional nos pais; se os pais ficarem tristes, ou com medo. Se a criança vê que o adulto fica desconfortável, não vai voltar ao assunto. Se o adulto não se abrir, se não falar sobre isso, a criança não voltará a falar sobre aquilo, ao reparar que o assunto incomoda o adulto. É fundamental deixar a porta aberta para falar.

ZAP – E as imagens na televisão? Guerra, sofrimento, choro. As crianças podem ver ou evita-se?
Tânia – Evita-se. Elas não têm capacidade emocional nem cognitiva para processar essa intensidade. Não as organiza. Pelo contrário.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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