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Miguel Ângelo lamenta num concerto a pertinência daquela letra nos dias que correm. “Será sempre assim”…?
Há sempre um piano
Um piano selvagem
Que nos gela o coração
E nos traz a imagem
Daquele Inverno
Naquele inferno
Miguel Ângelo estava num concerto dos Delfins no passado dia 21 de Junho, em Leça do Balio (Matosinhos), quando anunciou a música seguinte desta forma: “Até nos custa dizer isto…”.
O vocalista e letrista lamentava a actualidade da letra de Aquele Inverno.
O poema foi escrito em 1988 e é a terceira faixa do lado A do álbum lançado no mesmo ano: U outro lado existe.
Como habitual, a música foi criada por Miguel Ângelo e Fernando Cunha. A letra era clara – era sobre a Guerra Colonial.
Recuperava as memórias que “gelam o coração”, as imagens “daquele Inverno e naquele inferno”. Os traumas que vieram de África.
Há sempre a lembrança
De um olhar a sangrar
De um soldado perdido
Em terras do Ultramar
Por obrigação
Aquela missão
As lembranças dos traumas, que ficaram sobretudo no “soldado perdido em terras do Ultramar”, que iam para aquela missão por obrigação – tal como hoje acontece noutros locais do planeta.
Combater a selva sem saber porquê
E sentir o inferno a matar alguém
E quem regressou
Guarda a sensação
Que lutou numa guerra sem razão
Muitos soldados – na altura portugueses, hoje de outras nacionalidades – iam para a guerra “sem saber porquê”. Mas rapidamente sabiam o que era “matar alguém”. Depois voltavam com “a sensação” de que estiveram “numa guerra sem razão”.
Há sempre a palavra
A palavra “nação”
Os chefes trazem e usam
Para esconder a razão
Da sua vontade
Aquela verdade
O argumento do general Paiva Brandão (entre muitos outros) era claro: “Tudo valerá a pena quando está em causa a segurança das populações e o desenvolvimento dos territórios da nação”. A “nação” era – e é – um argumento forte para os “chefes”.
E para eles aquele inverno
Será sempre o mesmo inferno
Que ninguém poderá esquecer
Ter que matar ou morrer
Ao sabor do vento
Naquele tormento
Traumas que ficam. Porque, afinal, quem é que consegue esquecer “ter que matar ou morrer”?
Perguntei ao céu: será sempre assim?
Poderá o inverno nunca ter um fim?
Não sei responder
Só talvez lembrar
O que alguém que voltou a veio contar… recordar…
Recordar…
E são traumas que os afectados nunca sabem se terão um fim. Mas convém “contar, recordar” – para não nos esquecermos do passado.
A Guerra Colonial, que decorreu entre 1961 e 1974, terá provocado a morte de quase 10 mil pessoas, ferido 30 mil e deixar 140 mil ex-combatentes com distúrbio pós-traumático do stress de guerra.
Hoje, lamentou Miguel Ângelo: “Basta pensarmos na Ucrânia, em Gaza, no Irão…” – e o espectáculo tem de continuar.
Guerra na Ucrânia
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“Até nos custa dizer isto”: Aquele Inverno (Delfins) é sobre a Guerra Colonial – mas tão actualTambém em: Guerra no Médio Oriente