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“Clientes malucos tiraram pão da minha mão!”: ser repositora em dia de apagão

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Christopher Corneschi / Wikimedia

“Pareceu os primeiros dias da COVID, fez-me lembrar aqueles dias de medo”. O dia de Leonor não foi fácil: “Falta de civismo incrível!”.

O apagão geral originou um dia diferente para muitos portugueses. Já espreitámos um pouco como foi o dia nos transportes, ou um episódio a envolver uma carrinha do INEM, ou mesmo como foi casar nesse dia.

E como terá sido o dia de uma repositora de um grande supermercado? Leonor, nome fictício, dá-nos a resposta: “Foi muito complicado, super cansativo. Aquele dia e os dias seguintes”.

Leonor pensava que a manhã daquela segunda-feira iria ser tranquila. Ela e as colegas iriam aproveitar a manhã (supostamente) calma para recuperar nas reposições.

Era uma manhã em que só estavam três funcionários na reposição – e isso seria um problema logo a seguir.

“De repente, do nada, começámos a ver povo, mais povo, e mais povo… E sem entendermos. Porque não nos apercebemos do que se estava a passar lá fora”.

Houve algo que lhe chamou a atenção: “Os clientes começaram a levar muito pão de forma e a passar nas caixas com muita água” – além de batatas fritas, conservas ou atum.

Algo se passava.

Após conversas com colegas de trabalho e com clientes, conseguiu perceber: não havia luz.

Parecia que a pandemia estava de volta em força: “Tornou-se complicado. Pareceu aqueles primeiros dias da COVID: fez-me bastante lembrar isso, fez-me relembrar aqueles dias de medo, em que eu não queria que as pessoas me tocassem, não queria estar perto das pessoas – mas as pessoas insistiam em estar à nossa volta. Eram malcriadas, arrogantes. Parecia mesmo a COVID; só não havia máscaras, e as pessoas levaram água em vez de papel higiénico”.

Foi chamada para as caixas, onde o ambiente já tinha aquecido, mas nem foi – porque os corredores tinham um ambiente igual ou pior: “Acabei por responder torto a algumas clientes que achavam que nós tínhamos a obrigação de ter as prateleiras cheias de feijões, atum… Nós não estávamos a conseguir dar vazão”.

“Acha que tenho braços mecânicos!?”, perguntou Leonor a uma cliente.

A manhã não estava a ser calma, afinal: “As linhas de caixa completamente atulhadas, funcionários que não iam para caixa há anos voltaram à caixa, depois falhou o MBWay e aí a confusão gerou-se”.

Sorte: excesso de material no armazém.

Problema: colocar esse material nas prateleiras.

Solução: “Chegámos ao ponto de ir buscar as paletes e abandoná-las no meio do corredor. Quem quisesse, que tirasse. Nem nos demos ao trabalho de colocar as coisas nas prateleiras – porque nem nos deixavam. Tiravam-nos as coisas das mãos”.

Eu estava a tentar repor o pão de forma e as pessoas arrancavam-me o pão de forma das mãos. Eu disse ao meu colega: abandona as paletes aqui no meio da loja e vamos embora. Quem quiser, que tire das caixas, que não estou para levar com estes malucos. Já me bastou a COVID“, relata Leonor.

No meio, a funcionária ainda acha “piada” – sem piada nenhuma – a um momento, numa pequena conversa com uma cliente: “Ela perguntou-me ‘Amanhã vocês vão abrir? Estão a dizer na televisão que vamos ficar sem luz durante 48h’ – quer dizer… Se a senhora não sabe, nós não sabemos. É uma incógnita. Nem sabemos se vamos estar abertos daqui a uma hora”.

A cliente insistiu: “Ah, porque se estiverem abertos, venho amanhã às compras em vez de vir hoje”.

Leonor respondeu: “Vá chatear o raio que a parta. Porque… Não dá. As pessoas têm uma falta de civismo incrível. Incrível!”

Mais tarde, depois das 15h, a entrada de clientes começou a ser controlada, numa altura em que já quase não havia água lá dentro.

Ao vir embora, outro momento diferente: Leonor passou por um centro comercial e viu que funcionárias de diversas lojas tiraram o material que estava à entrada das lojas, com medo de pilhagens.

“É mais uma história para um dia contarmos aos nossos netos, quem sabe?”.

No dia seguinte, terça-feira, alguns clientes apareceram para… devolver produtos: “Houve um cliente que levou 100 latas de atum e veio devolver. Vieram devolver água e alguns enlatados. Não aceitamos a devolução do pão de forma”, avisou.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

1 Comment

  1. È só doidos à solta…a sociedade atual está podre…num caso de calamidade nem a serie de ficcao da netflix “the last of us” que retrata um periodo apocaliptico, nem lá perto chegaram…em caso real seria certamente 100,1000, 1 milhao de vezes bem pior, e isto foi só um pequeno exemplo….

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