Exorcismos dos filmes têm “erros teológicos” graves

Warner Bros. Pictures

Frame do filme "O Exorcista", de 1973.

Frame do filme “O Exorcista”, de 1973.

Subgénero lucrativo do terror, o exorcismo está de volta aos ecrãs com “O Ritual”, com Al Pacino. Mas o que dizem padres experientes na prática sobre os enredos de “possessão demoníaca” que continuam a encher salas de cinema?

O escritor e cineasta William Peter Blatty ainda frequentava a Universidade de Georgetown, em Washington (EUA), quando ouviu, pela primeira vez, a história de um rapaz de 14 anos que teria sido vítima de uma “possessão demoníaca”. Foi durante uma aula de literatura e filosofia escolástica dada pelo padre Eugene B. Gallagher.

O caso envolvia Ronald Edwin Hunkeler, na cidade de Mount Rainier, no estado norte-americano de Maryland, e durou 94 dias – começou a 15 de janeiro de 1949 e terminou a 19 de abril. Ao longo de três meses, teriam sido testemunhados fenómenos inexplicáveis no número 3.210 da Bunker Hill Road: o colchão onde o rapaz dormia agitava-se durante a noite, uma poltrona pesada movia-se de um lado para o outro e um frio glaciar invadia o quarto.

A 16 de março, dois padres jesuítas, William Bowdern e Raymond Bishop, por indicação do arcebispo Joseph Ritter, foram chamados para expulsar o demónio do corpo do rapaz.

Posso garantir uma coisa: este caso era mesmo real”, declarou Bowdern no livro William Peter Blatty on The Exorcist: From Novel to Film, de 1974. “Não tive a menor sombra de dúvida na altura e continuo sem a ter.”

O tempo passou, mas Blatty não conseguiu esquecer o que ouvira naquele dia em aula. A princípio, pensou escrever um livro baseado no caso, mas foi desaconselhado pelo arcebispo: a família não queria publicidade. Assim, decidiu transformar a história numa obra de ficção.

Em vez de Mount Rainier, em Maryland, o romance passaria a decorrer em Georgetown, em Washington. Em vez de Ronald Edwin Hunkeler, de 14 anos, a protagonista seria Regan MacNeil, de 12. Os nomes dos padres exorcistas também foram alterados: de William Bowdern e Raymond Bishop para Lankester Merrin e Damien Karras.

Intitulado O Exorcista, o livro foi publicado a 5 de maio de 1971 e os direitos foram logo adquiridos pela Warner Bros. O estúdio chegou a negociar com Stanley Kubrick, Arthur Penn e Mike Nichols, entre outros realizadores, mas todos recusaram a proposta por diferentes razões. Por fim, fechou com William Friedkin.

No livro O Exorcista – Segredos e Devoção o crítico de cinema britânico Mark Kermode aponta algumas das idiossincrasias do realizador, como disparar armas de fogo no set, repetir a mesma cena dezenas de vezes e, para obter atuações convincentes dos atores, chegar ao ponto de lhes dar estalos. “A rodagem demorou mais do que o previsto e custou infinitamente mais do que o planeado”, resume.

Com argumento do próprio Blatty, O Exorcista estreou a 26 de dezembro de 1973. Custou 12 milhões de dólares e rendeu 402 milhões de dólares.

“Foi um murro no estômago”, descreve o jornalista americano Peter Biskind. “Os cinemas tinham caixotes do lixo à mão para acudir quem não conseguia manter o jantar no estômago.”

Nascia ali um género: o dos filmes de possessão. Só o original de Blatty inspirou seis longas-metragens e uma série televisiva.

Porque é que os filmes de exorcismo fazem tanto sucesso?

Este mês, estreia O Ritual, de David Midell. Depois de Max Von Sydow, Anthony Hopkins e Russell Crowe interpretarem padres em O Exorcista* (1973), O Ritual (2011) e O Exorcista do Papa (2023), entre outros, é agora Al Pacino quem veste a batina.

Mas por que motivo os filmes de exorcismo, a julgar pela sua infinidade, continuam a ter tanto êxito?

“Por um lado, há falta de conhecimento teológico. Por outro, há uma curiosidade mórbida pelo ocultismo”, avalia monsenhor Rubens Miraglia Zani, doutorado em direito canónico pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, e pároco da Igreja Maronita Nossa Senhora do Líbano, em Bauru. Com 61 anos e 12 de ministério, é um dos mais experientes exorcistas do Brasil.

“A maioria dos filmes sobre possessão é fantasiosa. Comete erros teológicos graves, apresenta uma visão distorcida do fenómeno e preocupa-se mais em assustar o público do que em qualquer outra coisa”, afirma Zani, autor de cursos sobre o tema.

Aos apreciadores do género, recomenda dois filmes que, do ponto de vista teológico, considera mais fiéis: O Exorcismo de Emily Rose (2005), de Scott Derrickson, e Nefarious (2023), de Cary Solomon e Chuck Konzelman.

No primeiro, uma advogada é contratada para defender um padre acusado de homicídio negligente na morte de Emily Rose (Jennifer Carpenter), vítima de um exorcismo mal sucedido. No segundo, um psiquiatra é incumbido por um juiz de avaliar a sanidade mental de Edward Wayne Brady (Sean Patrick Flanery), um assassino em série condenado à morte.

O que têm esses filmes em comum com O Exorcista? Consultoria técnica de sacerdotes especializados. Durante as filmagens do clássico de 1973, William Friedkin ouviu os reverendos John Nicola, Thomas Bermingham e William O’Malley, todos jesuítas. No caso de O Exorcismo de Emily Rose, a consultoria técnica foi do padre John George; no de Nefarious, do reverendo Darrin Merlino.

O Exorcismo de Emily Rose é baseado numa história verídica: a da estudante alemã Anna Elisabeth Michel. Supostamente “possuída por demónios”, morreu em 1976, com 23 anos, após ser submetida a 67 sessões de exorcismo, algumas com até quatro horas de duração, realizadas pelos padres Ernest Alt e Arnold Renz.

O caso foi parar aos tribunais: acusados de homicídio negligente, tanto os pais da jovem como os padres envolvidos foram condenados a seis meses de prisão. No entanto, os quatro acabaram por sair em liberdade condicional.

Além de O Exorcismo de Emily Rose, o caso de Anneliese Michel inspirou o filme Requiem (2006), de Hans-Christian Schmid, e o livro Anneliese Michel – A Verdadeira História de Um Caso de Possessão Demoníaca (2021), do padre José Antonio Fortea e Lawrence LeBlanc.

Já Nefarious, de Cary Solomon e Chuck Konzelman, é inspirado numa obra de ficção: o livro *Nefarious – O Plano Maligno* (2016), de Steve Deace.

// DW

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