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Três das principais razões pelas quais as pessoas escolhem o veganismo têm um paralelo assinalável com a recusa em usar Inteligência Artificial.
As novas tecnologias geralmente seguem o ciclo de vida da adoção tecnológica: inovadores e adotantes precoces correm para abraçar novas tecnologias, enquanto retardatários e céticos aderem muito mais tarde.
À primeira vista, parece que a Inteligência Artificial está a seguir o mesmo padrão, mas novos estudos sugerem que pode na verdade estar a seguir um curso diferente — com implicações significativas nos negócios, educação e sociedade.
Este fenómeno tem sido frequentemente descrito como “hesitação face à IA” ou “relutância face à IA”, explica a Fast Company.
A curva de adoção típica assume que uma pessoa hesitante ou relutante em abraçar uma tecnologia acabará por fazê-lo de qualquer forma. Este padrão repetiu-se vezes sem conta. Porque seria a IA diferente?
Estudos recentes sobre as razões por trás da hesitação face à IA, no entanto, sugerem que há dinâmicas diferentes em jogo, que podem alterar o ciclo de adoção tradicional.
Por exemplo, um estudo recentemente permitiu descobrir que, embora algumas causas desta hesitação espelhem de perto as de tecnologias anteriores, outras razões apenas se manifestam na IA.
Assim, pode haver uma melhor analogia para este fenómeno: o Veganismo.
Veganismo de IA
A ideia de um “Vegano de IA” é alguém que se abstém de usar IA, da mesma forma que um vegano é alguém que se abstém de comer produtos derivados de animais. Geralmente, as diferentes razões pelas quais uma dada pessoa escolhe o veganismo não desaparecem automaticamente com o tempo.
Ao contrário de muitas outras tecnologias, é importante não assumir que céticos e retardatários acabarão por se tornar adotantes. Muitos dos que se recusam a abraçar a IA encaixam-se no arquétipo tradicional de um adotante precoce.
O estudo sobre hesitação face à IA focou-se em estudantes universitários — que estão frequentemente entre os primeiros grupos demográficos a adotar novas tecnologias.
Há algum precedente histórico para esta analogia. Por trás do ecrã, a IA é apenas um conjunto de algoritmos.
A aversão aos algorítmos é um fenómeno bem conhecido: os humanos têm preconceitos contra a tomada algorítmica de decisões — mesmo quando se mostra mais eficaz.
Por exemplo, as pessoas preferem conselhos de namoro de humanos em vez de conselhos de algoritmos, mesmo quando os algoritmos têm melhor desempenho.
Mas a analogia ao veganismo aplica-se de outras formas — e um estudo, publicado em 2021 na Science Direct, mostra que três das principais razões que levam as pessoas a escolher o veganismo têm, cada uma delas, um assinalável paralelo na recusa de usar IA.
Preocupações éticas
Uma motivação para o veganismo é a preocupação com a origem ética dos subprodutos animais.
Da mesma forma, estudos descobriram que quando os utilizadores sabem que muitos criadores de conteúdo não consentiram conscientemente que o seu trabalho fosse usado para treinar IA, são mais propensos a evitar usar IA.
Estas preocupações estiveram no centro das greves dos argumentistas e atores de Hollywood em 2023, onde os dois sindicatos exigiam por proteções legais contra empresas que usam obras de criativos para treinar IA sem consentimento ou compensação.
Embora alguns criadores possam estar protegidos por tais acordos comerciais, muitos modelos são treinados no trabalho de criadores amadores, independentes ou freelancers sem estas proteções sistemáticas.
Preocupações ambientais
Uma segunda motivação habitualmente manifestada pelo veganos é a preocupação com o impacto ambiental da agricultura animal intensiva, desde a desflorestação à produção de metano.
A IA devora energia, e estudos recentes mostram que os recursos computacionais necessários para a suportar estão a crescer exponencialmente, aumentando drasticamente a procura de eletricidade e água,
É improvável que melhorias na eficiência consigam diminuir o uso global de energia aplicada à IA, devido ao chamado efeito de ricochete: ganhos de eficiência estimulam novas tecnologias que consomem mais energia.
Em abril, o New York Times deu notícia de um inquérito conduzido junto de estudantes da Universidade de Cambridge, que mostrou quem uma boa parte dos inquiridos se recusavam a usar IA — não porque fosse batota, mas devido às suas preocupação com o uso de água para arrefecer os sistemas informáticos.
Bem-estar pessoal
Uma terceira motivação para adotar o veganismo é a preocupação com possíveis efeitos negativos na saúde de comer animais e produtos animais. Uma potencial preocupação paralela pode estar em jogo no Veganismo de IA.
Um estudo da Microsoft Research publicado em abril na ACM Conferences concluiu que as pessoas que mais confiam no uso da IA generativa mostraram pensamento crítico diminuído.
O inquérito de 2025 da Universidade de Cambridge descobriu também que alguns estudantes evitam a IA por receio de que usá-la os possa tornar preguiçosos.
Não é difícil imaginar que os possíveis efeitos negativos na saúde mental do uso de IA possam impulsionar alguma abstinência de IA — da mesma forma que os possíveis efeitos negativos na saúde física de uma dieta omnívora podem levar alguns ao veganismo.
Como a sociedade reage
O veganismo deu origem a uma indústria dedicada, que dá resposta às necessidades de quem segue essa dieta. Alguns restaurantes apresentam pratos veganos. Alguns fabricantes especializam-se em alimentos veganos.
Poderá dar-se o caso de algumas empresas virem a tentar usar a ausência de IA como argumento de venda para os seus produtos e serviços?
Seria algo semelhante à forma como o DuckDuckGo e a Mozilla Foundation, por exemplo, fornecem motores de busca alternativos e navegadores web com privacidade melhorada como principal característica.
A percentagem de veganos na maior parte dos países ocidentais é bastante diminuta, comparada com a população omnívora. As estimativas apontam para que sejam 4 % da população.
Mas a persistência do veganismo permitiu que um nicho de mercado os servisse. O tempo dirá se o Veganismo de IA se estabelece — e cria novas oportunidades de negócio.