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Estas eleições confirmam: a política não é racional

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José Sena Goulão / LUSA

André Ventura e Luís Montenegro no Parlamento

Propostas, Justiça, carisma. Sousa Franco, Jerónimo de Sousa. Quando a emoção toma conta das escolhas. Não será diferente do futebol.

Um dia trágico na política em Portugal. 9 de Junho de 2004: Sousa Franco morreu durante a campanha, a apenas quatro dias das eleições europeias. O antigo ministro das Finanças era o cabeça-de-lista do PS. Foi substituído por António Costa – e o PS conseguiu uma vitória (ainda) maior com quase 45% dos votos.

Em 2005, a apenas cinco dias das eleições legislativas, realizou-se o único debate televisivo entre os líderes dos cinco partidos que tinham deputados na altura. Jerónimo de Sousa estava rouco, não conseguiu falar na RTP, em directo. A CDU subiu, ultrapassou o CDS e passou a ser o terceiro maior partido na Assembleia da República, com 14 deputados.

Em 2025, a apenas três e cinco dias das eleições legislativas, André Ventura foi para o hospital. As eleições chegam e o Chega consegue o seu melhor resultado de sempre e deve mesmo passar a ser o segundo partido com mais deputados, à frente do PS.

Estamos só a supor: houve aqui o “factor pena”? Em escalas diferentes: a morte de Sousa Franco, um Jerónimo de Sousa sem voz, um André Ventura com pensos e aparentemente fragilizado. Os portugueses, emocionados, tiveram pena do “coitadinho”?

Na noite destas eleições de 2025, ouvi na Antena 1 o comentário: “A política não é racional. É emoção”. Não sei quem disse, não reconheci a voz. Mas essa frase será muito certeira.

Quem ganhou mais
AD e Chega foram os grandes vencedores. Racionalmente, os partidos que levantaram recentemente mais suspeitas (empresariais, económicas ou na Justiça, incluindo arguido e julgamentos nos tribunais) são precisamente AD – por Luís Montenegro – e Chega. Mas o escrutínio, sobretudo da comunicação social, parece não interessar para os eleitores.

A origem
Racionalmente, estas eleições aconteceram porque Luís Montenegro quis que acontecessem. Apresentou uma moção de confiança quando sabia que seria chumbada; sabia que o Governo ia cair. A iniciativa foi do primeiro-ministro. Mas isso não fez a AD cair. Pelo contrário. Parece que a desinformação tantas vezes repetida resultou: a culpa é do PS, que podia ter viabilizado a moção.

E propostas?
O Chega teve o seu melhor dia de sempre. Seria interessante pedir aos eleitores do Chega uma lista de propostas do partido em quem votaram. Teria duas linhas, provavelmente: acabar com a corrupção e expulsar imigrantes. Mas o que interessam as propostas? Os ataques, os insultos e as “bocas” resultam melhor. Insinuar que um cigano ia matar Ventura resulta. O protesto, porque “está tudo mal há 50 anos”. A generalização e a distorção resultam – há um crime cometido por um estrangeiro, sabe-se lá em que freguesia, mas o Chega diz que é assim em todo o país. O discurso do actor André Ventura é emocionante, é forte; consegue convencer quase 1.5 milhões de eleitores. Mesmo que não haja muita racionalidade em várias ideias que lança. E mesmo que não haja… verdade. “A verdade é muito sobrevalorizada!”, disseram-me há poucas semanas. Com ironia.

Votaram em quem?
O Chega elegeu, para já, 58 deputados. Também seria interessante perguntar aos eleitores do Chega se sabem o nome dos outros 57. Conhecem Ventura, pouco mais. Ou mesmo mais ninguém. Seria curioso, por exemplo, perguntar aos eleitores de Beja se sabem quem é Rui Cristina, o deputado do Chega que ganhou no seu distrito. No fundo, perguntar se, racionalmente, conhecem quem elegeram – embora isso também aconteça noutros partidos, diga-se. Mas, desta vez, o Chega nem divulgou as listas de candidatos a deputados. Só entregou nos tribunais respectivos; não colocou no site ou redes sociais, por exemplo. Não sabíamos quem estava a concorrer, nos lugares mais “escondidos”.

Insultos: “Não são só eles!”
Têm-se acumulado relatos de deputados (sobretudo deputadas) que mostram o nível dos insultos, das “bocas”, que circulam nos corredores do Palácio de São Bento. As denúncias vêm do PS, do BE ou do PAN; quase sempre sobre o Chega. E nem é preciso ouvir essas denúncias. Basta ligar a ARTV e ouvir alguns debates, sem comentadores pelo meio; basta ouvir bem o que se diz até durante os debates na Assembleia da República. “Mas sempre houve insultos no Parlamento!”, reagem muitos eleitores. É verdade. Mas o nível é outro agora. Também isto não entra na análise (racional?) dos eleitores.

Perseguições
Não foram só as malas. Os casos à volta de deputados ou dirigentes do Chega acumularam-se ao longo deste ano. Não fez diferença no dia das eleições. Muitos eleitores do Chega dizem que é a comunicação social e a Justiça que perseguem os membros do Chega – mas quando surgem casos sobre elementos de outros partidos, aí já são “os jornalistas e a Justiça a fazerem o seu trabalho”.

Quem tem o ensino superior…
…não vota tanto no Chega. Podia ficar essa ideia logo após estas eleições e as anteriores: quem tem menos instrução, quem está no “Portugal esquecido”, vota mais no Chega. O Polígrafo confirma: o Chega nem atingiu os 10% de votos em freguesias onde há maioria de habitantes com ensino superior completo. Muitos dos eleitores desse tal “Portugal esquecido” acreditam que, já que PS ou PSD não fizeram o que era suposto, vai ser o Chega a fazer tudo, se um dia formar Governo.

Pedro vs. André
Há muitos factores para o país político ter mudado como mudou, neste domingo. E um deles será a falta de carisma dos líderes partidários actuais. Os tempos de Mário Soares, Sá Carneiro, Cavaco, ou mesmo Sócrates, já foram há muito tempo. Quase não há líderes carismáticos. Não soltam emoções. E esse contraste nota-se muito em Pedro Nuno Santos: não cativa, quase não se ri, parece sempre mal-disposto, sempre com a mesma cara, é algo “insosso”. O oposto de Ventura. Curiosamente, aqui entra uma curiosidade – é que o próprio Pedro Nuno admitiu ser algo impulsivo, seguir a emoção e ser menos racional nas decisões. Nessa parte, não resultou.

BE cai, PCP nem por isso
Eram 19 deputados há meia dúzia de anos, agora só será uma deputada. Fala-se menos nisto, mas o Bloco de Esquerda é o partido que mais caiu em Portugal, nos últimos anos. Além do CDS, agora um pouco mais “disfarçado”. Mariana Mortágua não é… emocionante (tal como Rui Rocha na IL, diga-se). Nunca foi. Paulo Raimundo conseguiu evitar uma queda histórica do PCP; e aqui pode ter ajudado o seu sentido de humor, os seus improvisos, o estar à vontade em frente aos microfones. Lá está: emoção. Seja qual for.

O caso Rui Tavares
O Livre foi o único partido à esquerda que subiu. Mas seria interessante os eleitores assistirem aos debates na Assembleia da República (ou na televisão, estes menos frequentes) para verem o real comportamento de Rui Tavares nesses momentos. E depois fazerem – ou tentarem fazer – uma análise racional à situação. Fica a dica.

Hoje de manhã chegou-me uma mensagem de uma militante de esquerda: “Consegui dormir bem (apesar do tombo). Espero é que o país consiga dormir a partir daqui”.

Ontem, às 20h, uma criança de 6 anos reagiu ao que viu numa das primeiras projecções das televisões: “Ó pai! O PS está atrás do Chega…” – e estava quase a chorar. Um adulto até se emociona perante esta análise racional da criança.

André Ventura não tinha pensos no discurso depois das eleições. Nem mostrou qualquer fragilidade. A campanha acabou.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

4 Comments

  1. Bolsonaro e Trump ganharam eleições depois de tentativas de assassinato. Ventura subiu a sua votação depois de duas indisposições. Até nisto este país é pobre!

    • Errado dr. beldroega, o ex-Presidente da República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, ganhou as eleições porque os Brasileiros votaram nele, o Presidente Trump ganhou as eleições porque das três vezes que se candidatou os Norte-Americanos votaram nele e teve uma grande vitória nas eleições de 2024 porque a vontade dos Norte-Americanos no acto eleitoral de 2020 não foi respeitada tendo as eleições sido roubadas colocando o dr. Joe Biden na presidência.
      Comparar o Partido Chega com a situação de Jair Bolsonaro e Donald Trump não faz sentido, os Portugueses não se deixam comer de cebolada, respeitam o facto do dr. André Ventura ter tido duas indisposições e desejaram as melhoras mas não são lorpas, não foi isso que levou a que o Partido Chega tivesse mais votos.
      O Partido Chega consegue aumentar a sua votação não só graças aos votos dos Estrangeiros que estão a ser deslocados para Portugal desde 2012 sem qualquer critério ou justificação para votarem e substituir os votos em falta da Maioria Silenciosa dos Portugueses representados pela Abstenção (https://www.dn.pt/2647201781/brasileiros-em-portugal-mobilizam-se-para-eleicoes-legislativas/), mas também devido aos votos obtidos no Alentejo (onde tem muita força) e Algarve, zonas onde o Partido Socialista e o Partido Comunista Português tinham domínio o que demonstra que votantes do PS e PCP estão a mudar o seu voto para o Partido Chega tendo em conta o enfraquecimento dos dois primeiros e dos quais dependem.

  2. Todas as decisões importantes da vida são irracionais.
    O gosto por uma ou outra área de estudo ou profissão.
    Os namoros, casamentos e divórcios.
    As compras de casa e de carro.
    A forma como se educam os filhos.
    Porque seriam as eleições uma escolha racional?

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