Rita Matias (que tem nome árabe) confessa: Chega não verificou se nomes de crianças eram reais

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Miguel A. Lopes / Lusa

“Não, não me enganei. É mesmo uma lista de uma escola portuguesa” — mas, afinal, Rita Matias não tinha a certeza. Chega já admitiu que não confirmou a lista de nomes estrangeiros de crianças. Há pais muito indignados.

O objetivo era denunciar uma suposta “mudança cultural e civilizacional” a decorrer em Portugal, mas o Chega — que através de André Ventura e Rita Matias leu e releu os nomes de várias crianças, muitos de origem estrangeira, alegadamente de alunos de uma escola portuguesa — não confirmou a veracidade dessa lista.

A confissão veio da própria jovem deputada Rita Matias à Rádio Observador, esta segunda-feira.

O Chega recebeu a lista. Não fez uma confirmação de maior, não fomos ver qual era a escola”, disse Rita Matias no programa. “Aliás, fiquei surpreendida por perceber que a extrema-esquerda é que se deu ao trabalho de ir ver a escola, de divulgar o vídeo ‘n’ vezes. Se não tivessem feito tanto alarido, o vídeo passava absolutamente normal, como tantos vídeos que publicamos diariamente.”

Na mesma tarde, Ventura admitiu o mesmo. Os membros do partido nem sabem a que escola correspondem os nomes que citaram.

Antes de Ventura ler os nomes no Parlamento na sexta-feira, já Rita Matias tinha partilhado um vídeo no Instagram a ler a mesma lista, afirmando tratar-se “de uma escola portuguesa” e questionando quantas famílias portuguesas teriam dificuldades em encontrar vaga para os seus filhos.

“Não, não me enganei. É mesmo uma lista de uma escola portuguesa. Quantas pessoas por aqui não conseguiram vaga para os seus filhos?”, questiona a deputada no vídeo.

Um dia mais tarde, André Ventura repetiu o gesto no Parlamento, omitindo, por sua vez, os apelidos das crianças para evitar uma identificação direta.

Rita Cid Matias: nome de origem muçulmana

A jogada do Chega provocou, como de costume, forte oposição da esquerda parlamentar.

Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, recordou que o Chega teve um deputado com nome de origem brasileira, Marcus Vinicius; o deputado do Livre Paulo Muacho admitiu que o partido está a ponderar apresentar uma queixa contra André Ventura e Rita Matias. E Isabel Moreira, do PS, sublinhou que muitos portugueses têm apelidos estrangeiros, incluindo a própria Rita Matias, cujo apelido “Cid” tem origem islâmica.

“Cid é português e não tem qualquer alusão à comunidade muçulmana”, defendeu-se a aliada de André Ventura, que pediu “respeito” pela sua família.

Mas de facto, segundo a definição no dicionário, o apelido Cid vem do árabe, Sid, que significa ‘senhor’.

Aguiar-Branco defende “liberdade de expressão”

Membro do anterior Governo do PSD, Pedro Duarte também cedo criticou a “falta de empatia” de André Ventura, que o “chocou”.

Já outros sociais-democratas, como o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, saiu em defesa do Chega e do socialista Marcos Perestrello, que presidiu a parte do plenário na sexta-feira no Parlamento e que concluiu que “não houve violação dos direitos das crianças” na intervenção do líder do Chega.

“Quem faz intervenções — falo na plenitude do exercício da liberdade de expressão —, é que tem de assumir a responsabilidade por aquilo que diz. Posso gostar ou não gostar, estar de acordo ou não, posso inclusivamente fazer um exercício crítico e contraditar quem o diz. Coisa diferente, é dizer ‘não pode’”, disse, citado pelo Expresso, Aguiar-Branco, que tem constantemente marcado uma posição de não-condenação das intervenções do Chega no Parlamento.

Pais e E.E. indignados

Várias associações de pais e encarregados de educação de escolas do centro de Lisboa divulgaram uma carta aberta para manifestar o seu “firme repúdio” face às declarações do Chega.

A iniciativa — “Carta Aberta de Repúdio às Declarações Xenófobas e à Exposição Indevida de Menores” — partiu da Associação de Pais da Escola Básica Arquiteto Victor Palla e conta já com o apoio de outras associações de escolas públicas de Lisboa, avança o Público, sobre o documento dirigido a entidades entre as quais se encontram o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e a Câmara Municipal de Lisboa.

Em trrês pontos, os pais e encarregados de educação denunciam a divulgação dos nomes de menores como um ato de “gravidade extrema”, que viola o direito à privacidade e expõe as crianças ao ódio e à discriminação.

A instrumentalização política de menores é “inaceitável e perigosa”, dizem as associações, que sublinham que ponderam apresentar queixas formais à Comissão Nacional de Proteção de Dados e às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens.

O documento contesta ainda as insinuações de favorecimento no processo de matrícula e, num terceiro ponto, alerta para a escassez de vagas na rede pública de educação pré-escolar.

Tomás Guimarães, ZAP //

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