Como começam as Grandes Guerras? Os 5 fatores comuns que anunciam a terceira

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ZAP // V.A.; Wikipedia; Depositphotos

Nacionalismos, ressentimentos, desejos expansionistas, líderes dispostos a tudo, alianças militares, corrida ao armamento, vontade de uma Nova Ordem mundial e conflitos em várias partes do Mundo. Todos os fatores comuns no contexto que deu origem às duas Guerras Mundiais estão hoje conjugados.

O que é que os períodos que antecederam e deram origem às duas Guerras Mundiais tiveram em comum — e o que nos podem ensinar sobre o momento que estamos a viver agora?

É do conhecimento geral que a I Guerra Mundial foi despoletada pelo assassinato do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando, e que na origem da II Guerra Mundial esteve a invasão da Polónia pela Alemanha.

Esses dois eventos foram, na realidade, apenas os rastilhos de uma relação tensa entre os países envolvidos, que já se desenrolava há algum tempo.

Mas será que é possível saber quando uma guerra mundial está prestes a começar? Quais são os sinais que indicam que um conflito de grandes proporções é uma questão de tempo? E por que alguns especialistas pensam que podemos estar a ver sinais semelhantes hoje em dia?

A repórter Julia Brown, da BBC, conversou com vários historiadores para entender o que os períodos que antecederam as duas Guerras Mundiais tiveram em comum e o que eles podem ensinar-nos sobre o momento que estamos a viver agora.

No início de 2024, Grant Shapps, então Secretário de Estado para a Defesa do Reino Unido, disse que estávamos a passar de um mundo pós-guerra para o que chamou de um mundo pré-guerra.

Este tipo de transição já aconteceu algumas vezes na história. E como explica o professor David Stevenson, pelo menos no caso das duas Guerras Mundiais, os primeiros sinais surgiram muitos anos antes de os conflitos começarem oficialmente.

A I Guerra durou de 1914 a 1918, e morreram cerca de 17 milhões de pessoas. A II Guerra começou em 1939 e terminou em 1945, e estima-se que 50 milhões de pessoas — cinco vezes a população de Portugal — tenham perdido a vida.

Os especialistas explicam que, antes de as duas guerras começarem, alguns fatores já indicavam que existia a possibilidade de um conflito em escala global estar no horizonte.

O primeiro desses fatores é a existência de vários focos de tensão, ou seja, vários conflitos paralelos. Antes de 1914, por exemplo, ocorreram as Guerras dos Balcãs, após as quais a Sérvia emergiu como um Estado mais poderoso e se tornou o principal rival do Império Austro-Húngaro.

Mas houve também na época um conflito entre a Rússia e o Japão, que disputavam os territórios da Manchúria e da Coreia, e vivia-se um ambiente de competitividade entre a Alemanha e a Grã-Bretanha.

Antes da II Guerra, a Alemanha já tinha invadido a Checoslováquia, hoje Chéquia. E na Ásia, já tinha começado um confronto entre a China e o Japão, num contexto de grande tensão entre o Japão e os Estados Unidos.

Mas por que todos esses conflitos estavam a acontecer em simultâneo? Parte da explicação está no aumento do nacionalismo e do imperialismo, diretamente relacionado com o objetivo de expandir territórios, em alguns dos países envolvidos.

O rastilho da I Guerra Mundial

Os mapas abaixo mostram como eram o Mundo e a Europa em 1914, o ano em que a Primeira Guerra começou. Se atentarmos à legenda do primeiro mapa, reparamos que todos os territórios listados faziam parte de impérios — incluindo o império colonial de Portugal. Eram muitos impérios, nota Julia Brown.

 

A historiadora Juliette Pattinson explica que havia na altura grande competição entre as potências europeias da época, como a Alemanha, a França, a Grã-Bretanha, a Rússia e a Áustria-Hungria. Quando uma dessas potências ocupava novos territórios, a ação era vista como uma ameaça pelas outras.

O avanço da Áustria-Hungria pela Bósnia e Herzegovina, por exemplo, foi interpretado pelas nações adversárias como um movimento muito agressivo. E foi nesse clima tenso que o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando decidiu fazer uma visita precisamente a Sarajevo, na Bósnia.

O arquiduque acabou por ser assassinado, atingido pelas balas de um anarquista — evento que foi o rastilho para o início da I Guerra Mundial.

Só que havia um detalhe.

O tal anarquista, na verdade, era um nacionalista sérvio. Hoje, quem passa por Sarajevo ainda encontra uma réplica do carro em que o arquiduque se encontrava, no local em que foi morto.

A história repete-se: II Guerra Mundial

20 anos depois do fim da I Guerra, esses mesmos sentimentos de nacionalismo e imperialismo — a começar pela Alemanha — foram fundamentais para que a Segunda Guerra começasse.

Os alemães tinham sido os grandes derrotados da I Guerra. Muitos especialistas consideram que foi o ressentimento causado por essa derrota que permitiu que os nazis e Adolf Hitler chegassem ao poder.

E perder uma guerra significava, claro, perder territórios, explica Juliette Pattinson. Ou seja, a invasão da Polónia, que foi o rastilho da Segunda Guerra, foi pelo menos em parte uma tentativa da Alemanha de recuperar algum do território perdido alguns anos antes.

Mas por que motivo conflitos que, em teoria, poderiam ter ficado restritos aos dois países envolvidos acabaram por alastrar pelo resto do mundo?

O sistema de alianças

É aí que entra o terceiro fator que as duas grandes guerras têm em comum: o sistema de alianças entre as várias potências.

No caso da I Guerra Mundial, depois do assassinato de Francisco Ferdinando, a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia, já que um sérvio tinha matado o arquiduque austríaco.

A Rússia envolveu-se porque tinha uma aliança com a Sérvia. Por seu lado, a Alemanha declarou guerra à Rússia porque tinha uma aliança com a Áustria-Hungria. E o Reino Unido declarou guerra à Alemanha, porque no meio da confusão a Alemanha invadiu a Bélgica e o Reino Unido era aliado da Bélgica.

Então, duas grandes alianças, conhecidas como Tríplice Entente (França, Inglaterra e Rússia) e Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália), passaram a enfrentar-se em diferentes frentes de batalha.

Em 1917, após dois anos de neutralidade, os EUA juntaram-se à Tríplice Entente, em resposta aos ataques de submarinos alemães a navios norte-americanos e ao famoso Telegrama Zimmermann, em que o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão propunha ao México uma aliança caso os EUA entrassem na guerra — a troco da “devolução” dos territórios perdidos em 1848.

No caso da II Guerra, todos sabemos que o conflito teve início porque a Alemanha invadiu a Polónia. Ou quase todos, porque o presidente da Rússia, Vladimir Putin, diz que a culpa foi da Polónia.

Mas como é que o resto do mundo se envolveu no conflito? Tudo começou com o Protocolo Berlim-Roma, assinado em 1936 por Benito Mussolini e Adolf Hitler.

Na altura, Mussolini fez um discurso em que declarava que o Protocolo Berlim-Roma seria um eixo em torno do qual Estados europeus que desejassem a paz poderiam colaborar — declaração que deu origem ao nome de Eixo com que ficou conhecida a aliança entre a Itália e a Alemanha na II Guerra.

Menos de dois anos após a visita de Mussolini a Berlim, a Alemanha invadiu a Polónia e a Segunda Guerra Mundial começou oficialmente.

O Japão juntou-se ao Eixo por ter assinado um tratado anticomunista com os dois países, que depois se converteu num pacto militar, e posteriormente a Hungria, Roménia, Eslováquia e Bulgária também se uniram à aliança.

Do lado oposto estavam os Aliados, pacto militar formado inicialmente pela Polónia, que tinha sido invadida, e por França e Reino Unido, que tinham um acordo com a Polónia.

Quase dois anos após o início da guerra, em julho de 1941, depois de ter sido invadida pela Alemanha, a União Soviética juntou-se aos Aliados.

Finalmente, em dezembro do mesmo ano, após o ataque japonês a Pearl Harbor, foi a vez de os Estados Unidos se juntarem aos Aliados — tal como na I Guerra, dois anos após o início do conflito.

A corrida ao armamento

Mas, mesmo antes da sua adesão, os americanos já forneciam armamento aos Aliados, o que nos leva ao quarto fator comum às duas guerras mundiais: ambas foram precedidas de uma corrida armamentista — que, no caso da II Guerra Mundial, era particularmente dramático.

O fenómeno da corrida armamentista — o aumento continuado dos gastos com a Defesa — acontece habitualmente porque uma potência começa a armar-se e, em consequência, as potências rivais decidem armar-se também, para não estarem em desvantagem caso uma guerra realmente ocorra.

Na I Guerra, por exemplo, o Reino Unido tinha uma marinha muito forte. Então, a Alemanha começou a investir fortemente para superar os britânicos, que, por sua vez, responderam desenvolvendo navios de guerra mais poderosos do que os existentes até então.

A personalidade dos líderes

De nada adiantaria que os países estivessem armados até aos dentes se não houvesse também líderes dispostos a entrar em guerra, explica Juliette Pattinson.

Segundo os historiadores, a personalidade dos chefes de Estado envolvidos também foi determinante para que esses dois grandes conflitos tivessem a proporção que tiveram. Seria esse o caso de personagens como o imperador Guilherme II, da Alemanha na Primeira Guerra, e Hitler e Mussolini, na Segunda.

Segundo a historiadora britânica, não havia ninguém no círculo próximo desses líderes com a capacidade de conter os impulsos expansionistas que tinham.

Antes da Segunda Guerra, Neville Chamberlain, então Primeiro-Ministro do Reino Unido, tentou negociar com Hitler para evitar um conflito armado, numa estratégia diplomática conhecida como apaziguamento. Os britânicos assinaram um acordo com Hitler, aceitando que a Alemanha ficasse com parte do território checo.

Inicialmente, o acordo foi ótimo para a popularidade de Chamberlain, porque se acreditava que seria capaz de impedir a guerra. No entanto, foi fácil concluir que que a estratégia de apaziguamento teve o efeito contrário ao esperado: a guerra começou menos de um ano após o acordo ser assinado, e durou seis anos.

Quando a II Guerra Mundial  terminou, a distribuição de poder pelo mundo tinha mudado completamente.

Nova ordem mundial

Este é o último fator que foi determinante para o início dos dois conflitos: o desejo de alterar o equilíbrio de poder na ordem mundial.

O professor Richard Kaplan, da Universidade de Oxford, explica que, de forma geral, a paz é mais provável em momentos de estabilidade na distribuição de poder.

Após a I Guerra, os impérios que dominavam o Mundo desmoronaram, novas nações foram criadas e o poder foi redistribuído, com a ascensão dos EUA. A Alemanha, principal derrotada do conflito, foi obrigada a aceitar as condições impostas pelos vencedores no Tratado de Versalhes.

Mas os termos do Tratado geraram ressentimentos profundos, que foram determinantes para o desencadear da II Guerra, marcada pelos esforços da Alemanha em busca de poder na ordem mundial.

Já o conflito, que terminou em 1945, consolidou a hegemonia de duas grandes potências globais, os Estados Unidos e a União Soviética, que emergiram como vencedoras e influenciaram diretamente a reorganização mundial.

Posteriormente, essa bipolaridade deu início à Guerra Fria. Mas fica a pergunta: o que o passado sugere sobre o futuro?

Estamos no pré-Guerra?

Será que hoje estamos a passar por um período histórico em que é possível identificar alguns dos mesmos fatores que deram origem às duas guerras mundiais? Os especialistas dizem que é difícil fazer essa análise no calor dos acontecimentos, sem um distanciamento histórico.

No entanto, todos concordam que há efetivamente algumas semelhanças, a começar pela mudança de ordem global causada pelo fim da Guerra Fria — que levou à desintegração da antiga União Soviética. Quarenta anos depois, alguns russos não conseguem esconder o ressentimento com a perda do seu império.

A invasão da Ucrânia em 2022 é uma prova clara da predisposição de Putin em ir para o campo de batalha, e da importância que dá à expansão dos territórios da Rússia.

O presidente dos EUA, Donald Trump, que quer anexar a Gronelândia e Canadá e tomar o poder no Canal do Panamá, também não disfarça as suas ambições expansionistas.

A ameaça de invasão russa a territórios vizinhos como a Polónia, ou o recente aviso de que a Rússia prepara um ataque no flanco leste da NATO, já estão a levar a uma corrida armamentista na Europa.

Recentemente, Reino Unido, França e Alemanha anunciaram planos de aumentar os gastos com defesa, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que a Europa vai entrar numa era de rearmamento massivo – e mobilizar 800 mil milhões de euros para investimento na defesa.

Além disso, há também há vários focos de tensão em várias partes do mundo.

Além da Ucrânia, há uma guerra no Médio Oriente, cada vez mais disputas territoriais no Mar do Sul da China, uma crescente tensão em torno da independência e possível invasão de Taiwan pela China… e o conflito latente entre a Coreia do Sul e Coreia do Norte — que para já apenas trocam balões de estrume.

Entretanto, a Coreia do Norte enviou 11 mil soldados para combater ao lado da Rússia na Ucrânia — algo muito próximo de termos um conflito que já não é apenas entre duas nações. Mas já não o era, porque a Bielorrússia está desde o início diretamente envolvida.

O Sudão enfrenta há anos uma guerra civil devastadora, e regiões como o Corno de África sofrem com insurgências e conflitos armados. Em todos estes casos, é possível identificar a influência das grandes alianças de hoje.

Recentemente, um relatório revelado pelo Financial Times deu a conhecer os planos do Kremlin para criar uma nova ordem mundial, que passaria por uma macro-região euro-asiática, liderada por Moscovo, focada no comércio, para rivalizar com a União Europeia, a China e os EUA.

Historicamente, uma das divisões mais claras era entre os EUA e seus aliados ocidentais (ou ex-aliados), de um lado, e a China e a Rússia, de outro.

Mas estas alianças parecem estar a desfazer-se: Trump aproximou-se de Putin, afastou-se da Europa e ameaça desde 2018 retirar os EUA da NATO — que, para Luís Valença Pinto, antigo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, já morreu.

Os 5 fatores comuns no contexto que levou às duas primeiras Guerras Mundiais parecem estar atualmente conjugados, e já aqui escrevemos em dezembro do ano passado que cheira a III Guerra Mundial.

É no entanto preciso lembrar que, em outros momentos da história, estes fatores também se conjugaram — durante a crise dos mísseis de Cuba, na Guerra Fria, por exemplo — e nada aconteceu.

Assim, especialistas em política externa, diplomatas e historiadores analisam o cenário atual com cautela quanto à possibilidade de que estejamos no limiar de uma nova Guerra Mundial. Mas o cheiro é indisfarçável.

Armando Batista, ZAP // BBC

2 Comments

  1. BRAVVATAS ? PALHAÇADAS ? – Nada de Terceira Guerra Mundial O que ocorre com o sentimento de quem se acha o TODO PODEROSO ?! È mostrar superioridade através dos canais mediáticos , que tem os mais poderosos armamentos bélicos e que vão liderar o MUNDO com toda sua potencialidade Pura ilusão ; Chega de utopias filosóficas de socialismo falido , ultrapassado . Devemos temer são os designios da Natureza , que são inesperados e, às vezes, destruidores , devassadores , aniquiladores É o que pensa joaoluizgondimaguiargondim – [email protected]

  2. A principal razão para a Primeira Guerra Mundial foi a incrível estupidez dos lideres políticos europeus. O que vai levar à Terceira Guerra Mundial é a incrível estupidez dos lideres políticos europeus…

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