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Mortes nos Comandos. Recruta diz que colocaram um cateter em Hugo Abreu já depois de estar morto

António Cotrim / Lusa

Rodrigo Silvano, o último recruta no curso 127 de Comandos a sair da tenda de enfermaria onde morreu Hugo Abreu no primeiro dia da Prova Zero, relatou ao tribunal que viu o enfermeiro do INEM colocar um cateter num braço de Hugo Abreu já depois de este ter morrido. 

Este recruta foi também um dos 23 instruendos assistidos no dia 4 de setembro de 2016, numa situação que está em julgamento que decorre no Campus da Justiça, em Lisboa, para apurar as circunstâncias das mortes de dois jovens de 20 anos de idade: o 2º Furriel Hugo Abreu e o soldado Dylan da Silva por falência de órgãos causada por golpe de calor e desidratação extrema.

Num depoimento, na semana passada, Silvano relatou ao tribunal que viu o enfermeiro do INEM colocar um cateter num braço de Hugo Abreu já depois de este ter morrido. O médico do curso, chefe da equipa sanitária, tinha-se ausentado e​ é um dos 19 militares a ser julgados.

Enquanto outros instruendos têm mencionado, nos seus testemunhos, o racionamento da água num contexto de grande esforço físico sob um calor extremo e a forma como alguns dos recrutas foram tratados quando não conseguiam concluir as provas com êxito, o depoimento de Rodrigo Silvano centrou-se no que aconteceu na enfermaria.

“Vi o enfermeiro do INEM a colocar um cateter num braço do Hugo Abreu”, relata ao tribunal. “O outro cateter já estava colocado quando me virei. Até ao momento em que o médico diz que ele já estava morto, não havia cateter em nenhum braço de Hugo Abreu. Tenho a certeza absoluta. Quando o médico declarou o óbito, vi o furriel fechar os punhos”, disse.

Quando um dos advogados de defesa lhe pergunta se não lhe “causou estranheza estarem a tentar colocar um cateter numa pessoa que já tinha morrido”, Silvano diz: “Causou-me estranheza, mas foi o que vi”. Um outro advogado afirmou, entre duas perguntas, que o jovem estaria confuso quando saiu da tenda.

Em declarações ao jornal Público, Rodrigo Silvano insiste na história: “Dos instruendos, fui o último a sair da tenda da enfermaria. Posso não me lembrar de alguns pormenores do que aconteceu no curso. Mas há duas coisas de que tenho 100% a certeza que aconteceram quando saí: a colocação dos cateteres; e o facto de o Hugo [Abreu] ter fechado os punhos quando o médico o deu como morto.”

Dylan da Silva e Hugo Abreu, com 20 anos, morreram vítimas de um golpe de calor e desidratação na sequência de uma prova do 127.º Curso de Comandos, que decorreu na região de Alcochete, a 4 de setembro de 2016. Vários outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados.

Os 19 militares, incluindo oito oficiais do Exército, oito sargentos e três praças, todos do Regimento de Comandos, são acusados de sujeitarem as vítimas a “penosidade física e psicológica” durante a recruta, com “manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram”.

A acusação refere ainda todos os arguidos sabiam que “excediam os limites” permitidos pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares da Forças Armadas e “colocaram em risco a vida e a saúde dos ofendidos, o que aconteceu logo no primeiro dia de formação”.

Três anos depois das mortes, o julgamento ainda decorre e o Estado não pagou qualquer indemnização aos familiares das vítimas, mas também não é obrigado a fazê-lo. Os pais de Hugo Abreu pedem 300 mil euros e os familiares de Dylan da Silva pedem 350 mil euros. A lei, contudo, é omissa nos casos em que militares morrem em formação.

O Governo travou, no último trimestre do ano passado, a negociação a que dera início para o pagamento de indemnizações. Segundo o Ministério da Justiça, se houver um acordo, irá ponderar se “a transação deve ou não ser autorizada”, “à luz do interesse público”.

ZAP //

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