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Centeno tirou Camões da cartola para defender o Orçamento

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Miguel A. Lopes / Lusa

O ministro das Finanças, Mário Centeno

Esta quarta-feira, o ministro das Finanças tirou da cartola uma citação de Luís de Camões para atacar a oposição e defender a proposta do governo de Orçamento de Estado para 2017 (OE 2017).

Mário Centeno foi novamente ouvido nas comissões parlamentares de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e do Trabalho e Segurança Social, esta quarta-feira, depois de as Finanças terem entregue à Assembleia da República, na sexta-feira passada, uma série de quadros apresentados em contabilidade pública que não constavam do relatório do OE 2017 e que foram pedidos por requerimento pelo PSD e pelo CDS-PP.

Foi a entrega destes quadros que motivou esta segunda audição parlamentar do ministro das Finanças.

O PSD, pela voz do deputado Duarte Pacheco, começou por acusar o governo de só entregar “parte da informação”, criticando ainda que o Orçamento “está cheio de truques e chico-espertice”.

O deputado social-democrata disse ainda que “o Governo espera arrecadar menos receita do que a que esperava” para este ano, afirmando que “aparecem [agora] 200 milhões de euros de receita em outros impostos não explicados para que as contas dêem certo”.

Duarte Pacheco criticou também a redução do investimento público e apontou as diferenças entre 2017 e 2016, nos sectores da educação e da saúde, acabando por concluir que “há uma falta de transparência em todas as previsões do Governo”.

“Não têm sustentação e baseiam-se numa única palavra: fé”, apontou ainda o deputado do PSD.

“Aquela cativa que me tem cativo”

Na resposta, o ministro das Finanças, Mário Centeno, afiançou que “o senhor deputado dedicou uns vertiginosos 22 segundos à análise da informação que tão veementemente pediu”.

“E nos 22 segundos que dedicou à análise dessas tabelas não conseguiu sequer perceber a sub-orçamentação que vem dos orçamentos que foram responsabilidade do anterior Governo”, disse Centeno.

“A educação chega violentamente sub-orçamentada ao ano de 2015. São 800 milhões de euros. O que fizemos em 2016 e 2017 é uma correcção dos valores orçamentados, reconhecendo a pressão que existe” nesse sector, afirmou o ministro.

Quanto às críticas sobre a carga fiscal e o investimento, Centeno sublinhou que o deputado “confundiu as tabelas de contabilidade pública e nacional“.

“Não vale a pena continuar a lançar nuvem de fumo em torno destes números. Não lhes fica bem e não esclarece o debate”, afirmou o governante, que recorreu a Luís de Camões para responder às críticas de PSD e CDS que acusam o governo de recorrer sistematicamente às cativações de verbas dos ministérios.

“Aquela cativa que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva”, recitou Centeno, realçando que a oposição está “cativa de uma tabela”.

“Números continuarão a não agradar à oposição”

O ministro também defendeu que a avaliação do orçamento “deve ser feita em contas nacionais” e que, mesmo em contabilidade pública, os números “continuarão a não agradar à oposição”.

E na óptica das contas nacionais – as que contam para Bruxelas -, “o défice reduz-se em 2016, a taxa de juro implícita no pagamento de juros reduz-se, a dívida manter-se-á numa trajectória de redução e a carga fiscal diminui pela primeira vez desde 2010”, afirmou Centeno.

Em termos de contabilidade pública, o ministro notou que “depois de anos sucessivos de redução do orçamento inicial da educação, com uma diminuição de 440 milhões de euros entre 2013 e 2015, em 2016 e 2017, este orçamento tem um reforço significativo de 483 milhões de euros”.

Também na saúde, o ministro das Finanças afirmou que, “em 2015, o défice inicial do programa orçamental da saúde era de 30 milhões de euros” e que “o apuramento final por parte do Instituto Nacional de Estatística colocou o défice da saúde em 472 milhões de euros, uma derrapagem de 440 milhões de euros”.

Mário Centeno referiu-se também à evolução global da receita fiscal bruta, considerando que esta “está a evoluir de acordo com as expectativas do Governo” nos principais impostos e que “o que não está a evoluir de acordo com as expectativas dos portugueses é o fardo de despesa fiscal que o anterior governo adiou para 2016”.

Reiterando que, em 2016, há “mais 900 milhões de euros de reembolsos do que em 2015″, o ministro das Finanças afirmou que “o plano do anterior governo foi o de atingir as metas de 2015 à custa de reter nos cofres do Estado dinheiro dos portugueses”.

Mário Centeno disse ainda que, no caso do IRS, do IRC e do IVA, “os desvios são quase exclusivamente explicados por reembolsos mais elevados”.

“O IRS tem as retenções na fonte dos rendimentos de trabalho dependente e de pensões a aumentar acima de 3%, no IRC, o primeiro pagamento especial por conta crescer 5,1% face a 2015 e, no IVA, o crescimento bruto da receita acumulada até Setembro foi de 2,4%”, reportou.

Revisões em baixa nas receitas

De acordo com a informação constante dos quadros entregues pelo governo, na passada sexta-feira, verifica-se que o gabinete de Mário Centeno reviu em baixa as projecções para a receita fiscal esperada em 2016, uma vez que, no Orçamento do Estado para 2016 (OE2016), apresentado em Fevereiro, o Governo previa arrecadar 40.954 milhões de euros em impostos.

Agora, o executivo espera que a receita fiscal do Estado ascenda a 40.373 milhões de euros no final deste ano, menos cerca de 580 milhões do que antecipava há oito meses.

A receita do IVA explica grande parte desta revisão em baixa, uma vez que o Governo socialista esperava que este imposto rendesse 15.312 milhões de euros e agora aponta para os 14.899 milhões, o que significa que a receita do IVA deverá ficar aquém da estimativa inicial em cerca de 413 milhões de euros.

Também as receitas do IRS e do IRC foram revistas em baixa de 158 milhões de euros para os 12.393 milhões de euros no primeiro caso e de 150 milhões para os 5.193 milhões de euros no segundo caso.

ZAP / Lusa

5 Comments

  1. Centeno esforçou-se muito para provar o impossível. O OE2017 é mau e não vai trazer crescimento nem baixar impostos.
    Quando já não tinha mais argumentos, voltou à velha táctica de endossar as culpas para o governo anterior.
    Entretanto os dependentes do estado estão satisfeitos, e prometem votar para manter este governo que lhes garante as mordomias.

  2. Acho positivo citar-se Luís de Camões num qualquer debate orçamental. O único senão é que o coitado do homem era zarolho e podia não apanhar as diferenças entre receitas e despesas do próximo défice, perdão… orçamento. Pessoalmente, acho que teria preferido, nesta matéria de contabilidade, citar Fernando Pessoa. E até deixo aqui uma passagem:

    “A contabilidade traz o poeta à realidade e não permite que fique numa dimensão apenas transcendental que de exacerbada prática pode conduzir à alienação e loucura; por outro lado a poesia leva o guarda-livros/contabilista a outra dimensão, não normativa, sem códigos ou coimas, espiritual e livre!“

  3. Nada melhor para encobrir falhas de um orçamento que recorrer a uns poemas para acalmar as hostes e pô-las em estado de sonolência.

  4. Pois permito-me discordar. Em minha opinião há o poeta que deveria ter citado a propósito do orçamento de Estado é Bocage. Ora vejam:

    Besta e mais besta! O positivo é nada…
    (Perdoa, se em gramática te falo,
    Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
    Besta e mais besta! Na palavra embirro;
    Que a besta anexa ao mais teu ser define.

    Dás-me louvor servil na voz do prelo,
    Grande me crês, proclamas-me famoso,
    Excelso, transcendente, incomparável,
    Confessas que d’Elmano a fúria temes…
    E, débil estorninho, águias provocas,
    Aves de Jove, que o corisco empunham!

    És de rábula vil corrupta imagem;
    Tu vendes o louvor, como ele as partes,
    Mas ele na enxovia infâmias paga,
    E tu, com tústios, que aos caloiros pilhas,
    Compras gravatas, em que a tromba enorme
    Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
    Qual em tenra mãozinha esconde a face
    Mimoso infante de papões vexado.
    Útil descuido aos cárceres te furta,
    À digna habitação de ti saudosa
    (Digo, o Castelo), estância equivalente
    Aos méritos morais, que em ti reluzem.

    De saloios vinténs larápio sujo,
    A glória do teu ódio restitui
    A quem no teu louvor desacreditas.
    Se honrada pelos sábios d’Ulisseia
    (D’Ulisseia não só, de Lísia toda)
    Galgando a Musa minha aos céus não fosse,
    E se a nojenta epístola brotasse
    Dentre o lameiro das ideias tuas,
    Em regras, que são mais ou que são menos
    Do que exigem do metro as leis d’Apolo
    (Em regrinhas aquém e além do metro,
    Que versos hão-de ser, ou versos foram,
    Quando o que a Musa quer é só que o sejam),
    Dissera a gente, gritaria o mundo:
    «Louvado e louvador são dois patetas!»

    Ó versos aleijões! De Insauro ó versos!
    Prosa de toda a gente e versos dele!
    Fora! Eu me benzo, eu renuncio o pacto!
    Antes um corno pelos peitos dentro,
    Que um verso de Saunier pelos ouvidos,
    Bem que, indagados de atenção miúda,
    Sinónimos parecem corno e verso,
    Quando em linhas venais galegos tentas,
    Teus sócios, teus colegas, teus patronos;
    Ou quando sensabor, ou quando insano
    Louvas de graça e por dinheiro infamas
    (Que a resposta, eu bem sei, rendeu-te cobres).

    Falas em faixa? E com que faixa, e como!
    Não sabes que, apesar da atroz gravata,
    Sai teu focinho a malquistar-te às vezes
    Com quantos olhos há, que todos negam
    Seres da espécie racional primeira,
    E a negra forma macacal te impinge?
    Quindorna tens, que por amor te engoma.
    Tanto sofreis, ó Cotovia, ó Taipas!

    Jamais se envileceu luxúria tanto,
    E tanto na eleição jamais cincaste!
    Só se vós por ser burro amais Insauro!
    Esses podres c…, que vendem peste,
    Esses, meu nome, teu trovão, teu raio,
    Esses, em súcia torpe, aonde és gente,
    Meu nome, a glória minha enxovalharam;
    Que mulher de decoro, esposa virgem,
    Se manchasse em te ouvir seu grau, su’alma,
    O caos volvera e se abismara o globo.

    Espoja-te a meus pés, baqueia, ó bruto,
    E em actos burricais o que és pregoa!
    Ou da matula vil, onde patinhas,
    Irás à Fama em sátiras d’Elmano,
    Que é pior para ti do que ir ao Letes!

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