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Incêndios. Tribunal de Contas diz que faltam concretizar medidas aprovadas em 2017

Paulo Nobre / Lusa

As medidas de prevenção e combate aos incêndios rurais decididas após os grandes fogos de 2017 “ainda não foram completamente concretizadas”, existindo várias áreas que carecem “de aperfeiçoamento”, revela uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC).

Numa auditoria ao Dispositivo Especial de Combates a Incêndios Rurais (DECIR), e que visou examinar o grau de execução das medidas da reforma do sistema de prevenção e combate aos incêndios rurais decididas pelo Governo em outubro de 2017, o Tribunal de Contas concluiu que esta reforma “não se encontra integralmente concretizada”.

Os juízes consideram que a reforma “está atrasada nalgumas vertentes importantes”, embora tenham sido realizadas uma boa parte das medidas definidas e tenha havido reforço dos meios humanos, terrestres e aéreos afetos ao combate a incêndios e melhorias no respetivo planeamento e coordenação.

O TdC refere que “falta clarificar a legislação em vigor”, aprovar importantes instrumentos e documentos estratégicos e de operacionalização no âmbito do programa nacional e regional do sistema de gestão integrada de fogos rurais e concretizar o novo sistema de proteção e socorro.

Os juízes consideram que não foram “totalmente alcançados os objetivos relacionados com os sistemas de informação e comunicação, reforço dos meios aéreos e com a aquisição de alguns equipamentos, sobretudo por razões de natureza orçamental”, sustentando que “as medidas relativas à intervenção no território, em termos de gestão da floresta, da vegetação e dos combustíveis encontram-se num nível de execução reduzido”.

O Tribunal observou que o planeamento e a execução do combate aos incêndios melhoraram, mas carecem de uma visão mais integrada e de melhorias de desempenho no terreno, designadamente quanto à homogeneidade territorial do posicionamento estratégico.

Para o TdC, o DECIR assenta numa multiplicidade de sistemas de informação, “sem uniformização de conteúdos e acarretando a dispersão da informação” e os mecanismos de avaliação “não estão suficientemente institucionalizados”.

Os juízes alertam igualmente para a não existência de um sistema que apure os custos da prevenção e combate aos incêndios, de modo a quantificar, em cada ano, os encargos associados à prevenção e combate, ao DECIR e a cada incêndio.

O relatório frisa também que os bombeiros são a principal força que sustenta o DECIR e a sua participação aumentou, mas, em termos de evolução, a Guarda Nacional Republicana foi a entidade que mais reforçou o seu papel.

De acordo com o TdC, foram integrados no DECIR de 2019 peritos da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), a pedido da Autoridade Nacional de Emergência e proteção Civil (ANEPC).

O Tribunal avança que estes meios implicaram uma despesa de 60,5 milhões de euros em 2018 e 47,7 milhões de euros em 2019, no total de 108,2 milhões de euros.

Os juízes do Tribunal de Contas consideram que a capacitação dos meios humanos de combate aos incêndios deve ser aprofundada e é necessário “mais esforços” na área da formação.

A auditoria dá conta que não existiu em 2018 e 2019 “capacidade de resposta total” dos meios aéreos, apesar do reforço, avançando que ocorreram “situações de interrupção ou cancelamento de missões, em incumprimento de disposições contratuais, e não está concluído o processo para constituição de uma frota própria e centralizada”.

Sobre o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), o relatório refere que esta rede satisfaz atualmente as principais necessidades de comunicação de emergência, mas alerta para o aproximar do termo do contrato vigente, antevendo-se “alterações no modelo tecnológico e de gestão que urge definir”.

Entretanto, fonte da Altice Portugal disse que, ainda esta sexta-feira, vai ser enviada a proposta técnico operacional para a prorrogação por 18 meses do serviço da rede de comunicações de emergência.

Os juízes referem igualmente que se regista uma evolução positiva na ocorrência de incêndios, na salvaguarda de vidas humanas e nas atitudes de gestão do risco por parte da população, mas “as alterações climáticas e as persistentes vulnerabilidades na gestão do território e da vegetação não garantem a sustentabilidade dessa trajetória”.

Entre as recomendações dirigidas à Assembleia da República, Governo, AGIF, ANEPC e Força Aérea, destacam-se a urgente revisão dos diplomas que estão desajustados ao novo Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais e inscrição no Orçamento do Estado de um programa orçamental transversal para a prevenção e combate aos incêndios.

O TdC recomenda igualmente a elaboração e implementação dos instrumentos de programação em falta, num quadro de articulação dos diversos níveis de gestão territorial, a urgente transferência dos seis helicópteros do Estado Kamov para a Força Aérea, a melhoria do posicionamento estratégico dos meios do DECIR nas várias fases de combate aos fogos e o reforço da capacitação dos agentes.

Definição do novo modelo tecnológico, contratual e de gestão do SIRESP, monitorização e a avaliação anual do DECIR e revisão e melhor articulação dos sistemas de informação são ainda outras recomendações.

Liga dos Bombeiros diz que auditoria tem grande sentido pedagógico

Em declarações à Lusa, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, disse que esta auditoria tece um conjunto de recomendações, fazendo pedagogia.

Não levanta situações de ilegalidade, de irregularidade, mas sim situações que é preciso fazer avançar e que estão atrasadas em relação ao espaço e ao tempo em que deveriam ter sido concretizadas”, disse.

Segundo o presidente este documento do TdC “é muito cuidadoso” e indica que o caminho não está a ser feito como deve ser.

“O TdC indica que tem de se inverter o sentido e tem implícito no seu parecer as dificuldades que haverá para concretizar muitos desses objetivos, alguns porque há uma necessidade muito grande de investimentos que o país não tem orçamentos para fazer face à urgência das próprias medidas”, salientou.

As questões abordadas pelos juízes, segundo Marta Soares, vão demorar anos a ser resolvidas.

Há questões que demorarão anos ou décadas a concretizar, principalmente no que diz respeito ao planeamento e ordenamento da floresta. Há coisas na floresta que se podem fazer em relação às populações, limpezas de autoestradas e caminhos e proteção das populações, mas vai demorar décadas e é preciso termos um ritmo acelerado”, disse.

De acordo com o presidente da Liga, tem de ser criado um conjunto de situações que leve a uma reformulação de mentalidades, pois também é um problema cultural da sociedade portuguesa.

 

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