Decreto de Putin terá cláusula secreta que permite mobilizar até um milhão de soldados

EPA/ILYA PITALEV/SPUTNIK/KREMLIN POOL

Vladimir Putin

O artigo sete do decreto de Putin tem uma parte confidencial onde estará uma cláusula que define que podem ser mobilizados até um milhão de soldados, não 300 mil como o Ministério da Defesa da Rússia anunciou.

De acordo com o jornal Novaya Gazeta Europe, o decreto de mobilização de militares de Putin terá uma cláusula secreta que permitirá ao país chamar até um milhão de soldados da reserva, um valor bem acima dos 300 mil que foram anunciados pelo Ministério da Defesa da Rússia.

A revelação foi feita por uma fonte governamental, que refere que os responsáveis “mudaram o número várias vezes até chegarem a um milhão”. A informação terá sido escondida no sétimo artigo do decreto, onde se pode ler “para uso oficial”, o que significa que essa parte do documento é confidencial.

O jornal Novaya Gazeta perdeu a licença para operar este mês depois de ter criticado a investida russa na Ucrânia. Nasceu depois o Novaya Gazeta Europe, que está a operar de forma independente a partir de Riga, na Letónia, para escapar às leis russas que restringem a cobertura da guerra. O seu editor-chefe Dmitry Muratov anunciou que a equipa é composta por jornalistas que saíram da Rússia.

Entretanto, o Kremlin negou a notícia da mobilização de um milhão de pessoas, com o porta-voz Dmitry Peskov a descrevê-la como uma “mentira“, já depois de ter confirmado que a informação secreta era referente ao número de soldados.

Actualmente, a Rússia tem um milhão de militares no activo e dois milhões na reserva, num total de 25 milhões que já cumpriram serviço militar. Esta será a primeira mobilização militar no país desde a Segunda Guerra Mundial.

Milhares de pessoas têm protestado nas ruas contra a decisão e muitos outros tentam fugir, estando já esgotada a maioria dos voos para o estrangeiro e havendo um aumento do tráfego nas fronteiras da Rússia com a Finlândia e a Geórgia.

O Governo russo também diz que são exageradas as notícias de que os homens detidos nas manifestações anti-guerra estão a ser convocados para se juntarem ao exército, apesar de Peskov sublinhar que isso não seria ilegal.

A falta de recursos humanos tem sido um dos maiores problemas das tropas russas, que nas últimas semanas têm perdido terreno para os ucranianos. Até agora, o exército era apenas composto por tropas de elite, voluntários, contratados e mercenários. Os contratados perdem agora o direito de voltar a casa até ordens em contrário, na sequência do decreto de Putin.

O Presidente garantiu na comunicação ao país que não quer que os estudantes sejam chamados a servir no exército e que a mobilização será feita com soldados nas reservas que já têm experiência militar. No entanto, o decreto só abre uma excepção para os funcionários do complexo militar-industrial.

Na quinta-feira, o Ministério da Defesa Britânico declarou que as dificuldades da Rússia devem continuar mesmo com 300 mil novas tropas. “A Rússia provavelmente enfrentará os desafios logísticos e administrativos de reunir os 300 000 militares. Provavelmente tentará criar novas formações com muitas dessas tropas, que provavelmente não serão eficazes em combate por meses“, considerou.

Em declarações ao The New York Times, o antigo comandante dos EUA, Frederick Hodges. chega a uma conclusão semelhante. Com o arrastar das guerras e as sanções apertadas que dificultam a substituição do equipamento e munições perdidas, a situação deverá ser difícil.

“Sem o apoio maciço da artilharia, estes novos soldados serão pura carne para canhão, sentados em trincheiras frias e húmidas este inverno, enquanto as forças ucranianas continuam a pressionar”, considera.

Referendos arrancam esta sexta-feira

Os referendos sobre a adesão dos territórios ucranianos de Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson à Federação russa começam esta sexta-feira e decorrem até 27 de setembro, indicaram as autoridades pró-russas dessas regiões.

Os parlamentos das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, reconhecidas pelo Kremlin a 21 de fevereiro passado, convocaram um referendo de integração na Rússia entre esta sexta-feira e 27 de setembro, ao qual se juntaram as regiões de Kherson e Zaporijia, parcialmente sob domínio russo.

O anúncio oficial de realização dessas consultas populares para anexação dos territórios ucranianos sob ocupação russa foi feito num discurso à nação proferido na quarta-feira pelo Presidente russo, Vladimir Putin.

De imediato surgiram críticas dos países ocidentais e organizações internacionais ao discurso de Putin, que classificaram como uma nova tentativa de escalada do conflito por parte do chefe de Estado russo.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, também se pronunciou sobre tais declarações, afirmando-se “profundamente preocupado” com os planos de Moscovo de efetuar referendos sobre a adesão de territórios ucranianos ocupados à Federação russa.

Numa reunião do Conselho de Segurança realizada na quarta-feira, Guterres sublinhou que “qualquer anexação do território de um Estado por outro Estado resultante da ameaça ou uso da força é uma violação da Carta da ONU e do direito internacional”.

A convocação destas consultas populares nos territórios ocupados pelas forças russas segue-se ao referendo de adesão à Rússia realizado em 2014 pelas autoridades russófonas na Crimeia e cujo resultado legitimou a anexação da península por Moscovo.

A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 13 milhões de pessoas — mais de seis milhões de deslocados internos e mais de 7,4 milhões para os países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 5916 civis mortos e 8616 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.

Adriana Peixoto, ZAP // Lusa

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